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2. CARACTERIZAÇÃO ETNOGRAFICA DOS KUKAMAS KUKAMIRIAS

2.3 Aspectos importantes dos ciclos vitais

Antigamente, entre os ciclos vitais dos Kukamas, o momento do parto e o posterior pós-parto estão envolvidas em praticas rituais e constituem momentos importantes no ciclo vital das pessoas. (alguns dos quais ainda se conservam):

• O rito do parto das mulheres, que davam à luz de cócoras e depois enterravam o cordão umbilical e a placenta. Elas também controlavam o índice de natalidade de suas famílias. Quando consideravam que já tinham filhos suficientes, com freqüência enterravam vivos os recém- nascidos; também provocavam o aborto por meio de plantas abortivas, ou matavam os nascidos com deficiências e deformações físicas. • O rito da reclusão do pai, depois do nascimento do bebê. O pai era

isolado em casa e suportava um regime de dieta de carne e sal durante seis ou 10 meses. Se fundamentava-se na kutipa, forma de contágio mágico que afetava os filhos recém-nascidos. Se o pai comia a carne de animais que matava durante a caça, então o animal contagiava o bebê com alguma característica própria do animal.

• Rito de iniciação infantil, realizada quando a criança adquiria a palavra. O kuraca (chefe da comunidade) cortava o cabelo do menino ou da menina. A partir dali, consideravam que o infante havia alcançado o estado de pessoa e constituía-se como ser humano completo.

• Rito de iniciação da puberdade e em especial o rito da primeira menstruação das mulheres, na qual a adolescente era suspendida em uma rede pendurada do teto da casa durante oito dias de jejum, ingerindo somente água e mandioca. Depois ficava reclusa em casa durante um mês. Quando terminava esta fase, ela era banhada no rio, pintada e adornada com plumas na parte superior do corpo. Nessa ocasião, ganhava um novo nome.

Na atualidade estes ritos e costumes da cultura kukama não mudaram muito: as mulheres ainda dão à luz em casa, na maioria dos partos, e em certas ocasiões utilizam plantas abortivas para o controle da natalidade. As famílias ainda são numerosas, com uma média de oito a dez filhos. A primeira menstruação continua a ser uma etapa importantíssima na evolução e preparação da mulher para o casamento e reprodução.

Entre suas tradições religioso-espirituais deste povo destacam-se aquelas que consideram que a doença e a morte têm origem extranatural, sendo causadas pelo mal desejado por outra pessoa, normalmente projetado e/ou relacionado com a perda ou da alma ou espírito (STOCKS, 1981).

Atualmente a população kukama kukamiria é composta de 9.422 habitantes. Neste grupo ante o visitante de fora, em termos de aparência, os kukamas kukamirias não se diferenciam muito da população não indígena regional, mas eles continuam tendo praticas costumes e idéias que remetem e são identificadas com sua tradição cultural.

O nível de analfabetismo das comunidades kukama kukamiria é de 21%. Embora não haja estatísticas nesse sentido, sabe-se que há uma brecha notável entre a educação de homens e mulheres. Os homens têm acesso a maior instrução, já que constituem o nexo de ligação com o mundo externo, são os responsáveis pelas relações sociais e podem ocupar posições de autoridade no interior da comunidade. A maioria das comunidades têm escolas de ensino primário, mas com uma infra-estrutura inadequada e número reduzido de professores.

Um dos motivos da deserção escolar das mulheres é a gravidez precoce, que as obriga a abandonar a escola. Em outros casos, elas precisam cuidar dos irmãos mais novos e cumprir atividades domésticas.

Apuramos que a região com maior porcentagem de mães adolescentes é a de Loreto, com 34% de predominância desse tipo de gravidez. Ali, a iniciação sexual de adolescentes é em média é de 16%, segundo (Encuesta demográfica y de Salud Familiar-ENDES, 2000). As adolescentes no Peru respondem por 15% do total das mortes maternas, durante a gravidez, parto e pós-parto. Os abortos de adolescentes correspondem a 20% do total. Na Amazônia peruana, três em cada 10 adolescentes que estudam referem ter tido atividade sexual (MINISTERIO DE SAÚDE, 2002).

Em pesquisa realizada20, as mulheres indígenas expressaram o desejo de ter só quatro filhos.

Algumas cifras mostram a falta de eqüidade nas possibilidades de desenvolvimento para as moradoras nas zonas rurais do Peru21:

• No ano de 2001 mais de 7% da população feminina maior de 15 anos era analfabeta nessa região, em comparação aos 6,1% de analfabetos do mesmo grupo etário, entre os homens.

• Só duas entre cada 10 meninas bilíngües das zonas rurais conseguem escrever um texto e compreender a sua leitura.

Um documento da CEPAL22, que trabalha a articulação das relações de gênero, étnicas e de classe como fator determinante dos graus e características associados à discriminação contra as mulheres, faz um balanço dos mecanismos e instrumentos para combater as discriminações étnica/ racial e de gênero. Os estudos mostram que os avanços ainda são insuficientes para conseguir o pleno respeito aos direitos humanos das mulheres, especialmente das mulheres indígenas.

É verdade que já existe, como resultado de esforços desse tipo, uma normatividade jurídica dirigida a sancionar e erradicar as diferentes formas de discriminação das

20 Estudo de pesquisa do projeto Nippon Foundation - MINSA 2000.

21 Dados extraídos de CESIP, Eqüidade de gênero, requisito para a democracia, agenda elaborada no

marco do projeto “Apoio à sociedade civil para uma aproximação entre o Congresso e cidadania”, fevereiro 2003. Compêndio estatístico 2002, INEI, Lima 2002.

22 Peredo Beltran, Elizabeth, “Uma aproximação à problemática de gênero e etnicidade na América

mulheres na região. Ainda é difícil afirmar, entretanto, que os esforços realizados constituam um corpo sistemático, homogêneo e articulado nos diferentes países.

A diversidade e heterogeneidade das situações das mulheres no continente e a maneira pouco uniforme com que os Estados têm assumido as políticas para eqüidade de gênero e respeito dos direitos humanos das mulheres evidenciam que ainda é preciso trabalhar muito para melhorar a situação das mulheres com um enfoque integral.

O documento da CEPAL mostra também que, apesar da existência de normas, leis nacionais e instrumentos internacionais, ainda não se generalizaram as práticas de monitoramento da implementação de tais instrumentos, levadas adiante pelas mulheres organizadas em sua diversidade.