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CAPÍTULO 1 – MUSEU, CIÊNCIA E EDUCAÇÃO

1.3 Programa de Iniciação à Produção Cultural (Pró-Cultural)

A ação educativa a qual iremos nos debruçar se chama Programa de Iniciação à Produção Cultural, mais conhecida como Pró-Cultural, criada em 2012, desenvolvida pelo Serviço Educativo de Ciência e Saúde (SEDUCS), do Museu da Vida. Este programa surgiu da experiência de outra ação educativa, realizada no mesmo museu, chamada de Programa de Qualificação de Monitores para Museus e Centros de Ciências.

Originado em 1999, o Programa de Qualificação de Monitores para Museus e Centros de Ciências, atuava na formação de mediadores, com um público-alvo de estudantes do ensino médio, com idade entre 16 e 21 anos e moradores(as) do entorno do museu. A metodologia da ação era processada em duas etapas: o Curso de Formação de Monitores e o Estágio de Iniciação Profissional. A primeira etapa era dividida em quatro módulos e possuía duração de 10 meses: o primeiro módulo contextualizava museus e centros de ciência, o segundo era voltado ao ensino de conceitos e conteúdo de física, biologia e ciências sociais, o terceiro era dedicado a visitas a outros museus e o quarto módulo se direcionava a possibilidade de facilitar o entendimento das diversas linguagens de divulgação científica. A segunda etapa envolvia os(as) participantes na qualificação como mediadores(as), em um estágio, com duração de 12 meses, que os colocava em prática no atendimento ao público (BONATTO; MENDES; SEIBEL, 2007).

Baseando-se na ação educativa acima, surge o Pró-Cultural. Mantendo o público de estudantes da rede pública, porém, nele acontece uma redução da faixa etária, o requisito passa a ser jovens de 16 a 19 anos, apenas do 2º e 3º anos do ensino médio e o tempo de duração do programa é alterado para o período de oito meses, de abril até novembro.

Houve também uma ampliação quanto ao raio de ação de participações. Antes, no Programa de Qualificação de Monitores para Museus e Centros de Ciências a inscrição, era apenas para residentes das favelas do Complexo da Maré, em parceria com o Centro de Estudos

e Ações Solidárias da Maré (CEASM)22 (MENDES HENZE; MACHADO, 2000). Com a ampliação, outras favelas dos arredores da Fiocruz puderam ser incluídas, como veremos quando apresentarmos os sujeitos desta pesquisa.

Por não possuir uma ementa formal, nossas considerações acerca da ação educativa, como um todo, partem das palavras da educadora e supervisora pedagógica Tereza, que participou da criação do programa em 2011 e escreveu a diretriz pedagógica do mesmo, em entrevista (2018):

Não somos ensino formal. Atuamos no campo da educação não formal, então não temos aquelas obrigações do MEC, não temos que prestar contas de prova, de notas, etc. Temos uma grade de conteúdos que foram discutidos e que consideramos serem fundamentais para alcançar os objetivos do programa. Tentamos ser o mais livre possível e agir da forma menos escolar possível com oficinas, dinâmicas, debates, rodas de conversas, vídeos, entre outros.

De acordo o Plano Museológico Museu da Vida 2017-2021 (Fiocruz, 2017), os objetivos do programa – os quais foram apenas citados pela educadora, mas não descritos – são:

- Estimular a reflexão e a discussão sobre a realidade socioambiental do território onde se localiza a Fiocruz;

- Valorizar a cultura científica, a popularização da ciência e a promoção da saúde; subsidiar a reflexão dos jovens sobre as relações entre expressões culturais e identidade, multiculturalidade, democracia e a importância do acesso à cultura como parte da educação e do processo de formação cidadã;

- Oferecer noções de produção cultural;

- Possibilitar a aquisição de experiência no planejamento e na realização de eventos e atividades culturais.

Para que possam participar das atividades citadas pela educadora, os(as) jovens são submetidos(das) inicialmente a um processo seletivo, pois são ofertadas somente 25 vagas em apenas uma turma por ano e comumente o número de inscritos(as) ultrapassa o número de vagas. “Este ano tivemos quase duzentos inscritos e só vinte e cinco são selecionados” (Tereza, entrevista, 2018).

22 O CEASM, é uma organização não governamental, criada em 1997, por iniciativa de moradores(as) e ex-

moradores(as) do complexo da Maré, visando o desenvolvimento do bairro, cuja missão é “potencializar o acesso de moradores de favelas e bairros populares aos bens sociais, culturais e econômicos por meio de mecanismos de afirmação de direitos” (Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré, disponível em: <https://www.facebook.com/ceasmare/>. Acesso em: 09/12/2018).

