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2 A QUESTÃO DA CAPACIDADE, SOB UM VIÉS JURÍDICO E

3.2 ASPECTOS HISTÓRICOS DA INTERNAÇÃO PSIQUIÁTRICA NO BRASIL:

A Lei nº. 4.294, de 06 de julho de 1921, foi o diploma legal que primeiro tratou sobre toxicomania no Brasil, tendo sido regulamentada pelo Decreto 14.969 de 03 de setembro de 1921180.

Referida legislação estabeleceu penalidades para os contraventores, na venda de cocaina, ópio, morfina e seus derivados; criou um estabelecimento especial para internação dos intoxicados pelo álcool ou substâncias venenosas; estabelecem as formas de processo e julgamento; e manda abrir os créditos necessários181.

A própria norma do art. 6° desse Decreto já estabelecia que o Poder Executivo criaria, no Distrito Federal, um estabelecimento especial, com

179 SHIRAKAWA; GONÇALVES In ALVES, 2007. p. 185.

180 Vide PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. Rio de

Janeiro: Borsói, 1954. v. 9. p. 321.

tratamento médico e regime de trabalho, sendo composto por duas seções: uma de internandos judiciários e outra de internandos voluntários.

Já havia, pois, a sinalização da potencial ocorrência de internações compulsórias à época. Mais tarde, o Decreto 24.559, de 03 de julho de 1934, através da norma do art. 3.°, § 5.°, estabeleceu, verbis: “§ 5.° Podem ser admitidos nos estabelecimentos psiquiátricos os toxicômanos e os intoxicados por substâncias de ação analgésica ou entorpecente, por bebidas inebriantes, particularmente as alcoólicas”.

No mesmo diploma, mas na norma do art. 11, previu-se a internação por ordem judicial, através de requisição da autoridade policial ou por interesse do próprio paciente.

O Decreto-Lei 841, de 1938, acabou por aprovar a Lei de Fiscalização de Drogas na República dos Estados Unidos do Brasil. Isso ocorreu em razão da necessidade de se dotar o país de uma legislação capaz de regular eficientemente a fiscalização de entorpecentes, aliada ao fato de se fazer com que a legislação brasileira da época estivesse de acordo as mais recentes convenções sobre a matéria. Tal decreto, especificamente no Capítulo III, pontificou questões atinentes à internação e à interdição civil. Estabeleceu, na norma do art. 27, que a toxicomania ou a intoxicação habitual por substâncias entorpecentes é considerada doença de notificação compulsória, em caráter reservado à autoridade sanitária local, vedando o tratamento de toxicômanos em domicílio.

De acordo com o Decreto em questão, os toxicômanos ou os intoxicados habituais por entorpecentes, por inebriantes em geral ou bebidas alcoólicas, são passíveis de internação obrigatória ou facultativa, por tempo determinado ou não. Eis, neste momento, o aparecimento de forma expressa, da possibilidade de internação compulsória de toxicômanos, na legislação pátria.

O § 2º do art. 29 estabelecera que a internação compulsória dar-se-ia somente em caso de condenação por embriaguez habitual ou no caso de impronúncia ou absolvição, em virtude de dirimente do artigo 27, § 4º, da Consolidação das Leis Penais182, fundada em doença ou estado mental

182 Na lição de Amadeu de Almeida Weinmann, a Lei nº. 4.294, de 06.06.1921 e o Decreto nº.

20.930, de 11.01.1932 já visavam à repressão ao uso de tóxicos e entorpecentes. Neste período, foi criado, pelo Decreto nº. 17.974-A, o Código de Menores. Como última medida,

resultante do abuso de qualquer das substâncias enumeradas nos arts. 1º e 29 do Decreto em questão.

Já o § 3º estabeleceu que a internação facultativa se daria quando provada a conveniência de tratamento hospitalar, a requerimento do interessado, de seus representantes legais, cônjuge ou parente até o 4º grau colateral inclusive183.

O § 4º prevê que, nos casos urgentes, poderá ser feita pela polícia a prévia e imediata internação, fundada no laudo do exame, embora sumário, efetuado por dois médicos idôneos, instaurando-se, a seguir, o processo judicial, na forma do § 1º desse mesmo artigo, dentro do prazo máximo de cinco dias, contados a partir da internação.

O § 5º prescreveu que a internação prévia poderá também ser ordenada pelo juiz competente, quando os peritos por ele nomeados considerarem necessária a observação médico-legal.

