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2 A QUESTÃO DA CAPACIDADE, SOB UM VIÉS JURÍDICO E

4.1 UM BREVE APANHADO HISTÓRICO DA MEDIDA DE SEGURANÇA

Na verdade, a medida de segurança nasceu de com o positivismo calcado no século XIX, mas, desde tempos remotos, já era utilizada, mesmo sem a denominação e a função atuais. Em verdade, ela é medida recente na doutrina penal.

Segundo Moacir Benedicto de Souza,

[...] embora as medidas de segurança, com a estrutura com que são acolhidas nos códigos modernos, tenham sua elaboração iniciada a partir do século XIX, os estudiosos da matéria têm procurado surpreender nas legislações de povos antigos alguns exemplos de providências penais que se assemelham, ainda que rudimentarmente, àquelas sanções. As Leis de Manu – ensinam eles – continham dispositivos de caráter preventivo que não se assimilavam às penas, enquanto que nas antigas leis romanas já aparecia, entre outros, o instituto da relegação, e que, segundo FOINISTSKY, era aplicado pelo poder consular com a finalidade de afastar os indivíduos perigosos à ordem pública243.

O imperador romano Julio César, por exemplo, teria ordenado “apenas” a custódia de um indivíduo que cometera parricídio244, por entender que ele estava fora de seu estado de “normalidade”.

Para Sérgio Carrara245, ainda no Direito Canônico, os ausentes de discernimento eram considerados irresponsáveis pelos seus atos e, em seguida, eram enviados a asilos. No ano de 1800, o então Rei Jorge III teria

243 SOUZA, Moacir Benedicto de. O problema da unificação da pena e da medida de

segurança. São Paulo: Bushatsky, 1979. p. 22.

244 É considerado parricida aquele que atenta contra a vida de seus pais ou ascendentes,

praticando assim o homicídio, que se comprovado o dolo, além da previsão em nosso CP, pode haver também a deserdação, ficando impedidos de receber a herança, dependendo da decisão judicial .

245 CARRARA, Sérgio. Crime e loucura: o surgimento do manicômio judiciário na passagem

lançado o Criminal Lunatics Act, para fins de internar em um manicômio um indivíduo que teria atentado contra a vida dele.

No Código Penal Francês de 1810, existiam disposições referentes aos menores de 18 anos que tivessem agindo sem discernimento, os quais, livres de pena, eram submetidos a medidas tutelares246.

A incorporação da medida de segurança, em um Código Penal normatizado, foi feita somente com o Código Zanardelli, na Itália, mais especificamente em 1889. Neste código havia medidas,

No ano de 1893, foi incorporada ao Código Penal Suíço, idealizado por Karl Stoos, que a definiu como um conjunto sistemático de procedências de cunho preventivo individual.

O “Projeto Stoos” foi inteiramente concebido no esquema conciliador da União Internacional de Direito Penal e inaugurava o sistema dualista247, ou seja, reconhecia a diferença entre imputáveis e inimputáveis, destinava a pena à retribuição da culpa moral e as medidas de segurança, para os inimputáveis e perigosos.

O “Projeto Stoos” influenciou largamente as reformas legislativas posteriores, como se a Suíça gozasse do prestígio intelectual, político e militar outrora desfrutado pela França. Com efeito, o projeto de reforma germânico o tomou como exemplo, em muitos países.

Nesse sentido, Silvio Longhi, ainda em 1911, anotou “[...] que este

projeto, elaborado mais especificamente por Stoos, salvo algumas variações secundárias, será o código modelo de nosso século, junto às nações civis que renovarão a sua legislação penal248.”

246 Segundo Heleno Fragoso, “[...] as medidas de correção e disciplina eram aplicadas desde o

século XVI a vagabundos e mendigos. O CP francês de 1810, que previa para os menores de 13 e 18 anos, que atuassem sem discernimento, medidas educativas (art. 63), ordenava a segregação indefinida de vagabundos (art. 271), colocando-os, depois de cumprida a pena, à disposição do governo, pelo tempo que esse determinasse. A partir de 1832, os vagabundos liberados eram submetidos à vigilância especial de polícia.” FRAGOSO. Heleno Cláudio. “Sistema do duplo binário: vida e morte. Studi in Memória di Giacomo Delitala. v. 3. Milão: Ed. Giufrè, 1984. p. 1907.”

