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2 A QUESTÃO DA CAPACIDADE, SOB UM VIÉS JURÍDICO E

4.2 O TRATAMENTO DA MEDIDA DE SEGURANÇA NO ATUAL DIREITO

4.2.2 Periculosidade

284 DIAS, Jorge de Figueiredo. Questões fundamentais do Direito Penal revisitadas. São

Se a culpabilidade é requisito essencial para a aplicação da pena, a periculosidade285 o é para a aplicação da medida de segurança.

Para Guilherme de Souza Nucci, a periculosidade “[...] significa um estado mais ou menos duradouro de anti-sociabilidade, em nível subjetivo. Quanto mais fatos considerados como crime o inimputável comete, mais demonstra sua anti-sociabilidade286.”

A periculosidade dos doentes mentais é definida como a probabilidade que estes apresentam de cometerem atos violentos e delituosos287. A legislação penal em torno da questão da loucura-criminosa se utiliza deste conceito, de forma explícita, para justificar o tipo de sanção penal que é aplicada aos doentes mentais288.

A inimputabilidade e a semi-imputabilidade (nos casos de necessidade de especial tratamento curativo) possuem ligação com a periculosidade do sujeito, sujeitando-o à medida de segurança pertinente ao caso.

Como foi visto, a doutrina majoritária entende que a periculosidade refere-se ao futuro, ou seja, é uma probabilidade de que novos crimes venham a ser cometidos pelo inimputável e, por isso, teria o objetivo de prevenir a ocorrência dessas novas ações delituosas.

Sobre ela, Luiz Regis Prado destaca que

[...] para a sua aferição implica um juízo naturalístico, um cálculo de probabilidade, que se desdobra em dois momentos distintos: o primeiro consiste na comprovação da qualidade sintomática de perigoso (diagnóstico da periculosidade); o segundo, na comprovação da relação entre tal qualidade e o futuro criminal do sujeito (prognose criminal)289.

Para a averiguação da periculosidade, o perito tem um papel extremamente importante, uma vez que, suspeitada a existência de doença

285 A periculosidade pode ser real ou presumida. É real, quando reconhecida pelo próprio

julgador, nos termos do parágrafo único da norma do art. 26 do CP; é presumida, quando afirmada pela própria lei, como no caso do caput da mesma norma.

286 NUCCI, 2006. p. 523.

287 Nesse sentido: HUNGRIA, Nelson; FRAGOSO, Heleno. Comentários ao Código Penal.

Rio de Janeiro: Forense, 1978.

288 Nesse sentido: DELMANTO, Celso. Código Penal comentado. São Paulo: Renovar, 1991. 289 PRADO, 2006. p. 324.

mental, o juiz solicita o exame pericial para comprovação ou não da suspeita. É este último, contudo, quem, com a sua prerrogativa, toma a decisão final do caso, determinando ou não a internação compulsória, estabelecendo o tempo mínimo de sua duração e determinando a alta do paciente.

Ao médico, cabe apenas a realização das atividades periciais, para auxiliar o juiz em sua decisão, o qual pode não considerar as recomendações feitas pelo perito. Para que o doente entre neste processo, é necessário a existência de uma denúncia formal de um ato definido legalmente como crime. Trata-se de um procedimento rígido, no qual o médico tem baixo poder de interferência, não lhe sendo possível negar a internação, por ordem judicial, quando esta lhe parece desnecessário, e nem dar alta, quando esta lhe parece necessária. Cabe ao juiz os momentos de decisão.

Por outro lado, destaca Paulo José da Costa Junior que

[...] o juízo da periculosidade, que Garofalo chamava de temibilidade, lançando-se sobre o futuro e assentando-se em hipóteses, não pode conduzir a um grau de certeza jurídica. O julgador se assenta sobre as areias movediças dos indícios e das presunções [...] É um termo vago e recebendo significados exagerados290.

