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Todo aprendizado deve encontrar-se intimamente associado à tomada de consciência da situação real vivida pelo educando.

Paulo Freire

A ação educativa Programa de Iniciação à Produção Cultural, mais conhecida como Pró-Cultural se apresenta à primeira vista como um curso de formação para o planejamento, elaboração e execução de eventos culturais, mas na prática mostra-se mais como uma forma de fazer educação compromissada com os sujeitos que dela participam.

A experiência vivenciada, como já dito, configura-se como educação não formal, que complementa, coopera e colabora com o ensino da educação formal, mas não se resume apenas a um complemento, pois como vimos possui características próprias e independentes de qualquer outra instância de ensino-aprendizagem. O que nos interessa nessa pesquisa são as pedagogias as quais entendem que educandos e educandas são sujeitos que carregam consigo conhecimentos e ideias a partir de suas experiências e contextos sociais na associação permanente entre o refletir com consciência crítica e o agir no sentido da emancipação ou libertação, que só podem ser conquistadas por meio das contribuições educativas, trocas e interações uns com os outros, pois “ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se libertam em comunhão” (FREIRE, 2011, p.71).

Considerando a visão freireana da educação, esse estudo confronta a educação bancária no acúmulo conteudista, domesticador e opressor. Enxergamos a ação educativa no museu como espaço de desenvolvimento de significados desencadeados por meios das atividades promovidas por diversos personagens, que provocam, afetam e colaboram para a (re)organização de saberes que se conectam com o mundo, dando sentido a um olhar mais crítico na luta pela emancipação individual e coletiva.

A partir dos relatos dos(as) jovens entrevistados(as) nesta pesquisa percebemos que a instituição Fiocruz, bem como o próprio Museu da Vida (muitas vezes desconhecido por parte dos moradores e moradoras da vizinhança), se mostram distantes daqueles e daquelas que residem nos seus arredores, não interferindo a princípio no cotidiano dos mesmos, pois existem muitos impedimentos que colaboram para o não favorecimento a uma aproximação, como questões específicas voltadas a Fiocruz como instituição científica direcionada à saúde, que

pertence a um público restrito de pesquisadores e cientistas e questões voltadas ao imaginário do que é museu: lugar de pessoa bem vestida e que possua um considerável poder aquisitivo. Esse imaginário contribui para o não reconhecimento e a sensação de não pertencimento nos espaços museológicos em geral, que em sua maioria se encontram nos centros das cidades, dificultando o acesso de moradores(as) de áreas periféricas.

Motivados(as) pelo contato com a ação educativa Pró-Cultural, os(as) jovens sujeitos desta pesquisa apresentaram significações positivas em torno dos museus: a) a experiência nos museus é sinalizada pelo reconhecimento dos seus próprios conhecimentos, na qual os(as) jovens procuram signos e símbolos nos quais se sintam representados de alguma forma na facilitação do entendimento do discurso museológico b) os museus podem ser espaços acolhedores com ações que os direcionam a essa perspectiva e c) as relações desenvolvidas com os(as) educadores(as) e entre os pares contribuem para esse sentimento de acolhimento, ou seja, a ação educativa surge para os(as) jovens como ferramenta de diálogo com um espaço antes distante para eles(as).

A pesquisa realizada nos permitiu compreender como o Pró-Cultural é uma ação que, assim como outras ações do Museu da Vida (como a citada Fiocruz pra você), são realizadas visando essa aproximação, que vai aos poucos estabelecendo uma relação entre a população do entorno com o Museu da Vida, bem como da Fiocruz como um todo, pois o trabalho das duas instituições estão conectados no objetivo de integrar a ciência, a cultura e a sociedade.

Apresentamos ao longo da pesquisa como as transformações no mundo dos museus, resultados de diversos acontecimentos sociais, colaboraram para que surgisse um movimento de uma museologia crítica, que denominamos de museologia social e que nos aproxima do viés freiriano, permitindo-nos pensar o museu como espaço preocupado com as questões sociais, mesmo os museus de ciências, que possuem discursos mais fechados, ocorrendo “muitas vezes, profundos conflitos entre cientistas e diferentes divulgadores da ciência, sejam educadores, jornalistas, comunicadores ou museólogos” (MARANDINO, 2005, p.177), na socialização dos conhecimentos científicos a uma linguagem mais acessível.

Sendo assim, arriscamos dizer que os museus de ciências são capazes de grandes feitos quando seus profissionais se propõem a escutar o que quem participa de suas ações tem a dizer. Um papel que em uma primeira leitura não seria o de um museu de ciências e é nesse sentido que a perspectiva freiriana aparece neste estudo. Os educandos e educandas não chegam ao Pró-Cultural para seguirem roteiros, percursos, experimentos sem propósitos, apesar de

existirem os módulos a serem seguidos. Tudo o que foi realizado nas atividades foi pensado a partir da vivência deles e delas e do que já levaram consigo para a ação educativa.

Estes e estas jovens levaram para dentro de um museu seus problemas sociais e características dos grupos aos quais fazem parte dentro de um grupo maior que é a juventude, por isso aqui, falamos em juventudes. E que problemas são esses? Problemas socioeconômicos, política, identidade, gênero, lugar no mundo, etc. Portanto, partindo de tais considerações respondemos a principal pergunta: levando em consideração a especificidade de um museu de ciências, de que maneira esse lugar dialoga com os(as) jovens moradores(as) do seu entorno, na perspectiva de uma formação crítica visando o desenvolvimento de uma articulação entre as propostas do museu (preservar o patrimônio, promover a saúde e divulgar a ciência e a cultura) e as necessidades de jovens moradores(as) de favelas?

A equipe comprometida do Pró-Cultural busca nas próprias demandas do público- alvo a articulação com as propostas do museu, porque é a partir dos problemas socioeconômicos, política, identidade, gênero, lugar no mundo, etc., que o grupo todo vai discutir as propostas do museu de questões de saúde física, mental, preservação do patrimônio, divulgação científica e cultural.

Nas narrativas dos(as) jovens, todos(as) falaram que a ação educativa de alguma forma contribuiu para mudanças nas percepções sobre si mesmos(as), sobre os outros e sobre o mundo. Nessas transformações subjetivas, a ação educativa Pró-Cultural é concebida como estratégica em prol de uma consciência crítica e uma educação emancipadora, fornecendo e contribuindo com as múltiplas dimensões de ser jovem.

Se de fato o aprendizado construído no Pró-Cultural vai ser colocado em prática na luta por uma transformação social que implique no empenho dos(as) jovens em participar de ações dentro das favelas que possam vir a auxiliar em possíveis – pequenas ou grandes – mudanças na realidade social das mesmas e de seus(as) moradores(as), no sentido de uma conscientização, de uma práxis transformadora, da efetivação da emancipação coletiva ao invés de individual (FREIRE, 1967; 1980; 2001; 2011; 2018), recomendo que haja prosseguimento das pesquisas, com este grupo de jovens, com continuidade na investigação acadêmica sobre como os museus de ciências, muitas vezes vistos como instituições rígidas, contribuem gradativamente como agentes culturais, científicos, políticos e sociais de transformação.