247 Para Heleno Fragoso, “[...] o grande mérito de Stoos não foi apenas o de realizar, por

primeira vez, uma sistematização das medidas de segurança, mas também o de introduzir o critério vicariante, adotado pelas legislações modernas, que permite substituir a pena pela medida.” FRAGOSO, 1984. p. 1909.

248 No original: Questo progetto, devoto pia specialmente allo Stoos, salvo variazioni secondarie, sarà il codice tipo del nostro secolo, presso tutte te nazioni civili che vorranno rinnovare la loro legislazione penale. LONGHI, Silvio. Repressione e prevenssione nel diritio

Já em 1930, foi criado o Código Rocco, na Itália, onde a medida de segurança fora finalmente consolidada, tendo influenciado diversos diplomas penais, inclusive o CP brasileiro de 1940.

Já no Brasil,

[...] o instituto da medida de segurança prende-se a velhas legislações. Já nos Códigos de 1830249 e 1890, e outras leis que se lhe seguiram, encontram-se diversas providências relativas a inimputáveis, estendendo-se, ao depois, a outros tipos de delinqüentes, como os vadios, os anarquistas, os toxicômanos, etc., que ora se apresentavam como penas principais ora como penas acessórias, ou ainda como meios processuais, mas que, substancialmente, pouco se diferenciavam das modernas medidas de segurança250.

No Código do Império (1830), mais especificamente nas normas dos arts. 12 e 13, são encontradas providências sobre a questão dos inimputáveis, quando os loucos eram recolhidos para casa que lhes era destinada, ou entregues às suas famílias, sendo que os menores de 14 anos que houvessem agido sem discernimento seriam recolhidos às casas de correções.

Com o declínio do Império, o Brasil assistiu à proclamação da República em 15 de novembro de 1889.

Desse momento, Aníbal Bruno relata que

[...] sobreveio, então, a proclamação da República, mas o govêrno republicano, pelo seu ministro CAMPOS SALES, renovou a BATISTA PEREIRA o encargo de preparação do

249 Aníbal Bruno assim resumiu a elaboração do primeiro Código Criminal brasileiro: “Da

elaboração do novo Código passou a ocupar-se a Câmara dos Deputados desde a sessão de 04 de maio de 1.827, quando Bernardo Pereira de Vasconcelos apresentou o seu projeto, que havia de servir de fundamento à preparação do Código. A êste seguiu-se o trabalho de José Clemente Pereira, que a 15 do mesmo mês oferecia um projeto de bases para a formação do Código e, no dia seguinte, o projeto mesmo do Código Criminal, projeto que, embora aceito e louvado como o de Bernardo de Vasconcelos, pouco veio a influir sôbre a redação final. Preferido pela Comissão da Câmara o projeto Vasconcelos, sôbre êste assentaram os trabalhos da comissão mista da Câmara e do Senado e, por fim, o projeto que saiu desta Comissão e que, estudado por outra de trêsmembros, discutido e emendado, veio a aprovar- se a 23 de outubro de 1.830 e a ser sancionado como Código Criminal do Império da 16 de dezembro seguinte”. BRUNO, Aníbal. Direito Penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1959.v. 1, Tomo 1. p. 164.

novo Código. Em pouco tempo foi o projeto organizado e entregue ao Govêrno, que o submeteu ao juízo de uma comissão presidida pelo ministro da Justiça. E a 11 de outubro de 1.890 foi o projeto transformado em Código Penal251.

O Código da República (1890), na norma do art. 30, estabelecia, assim como o Código do Império, medidas tutelares aos menores de 18 anos que tivessem agido com discernimento, determinando que lhes fossem recolhidos a estabelecimentos disciplinares industriais e, na norma do art. 29, prescrevia que os inimputáveis por “afecção mental” seriam entregues à família ou internados em hospitais de alienados.

Ainda sobre o Código da República, Heleno Fragoso mencionara que,

[...] elaborado às pressas, antes do advento da primeira Constituição Federal republicana, sem considerar os notáveis avanços doutrinários que então já se faziam sentir, em conseqüência do movimento positivista, bem como o exemplo de códigos estrangeiros mais recentes, especialmente o Código Zanardelli, o CP de 1.890 apresentava graves defeitos de técnica, aparecendo atrasado em relação à ciência de seu tempo. Foi, por isso mesmo, objeto de críticas demolidoras, que muito contribuíram para abalar o seu prestígio e dificultar sua aplicação252.