A norma do art. 97 do CP, em seu parágrafo segundo, estabelece que a cessação da periculosidade dar-se-á através de perícia médica, devendo a mesma ser realizada ao fim do prazo mínimo fixado e ser repetida de ano em ano, ou a qualquer tempo, se assim determinar o juiz da execução. Pode, entretanto, o juiz da execução determinar, de ofício, a repetição do exame a qualquer tempo, desde que transcorrido o prazo mínimo. Permite-se, porém, uma exceção à determinação legal de que as medidas de segurança devem durar, no mínimo, um ano. Antes de escoado esse prazo, o exame poderá ser realizado mediante provocação do MP ou do interessado, seu procurador ou defensor, mas nunca de ofício pelo magistrado.

Outro ponto que merece destaque é a questão da permissão para a interveniência de um médico particular, no exame de verificação da cessação de periculosidade. Na verdade, a lei silencia sobre esse tema. Entendemos

290 COSTA JUNIOR, Paulo José da. Código Penal comentado. 8. ed. São Paulo: DPJ Editora,

todavia que a participação de assistente técnico seria recomendável inclusive, para homenagear o princípio constitucional da ampla defesa, ainda mais com base no preceituado na norma do art. 43 da LEP291.

Neste tópico em particular, Bruno de Morais Ribeiro destaca que o exame deve ser remetido ao juiz, pela autoridade administrativa competente, em forma de minucioso relatório, instruído com laudo psiquiátrico, em virtude de ser o diagnóstico da periculosidade tarefa difícil e imprecisa. Daí a razão porque o exame só poderá ser realizado por médicos especializados, cujas conclusões deverão se basear em rigorosas provas, após detida ponderação292.

Assim, se verificada a cessação da periculosidade, mediante laudo pericial específico, o juiz da execução determinará a revogação da medida de segurança, com a desinternação do agente em caráter provisório, aplicando, ao beneficiário, as condições próprias do livramento condicional, tudo conforme disposto na norma do art. 178 da LEP293, que remete às normas dos arts. 132294 e 133295 da mesma lei.

Dessa maneira, pode-se falar não em revogação, mas em suspensão da medida de segurança, uma vez que o liberado só terá efetivamente revogada a medida a que estava submetido, se durante um ano não praticar fato indicativo de persistência da periculosidade.

291 A norma do art. 43 da LEP dispõe, verbis: “Art. 43. É garantida a liberdade de contratar

médico de confiança pessoal do internado ou do submetido a tratamento ambulatorial, por seus familiares ou dependentes, a fim de orientar e acompanhar o tratamento. Parágrafo único. As divergências entre o médico oficial e o particular serão resolvidas pelo juiz de execução”.

292 RIBEIRO, Bruno de Morais. Medida de segurança. São Paulo: Livraria do Advogado, 2000.

p. 75-89.

293 A norma do art. 178 da LEP dispõe, verbis: “Art. 178. Nas hipóteses de desinternação ou de

liberação (artigo 97, § 3º, do Código Penal), aplicar-se-á o disposto nos artigos 132 e 133 desta Lei”.

294 A norma do art. 132 da LEP dispõe, verbis: “Art. 132. Deferido o pedido, o juiz especificará

as condições a que fica subordinado o livramento. § 1º. Serão sempre impostas ao liberado condicional as obrigações seguintes: a) obter ocupação lícita, dentro de prazo razoável se for apto para o trabalho; b) comunicar periodicamente ao juiz sua ocupação; c) não mudar do território da comarca do Juízo da Execução, sem prévia autorização deste. § 2º. Poderão ainda ser impostas ao liberado condicional entre outras obrigações, as seguintes: a) não mudar de residência sem comunicação ao juiz e à autoridade incumbida da observação cautelar e de proteção; b) recolher-se à habitação em hora fixada; c) não freqüentar determinados lugares”.

