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CAPÍTULO 1 – MUSEU, CIÊNCIA E EDUCAÇÃO

1.1 Aspectos históricos e definição

A palavra museu se origina do grego mouseion, este era o templo ou casa das nove Musas ligadas às áreas das artes e das ciências, filhas de Zeus com a divindade da memória Mnemosine. Era considerado uma instituição filosófica privilegiada para os homens repousarem a mente e se dedicarem aos estudos artísticos e científicos (SUANO, 1986; TEIXEIRA COELHO, 1997; JULIÃO, 2001).

Sendo pouco usado durante a Idade Média, o termo museu aparece com mais veemência no Renascimento, quando o colecionismo ganha destaque na Europa com as coleções particulares de príncipes e nobres, a fim de dar visibilidade ao poder econômico e político, por meio da exposição de objetos (POMIAN,1984; SUANO, 1986; JULIÃO, 2001). Surgem assim, nos séculos XVII e XVIII, as coleções conhecidas por Gabinetes de Curiosidades e, como não eram abertas à visitação pública, possuía acesso somente um público restrito: amigos íntimos e convidados importantes (McMANUS, 1992, tradução livre).

O caminho percorrido do privado ao público foi lentíssimo, sendo o Ashmolean Museum, da Universidade de Oxford, na Inglaterra, em 1683, o primeiro museu a abrir suas portas não somente para convidados, porém, ainda assim, o público aceito no ambiente era reduzido apenas a estudiosos e artistas (SUANO, 1986; TEIXEIRA COELHO, 1997). As mudanças significativas de entrada livre acontecem na França, como narra Mairesse (2005), ao esclarecer que foi durante a Revolução Francesa, com a abertura do Louvre, em 1793, quando o povo - a massa trabalhadora - entrou no antigo palácio no aniversário da destituição do Rei, que realmente o museu se tornou “espaço público”.

Suano (1986) relata que, no Brasil, os primeiros museus foram criados, mesmo que um pouco mais modestos, nos moldes europeus, a Escola Nacional de Belas Artes e o Museu Nacional (primeira instituição científica), antigo Museu Real, criados em 1815 e 1818, respectivamente, ambos no Rio de Janeiro. Anos depois, meados do século XIX, outros museus surgem no território nacional, são eles: Museu do Exército (1864); Museu da Marinha (1868); Museu Paraense Emílio Goeldi (1866); Museu Paranaense (criado inicialmente como instituição privada13, em 1876); Museu Paulista, conhecido também como Museu do Ipiranga

(1892); Museu do Instituto Histórico e Geográfico da Bahia (1894). A referida autora destaca ainda, que os museus chegam “até a metade do século XIX como uma mistura de conceitos mal

13 Converte-se em órgão oficial do governo e torna-se centro de instrução e pesquisa em 1882 (Museu Paranaense,

disponível em: http://www.museuparanaense.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=48 – Acesso em 31/03/2018).

compreendidos, abarcando desde ideias de contemplação, de templo do saber, até as de representantes do ‘caráter nacional’ [...]” (Idem, p.34).

O conceito de museu mais conhecido é o fomentado pelo ICOM, que passou por mudanças pautadas – de acordo com o site institucional – nas mudanças sociais. Essas modificações estão presentes nos Estatutos14, cuja versão mais recente, discutida em 2017, na

França, evidencia o museu como:

Uma instituição permanente, sem fins lucrativos, a serviço da sociedade e seu desenvolvimento, aberto ao público, que adquire, conserva, pesquisa, comunica e exibe o patrimônio tangível e intangível da humanidade e do meio ambiente para fins de educação, estudo e lazer (ICOM, 2017, p.3, tradução livre).