Já para Aníbal Bruno,

[...] o primeiro Código Penal da República foi menos feliz que o seu antecessor. A pressa com que foi concluído prejudicou-o em mais de um ponto, e nele a crítica pôde assinalar, fundadamente, graves defeitos, embora muitas vezes com excesso de severidade. Não tardou a impor-se a idéia da sua reforma, e menos de três anos depois da sua entrada em vigor já aparecia o primeiro projeto de Código para substituí-lo. Por muito tempo as idéias de reforma ficaram sem êxito, e o Código se foi acrescendo de alterações e aditamentos, para sanar-lhe os defeitos, completá-lo ou ajustá-lo às novas condições práticas ou científicas. Essas leis esparsas retificadoras ou complementares do Código o desembargador

251 BRUNO, 1959. p. 165.

Vicente Piragibe compilou a sistematizou em um corpo de dispositivos que denominou Consolidação das Leis Penais, tornada oficial por decreto de 14 de dezembro de 1932253.

O projeto do jurista Sá Pereira, em 1927, foi o primeiro projeto do Código Penal brasileiro que incluiu as medidas de segurança, todavia denominadas de “medidas de defesa social”. Quando revisado o projeto (na revisão fora denominado de “Segundo Projeto Sá Pereira”), porém o nome passou a ser o mesmo que hoje adotamos no ordenamento jurídico penal, qual seja, medida de segurança.

Todavia, tal projeto teve seu curso interrompido, devido a fatores políticos. Nesse sentido, Aníbal Bruno escreveu que

[...] esse projeto foi em 1.930 submetido à apreciação de uma Comissão especial da Câmara dos Deputados, que não chegou a concluir os seus trabalhos. Uma subcomissão legislativa designada pelo govêrno provisório da Revolução e constituída por SÁ PEREIRA, como presidente, EVARISTO DE MORAIS e MARIO BULHÕES PEDREIRA, prosseguiu nesses estudos, daí resultando o projeto revisto de 1935. O golpe de Estado de 10 de novembro de 1937 interrompeu a marcha do projeto, já aprovado pela Câmara dos Deputados e então submetido à apreciação da Comissão de Justiça do Senado254.

O atual CP brasileiro é de 1940, fruto dos trabalhos da comissão constituída por Nelson Hungria, Roberto Lira, Narcélio de Queiroz e sob a presidência do Ministro Francisco Campos. A Parte Geral fora modificada em 1984, na Reforma Penal.

Ressalte-se que a Reforma Penal de 1984 nascera com o advento das Leis nºs. 7209 e 7210, ambas de 11 de junho de 1984, quase, portanto, ao findar do regime autoritário e com expressões filosóficas de preservação da dignidade humana, que mais tarde seria consagrada pela Constituição Federal de 1988, como um dos pilares do Estado Democrático de Direito.

253 BRUNO, 1959. p. 166-167. 254 BRUNO, 1959. p. 168.

Após a Reforma Penal de 1984, aparece um novo direito penal - subsidiário - atuando somente quando outras medidas de controle social não funcionarem, denominando-o de "ultima ratio".

Nessa senda, o Jurista Santiago Mir Puig esclarece que “[...] essa intervenção mínima estatal se trata de una exigencia de economia social coherente com la lógica del Estado social, que debe buscar el mayor bien social com el menor costo social255.”

Para Heleno Fragoso, “[...] embora elaborado durante um regime ditatorial (o chamado Estado Novo, que vigorou no Brasil de 1.937 a 1.945), o CP de 1.940 incorpora fundamentalmente as bases de um direito punitivo democrático e liberal256.”

Para Zaffaroni e Pierangelo,

[...] o texto que compõe a nova parte geral constitui uma verdadeira reforma penal e supera amplamente o conteúdo tecnocrático da frustrada tentativa de reforma de 1.969, posto que apresenta uma nova linha de política criminal, muito mais de conformidade com os Direitos Humanos. De uma maneira geral, o neo-idealismo autoritário desaparece do texto, apresentando apenas uma isolada amostragem do neo- hegelianismo, ao cuidar da imputabilidade diminuída257.

Nesse contexto, a melhor disciplina do instituto da medida de segurança veio exatamente com a Reforma da Parte Geral do CP em 1984, que será abordada amiúde no próximo item.

4.2 O TRATAMENTO DA MEDIDA DE SEGURANÇA NO ATUAL DIREITO