295 A norma do art. 133 da LEP dispõe, verbis: “Art. 133. Se for permitido ao liberado residir fora

da comarca do Juízo da Execução, remeter-se-á cópia da sentença do livramento ao juízo do lugar para onde ele se houver transferido e à autoridade incumbida da observação cautelar e de proteção”.

O simples não-comparecimento ou o descumprimento, pelo agente, das condições impostas não é algo suficiente para se restabelecer a medida de segurança. Geralmente, os pacientes que são autorizados pelo juiz da execução a sairem do estabelecimento segregador, logo após exibem melhora significativa em seu quadro mental. Na mesma senda, os pacientes que desfrutam de saídas terapêuticas regulares têm maior chance de sucesso na reinserção sócio familiar do que aqueles que não passam por esse processo.

Devemos clarificar que esses tipos de saídas pressupõem necessariamente avaliação e indicação, por parte da equipe responsável pelo atendimento ao paciente, e são encaminhados à Vara de Execuções Penais, cabendo sempre à decisão judicial a liberação ou não do paciente, sendo recomendável, todavia, que a mesma seja balizada no laudo pericial correspondente.

Legalmente, os exames de cessação de periculosidade são previstos na LEP, na norma do art. 26296. Devem ser realizados anualmente, em todos os pacientes que cumprem medida de segurança, sendo que o serviço de assistência social colaborará com o egresso para a obtenção de trabalho, conforme disposto na norma do art. 27 do mesmo diploma legal297.

A LEP ainda prescreve que, após a obtenção do benefício da alta, esta se torna condicional, isto é, a alta resta subordinada a acompanhamento ambulatorial compulsório, por um ano, tendo o paciente de comparecer ao ambulatório semanalmente, quinzenalmente ou mensalmente. Nesse período, se a família não souber administrar o paciente em sua residência ou se ele tiver piora do quadro clínico, ou, ainda, se ele cometer novo delito, deverá ser

296 A norma do art. 26 da LEP dispõe, verbis: “Art. 26. Considera-se egresso para os efeitos

desta Lei: I - o liberado definitivo, pelo prazo de 1 (um) ano a contar da saída do estabelecimento; II- o liberado condicional, durante o período de prova”.

297 O STJ já decidiu, verbis: HABEAS CORPUS. DIREITO PROCESSUAL PENAL. MEDIDA DE

SEGURANÇA. CESSAÇÃO DA PERICULOSIDADE. QUADRO DE SAÚDE DEBILITADO. ABANDONO FAMILIAR. IMPOSSIBILIDADE DO PACIENTE SE PROVER. ORDEM CONCEDIDA. 1. É firme a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a cessação da periculosidade, atestado por laudo médico, enseja a imediata desinternação do paciente do estabelecimento psiquiátrico. 2. Evidenciando-se que o paciente se encontra com mais de 64 anos, saúde debilitada e desprovido de qualquer apoio familiar, e que não teria, além, as mínimas condições de prover-se sozinho, é de ser deferida a liberação condicional a que alude o artigo 97, parágrafo 3º, do Código Penal, somente após obtida a assistência social e médica de que depende. 3. Ordem concedida. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas

Corpus 33909. Ministro: Hamilton Carvalhido. Sexta Turma. Rio de Janeiro, 04 de agosto de

novamente internado compulsoriamente, até que seja feito novo laudo de cessação da periculosidade.

Dentre fatores que podem ser associados à reinternação do paciente, é possível destacar o pedido dos próprios familiares, em razão da dificuldade que esses possuem, ao lidar com esse paciente em seu meio, eis que, algumas vezes ele é retirado desse convívio por um longo período e a família acaba por se adaptar à sua ausência. Além disso, e conforme já se discorreu anteriormente, o estigma do paciente que cumpriu medida de segurança, aliado ao fato da problemática de funcionamento dos acompanhamentos ambulatoriais externos, acaba por favorecer a piora do quadro clínico e a sua reinternação em hospital de custódia.

4.3 A INTERNAÇÃO COMO MODALIDADE DE MEDIDA DE SEGURANÇA NA