Os(as) candidatos(as) que realizam suas inscrições, comparecem em data marcada ao Museu da Vida, onde é proposto um tema para a composição de uma redação. Após a correção das redações, aqueles(as) que passaram na primeira etapa são chamados(as) para realizarem as dinâmicas de grupo. Depois acontecem as entrevistas individuais. Por fim, os(as) candidatos(as) precisam comparecer ao museu em um dia estipulado, para conferirem em lista os nomes dos(as) aprovados(as). Mais informações sobre as etapas serão acrescentadas em nossa análise de dados, pois em praticamente todas as entrevistas foram narradas a emoção de passar por cada uma delas. Descrevendo os critérios avaliados na seleção, Tereza relata que;

O processo seletivo é distribuído em três etapas: 1 - Redação; 2 - Dinâmica de grupo; 3 - Entrevista. Na redação é avaliado muito mais a capacidade de compreensão do texto, criatividade, desenvolvimento do discurso, algum conhecimento sobre o tema, desenvolvimento da ideia, do que a gramática, pois não somos professores de português e não é essa a questão que mais nos interessa. Faço essa colocação devido ao enorme nervosismo que percebia quando os jovens vinham fazer a redação. Faço questão de colocar isso antes da redação, pois eles ficam muito aliviados e conseguem ter mais liberdade e calma para falarem sobre o tema. Essa questão foi fundamental, pois a maioria diz que tinham quase certeza de que não iriam ser selecionados, mas se sentiram mais seguros com esse critério. A dinâmica já nos oferece avaliar o jovem em outros aspectos como timidez, liderança, capacidade de resolver situações, respeito ao outro, etc. A entrevista permite conhecer um pouco mais do jovem em uma conversa informal (entrevista, 2018).

Os(as) aprovados(as) no processo seletivo recebem uma bolsa-auxílio no valor de R$ 210,00, participam das atividades semanalmente de segunda a quinta-feira, no horário de 14h às 17h, portanto, é imprescindível que estudem no período matutino.

Após a aprovação e no percurso das atividades, os(as) educandos(as) não são avaliados(as) com provas ou por notas, “a avaliação da construção de conhecimentos é realizada sobre as diretrizes do pensamento de Cipriano Luckesi” (Tereza, entrevista, 2018).

Doutor em Educação e famoso por seus estudos em torno da avaliação da aprendizagem escolar, Cipriano Carlos Luckesi (2005) dedicou-se por muitos anos a desvendar as práticas avaliativas realizadas nas escolas, tornando-se um crítico da execução de prova/exame, a qual define como ameaçadora, autoritária e seletiva.

Provas/exames têm por finalidade, no caso da aprendizagem escolar, verificar o nível de desempenho do educando em determinado conteúdo (entendo por conteúdo o conjunto de informações, habilidades motoras, habilidades, convicções, criatividade, etc.) e classificá-lo em termos de aprovação/reprovação (para tanto, podendo utilizar- se de níveis variados, tais como: superior, médio-superior, médio, médio-inferior, inferior, sem rendimento; ou notas que variam de 0 a 10, ou coisa semelhante). Desse modo provas/exames separam os “eleitos” dos “não eleitos”. Assim sendo, essa prática exclui uma parte dos alunos e admite, como “aceitos”, uma outra. Manifesta- se, pois, como uma prática seletiva (LUCKESI, 2005, p.169).

Em oposição às práticas autoritárias, o autor propõe a avaliação da aprendizagem escolar como um ato amoroso, sendo um ato que acolhe, integra e inclui. Essa avaliação acolhe uma situação, para depois analisar sua qualidade, indicando, quando necessário, devidas mudanças. Em outras palavras, com o propósito do não julgar, a função constitutiva da avaliação da aprendizagem como um ato amoroso é o diagnóstico, que objetiva a inclusão e não a seleção e consequentemente a exclusão. Ajuizando coisas, atos, situações, pessoas, busca a tomada de decisões, para propiciar condições que favoreçam maior satisfação daquilo que se esteja almejando (Idem). Em resumo:

O ato de avaliar, por sua constituição mesma, não se destina a um julgamento “definitivo” sobre alguma coisa, pessoa ou situação, pois que não é um ato seletivo. A avaliação se destina ao diagnóstico e, por isso mesmo, à inclusão; destina-se à melhoria do ciclo de vida. Deste modo, por si, é um ato amoroso. Infelizmente, por nossas experiências histórico-sociais e pessoais, temos dificuldades em assim compreendê-la e praticá-la (Idem, p.180).

As avaliações dos(as) educandos(as) do Pró-Cultural vão sendo feitas no decorrer dos 3 módulos: Quem sou eu? Identidade, Cidadania e Historicidade; Noções e Práticas em Produção Cultural; Estágio (Fiocruz, 2017) e, assim como os(as) educandos(as) do Pró-Cultural são avaliados(as), eles(as) também dão retorno de avaliação das atividades propostas e, a partir destas considerações vão sendo (re)construídas as diretrizes do programa.

Vamos tentando trazer pessoas novas, lendo as avaliações dos jovens e vendo o que eles mais gostaram. Procuramos trazer os profissionais da Fiocruz e também pessoas que tem militância em movimentos sociais das favelas, entre outros. Essas pessoas convidadas param suas vidas para vir aqui gratuitamente fazer uma atividade, dar uma palestra, fazer um debate ou oficina. Então ficamos o ano inteiro fazendo contatos com esses parceiros para trazê-los, afim de desenvolver várias atividades com os nossos conteúdos para os jovens participantes, pois não temos corpo docente (Tereza, entrevista, 2018).

Na composição da ação educativa fazem parte a coordenadora do SEDUCS que é bióloga e professora, Beatriz (nome fictício), a supervisora pedagógica e educadora Tereza (Pedagoga) e dois bolsistas de nível médio, egressos do programa: José e Carolina (nomes fictícios).

CAPÍTULO 2 – AÇÃO EDUCATIVA E FORMAÇÃO: CONSCIÊNCIA CRÍTICA E