No livro “Conceitos-chave de museologia”, é mencionado que “o termo museu tanto pode designar a instituição quanto o estabelecimento ou o lugar geralmente concebido para realizar a seleção, o estudo e a apresentação de testemunhos materiais e imateriais do Homem e do seu meio” e, logo em seguida, o texto deixa claro que “a forma e as funções do museu variaram sensivelmente ao longo dos séculos. Seu conteúdo diversificou-se, tanto quanto a sua missão, seu modo de funcionamento ou sua administração” (DESVALLÉES; MAIRESSE, 2013, p.64). Na mesma leitura, também encontramos uma observação que nos aponta um olhar mais crítico quanto as definições, alertando inclusive, de que existem museus que não são reconhecidos pelo ICOM e, ainda assim, não deixam de ser museus. É importante considerarmos a fala de Chagas (2003, p.242), quando nos diz que:

Ainda que o museu, tal como o conhecemos na atualidade, seja produto da idade moderna, da civilização ocidental e tenha apenas duzentos e poucos anos de existência, os seus antecedentes históricos, sociais e míticos remontam a mais de 24 séculos. Ao longo de todo esse tempo, a noção de museu vem sendo feita, desfeita e refeita, construída, desconstruída e reconstruída.

Sendo assim, reforçamos que o espaço denominado museu, mantendo apenas a nomenclatura, assume características diversas com o decorrer do tempo e segundo Scheiner (2015, apud SOLA, 1992), defini-lo é uma maneira de simplificá-lo, de modo que essa simplificação corresponde ao cenário do museu tradicional, que já não é mais o único15. Pensar

14 Disponíveis no site do ICOM: <https://icom.museum/en/resources/documents/?q=statues&y=&type=> –

Acesso em 19/01/2019.

15 Tipologias de museu: museus tradicionais - ortodoxos, exploratórios, com coleções vivas; museus de

território - sítios históricos, paleontológicos, arqueológicos, etnográficos, parques e monumentos naturais, vilas e cidades-monumento, museus comunitários; museus virtuais; etc. (SCHEINER, 1999).

em novas dimensões de museu é deixar de entendê-lo como local estático, para percebê-lo dinâmico, visualizando sua natureza fenomênica.

Como fenômeno, o Museu é livre e plural: pode existir em qualquer espaço, em qualquer tempo. Inexiste, portanto, uma forma 'ideal' de Museu, que possa ser utilizada em diferentes realidades: o Museu toma a forma possível em cada sociedade, sob a influência dos seus valores e representações (SCHEINER, 1999, p.156).

Desta maneira, consideramos o museu como espaço de relações que pode adotar diferentes formas e que representa as perspectivas dos diversos grupos sociais, “é, portanto, uma instância simbólica, que se articula e recria na interface com os tempos, espaços e representações de cada cultura” (SCHEINER, 2015, p.363). Em inteligível tom poetizado acerca desse espaço de relações e vivências, Chagas e Storino (2007, p.6) declaram:

Eles são janelas, portas e portais; elos poéticos entre a memória e o esquecimento, entre o eu e o outro; elos políticos entre o sim e o não, entre o indivíduo e a sociedade. Tudo o que é humano tem espaço nos museus. Eles são bons para exercitar pensamentos, tocar afetos, estimular ações, inspirações e intuições. Como tecnologias ou ferramentas que articulam múltiplas temporalidades em diferentes cenários socioculturais, como territórios que propiciam experiências de estranhamento e familiarização, como entes que devoram e ressignificam o sentido das coisas, os museus operam com memórias e patrimônios e fazem parte das necessidades básicas dos seres humanos. Por este caminho, pode-se compreender que em todo e qualquer museu está presente o gênio humano, a indelével marca da humanidade.

Foi a partir da Segunda Guerra Mundial que aconteceu uma renovação na museologia, e esse caráter dinâmico do museu, citado acima, passa a ser discutido, colocando em voga outras competências que não são somente as de conservação e exibição de acervos. Todavia, somente na década de sessenta, com o descontentamento político e com os movimentos de democratização da cultura, em vários países, é que há um estímulo maior para debates sobre o papel do museu nas sociedades contemporâneas (JULIÃO, 2011).

Esses debates provocaram reformulações nas práticas dos museus e, ainda que nem todos tenham acordado para tais mudanças, muitos – e aqui incluem-se até aqueles mais tradicionais, que através de certas iniciativas ou ações – mostram-se mais abertos a caminharem juntos com as transformações políticas, sociais, culturais, econômicas e tecnológicas. “Engana- se quem pensar que os museus não estão em trânsito, como a própria sociedade brasileira” (CHAGAS, 1994, p.73).