É importante esclarecer que o Decreto nº. 24.559/34 e o Decreto nº. 891/38 permanecem em vigor, mesmo após a promulgação da Lei nº. 10.216, de 06 de abril de 2001, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e que redirecionou o modelo assistencial em saúde mental.

Nesse diploma, em especial na norma do art. 6°, menciona-se todas as formas de internações que podem se dar:

surgiu, o Decreto nº. 22.213, de 14.12.1932, da lavra do Desembargador Vicente Piragibe, que se tornou conhecida como a Consolidação das Leis Penais Brasileiras. Era o resultado de um estudo iniciado por aquele consagrado mestre, em 1926. Resumindo: além da série de leis e decretos que se multiplicavam no sentido de atualizar o Código Penal, houve o surgimento de vários anteprojetos, entre eles, o de Galdino Siqueira, em 1913, e o de Virgílio de Sá Pereira, em 1928. WEINMANN, Amadeu de Almeida. Gênese do Código Penal Brasileiro. Revista

Síntese de Direito Penal e Processual Penal, São Paulo, n. 12, p. 51, fev./mar., 2002.

183 A linha sucessória estabelece a relação de parentesco de pessoas oriundas de um mesmo

tronco ancestral, podendo ser de duas espécies; a reta e a colateral. A linha reta é aquela em que as pessoas descendem entre si, ocorrendo a ascendência ou descendência direta do próprio tronco ancestral. A citar, os avós, os pais e os filhos. Enquanto a linha colateral, embora descendendo de um mesmo tranco ancestral, essas pessoas não descendem diretamente uma das outras, mas sim, de um ancestral comum. Por exemplo, os irmãos, onde o ancestral comum é o pai, ou, o tio e o sobrinho, onde o ancestral comum é o avó. Assim, entre irmãos, o parentesco é colateral em segundo grau; entre tio e sobrinho, terceiro grau e entre primos e tio- avô e sobrinho-neto, quarto grau.

[...] Art. 6.° A internação psiquiátrica somente será realizada mediante laudo médico circunstanciado que caracterize os seus motivos.

Parágrafo único. São considerados os seguintes tipos de internação psiquiátrica:

I – internação voluntária: aquela que se dá com o consentimento do usuário;

II – internação involuntária: aquela que se dá sem o consentimento do usuário e a pedido de terceiro; e

III – internação compulsória: aquela determinada pela Justiça.

A norma do art. 8° estabelece que a internação voluntária ou involuntária somente será autorizada por médico, devidamente registrado no Conselho Regional de Medicina do Estado, onde se localize o estabelecimento. Já a internação psiquiátrica involuntária deverá, no prazo de setenta e duas horas, ser comunicada ao Ministério Público Estadual, pelo responsável técnico do estabelecimento no qual ela tenha ocorrido. Esse mesmo procedimento deve ser adotado, quando da respectiva alta.

O § 2º da referida norma anui que o término da internação involuntária dar-se-á por solicitação escrita do familiar, ou responsável legal, ou por decisão do especialista responsável pelo tratamento.

Com relação à internação compulsória, dispõe o art. 9.° da Lei 10.216/01: “Art. 9.° A internação compulsória é determinada, de acordo com a legislação vigente, pelo juiz competente, que levará em conta as condições de segurança do estabelecimento, quanto à salvaguarda do paciente, dos demais internados e funcionários”.

É importante salientar que, no ao âmbito penal, a Lei 6368/76 dispôs sobre medidas de prevenção e repressão ao tráfico ilícito e ao uso indevido de substâncias entorpecentes ou que determinem dependência física ou psíquica. Estabelece, na norma do art. 10, que o tratamento sob regime de internação hospitalar será obrigatório, quando o quadro clínico do dependente ou a natureza de suas manifestações psicopatológicas assim o exigirem.

Atualmente está em vigor a Lei nº. 11.343, de 23 de agosto de 2006, que instituiu o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas (SISNAD), bem como prescreveu medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas.

Note-se que tal legislação é mais fidedigna aos preceitos emanados da Constituição Federal em relação à vetusta legislação sobre drogas (Lei

6.368/76) Isso se evidencia, na medida em que, já no inciso I da norma do art. 4, preceitua que o SISNAD terá como princípios retores, dentre outros, o respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana, especialmente quanto à sua autonomia e à sua liberdade. Também merece encômios o preceituado na norma do art. 21 da mesma Lei, posto que tem o condão de reinserir à sociedade o dependente de drogas e seus respectivos familiares, com o fito de, em última análise, reintegrá-los à rede social de convívio.