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4. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

4.3 Observação participante

Observar, na pesquisa qualitativa, significa “examinar” em todos os sentidos um evento, um grupo de pessoas, ou um indivíduo dentro de um contexto, com o objetivo

de descrevê-los. O ambiente, os comportamentos individuais e grupais, a linguagem não-verbal, a seqüência, a temporalidade em que ocorrem os eventos são fundamentais não apenas como dados em si, mas como subsídios para a interpretação posterior dos mesmos; mas também devemos ter em conta que muitas ações observadas podem ter sido geradas pela própria presença do observador (GOMES & RIVA & AGRA, 2000, p. 62-63).

Durante os dias de trabalho de campo, foi possível conhecer a vida cotidiana na comunidade; as atividades realizadas pelas mulheres, homens, jovens, crianças; em particular, a vida nos lares onde fiquei enquanto vivia na comunidade. Ali pude vivenciar de perto a relação e a transmissão da aprendizagem dos pais para as filhas e filhos.

Tive oportunidade de passar alguns dias e também algumas horas da noite no estabelecimento de saúde, onde pude observar e/ ou conhecer de perto o trabalho dos servidores de saúde, seja numa consulta médica, no atendimento às crianças ou no caso em que alguma mulher decidiu ir ao estabelecimento para dar à luz.

Transcorriam os dias. As falas nas noites com as mulheres, seus maridos e filhos, eram de rede a rede; a gente foi se conhecendo mais, ganhando confiança; o que me permitiu ter a oportunidade de observar como a mãe fazia uma “ligada” 24 quando a filha começa a sentir as dores de trabalho de parto. Também pude entrar e observar um parto em casa, assim como na sala de partos do estabelecimento.

Os domingos são o dia de “descanso” das famílias, que não vão à chácara, mas sempre aproveitam para arrumar alguma coisa em casa, jogar uma partida de futebol ou vôlei, receber a visita de algum familiar. Nessas ocasiões elas me contavam histórias da cultura Kukama Kukamiria, dos seus costumes e tradições mais arraigadas, talvez em alguns momentos ficando pensativas, caladas, sem conseguir dissimular a emoção e/ ou a tristeza, ao se lembrar das coisas boas e ruins.

Em San Regis, as mulheres estão sempre atentas ao som dos barcos, para ir ao porto e vender frutas ou comida às lanchas e outras embarcações que, em alguns dias estabelecidos, passam por esta comunidade entre as 12 ou 13h - hora de almoço - às 17 horas, ou nas madrugadas. Na embarcação os passageiros têm direito a comida, que consiste em macarrão com atum e arroz no almoço, aveia e pão no café da manhã e jantar.

24 Infusão de diferentes folhas de árvores para banho de vapor ou assento nas mulheres grávidas para

Dependendo do destino final da embarcação, a viagem pode demorar vários dias; por isso os passageiros costumam comprar frutas frescas ou algum alimento que seja diferente do oferecido na lancha. Mulheres e moças vão ao porto com suas bandejas cheias de comida - peixe assado, mandioca, banana verde cozida, carne de veado, paca, tapir - ou frutas, como mamão, ingá, goiaba, manga, banana, laranjas, caimito.

Alguns homens também vão ao porto, para esperar algum familiar que viajou ou simplesmente, como eles dizem, para “distrair a vista”, olhar algo novo que não se vê na comunidade.

Ver pessoas desconhecidas também chama a atenção. Quando desci da lancha pude reconhecer as pessoas que conhecera há algum tempo, quando realizava trabalho nessa comunidade. Agora, tinha que ir à casa da autoridade local (o chamado tenente- governador) explicar-lhe o motivo de minha visita a San Regis.

No caminho, se aproximou de mim uma moça chamada Margarita, que conheci quando tinha doze anos. Agora já tinha dezoito; me perguntou: “Charito, é você? eu estava na dúvida. Você está tão diferente, com o cabelo comprido”. Pegou minha bolsa para ajudar-me a carregar e me convidou para ir à sua casa. No caminho me perguntava: “Você já tem marido? E filhos? E que milagre que de vez em quando lembras de nós! Onde estás morando? Por que sumiste tanto tempo?” Também perguntou pelas outras colegas com quem eu trabalhava, quando a conheci. Seus pais e irmãos estavam na chácara. Deixei minha mochila em sua casa e fui falar com a autoridade.

Mais tarde chegaram seus pais, Francisco e Manuela, que eu já conhecia também. Manuela é promotora comunitária. Ofereceram sua casa para que eu me hospedasse, e foi ali que fiquei morando do mês de fevereiro até final do mês de abril. Eles não acostumam receber pagamento quando alguém fica na sua casa, então compartilhávamos os alimentos que levei.

As conversas sobre suas lembranças eram intermináveis. Falavam de algumas instituições que estão trabalhando na comunidade. Mas há um certo descontentamento, porque nem todos têm oportunidade de participar dos projetos.

Aqui o costume de homens e mulheres em geral é despertar muito cedo. Às quatro da manhã os homens já estão a caminho da chácara. Às 10 estão de volta para tomar café da manhã. Voltam para a chácara, e caso tenham muito trabalho levam comida preparada de casa. Retornam para casa às 16 ou 17 horas. Algumas vezes vão trabalhar acompanhados dos filhos, pelo menos quando eles não estão na escola.

As famílias acostumam tomar só café da manhã e jantar. Por isso é necessário tomar um bom café da manhã para ficar satisfeito e esperar que chegue a hora de jantar. Os alimentos são mandioca cozida ou farinha, banana verde cozida, arroz e mingau de farinha de banana, sopa de peixe, peixe assado. Em geral a comida tem que ser muito sólida.

Manuela e sua filha preparavam os alimentos, e ás vezes eu ajudava. Elas não queriam, protestavam dizendo que eu ia ficar cheia de fumaça por causa do fogão.

À tarde Percy, de 12 anos, filho de Manuela, carregava um balde de água para banhar-me; mas algumas vezes eu mesma ia ao rio ou quebrada, porque tinha que lavar minha roupa.

Duas vezes tive que voltar para a cidade de Iquitos por quatro dias, para me abastecer de alimentos. Lulu, de cinco anos, filha caçula de Manuela, pedia que eu não me esquecesse de comprar balas, pão, bolachas; tanto as crianças quanto os adultos gostam muito destas coisas. O filho me pedia que comprasse pilhas, muito úteis para a caça à noite. Algumas das senhoras me davam de presente frutas, mandioca ou banana, para que levasse à minha família em Iquitos. São gente muito boa, e entre vizinhos sempre se ajudam.

De volta de uma das minhas viagens, Juana foi visitar-me, e me falou de sua sobrinha Vilma, de 19 anos, que já havia dado à luz na sua casa, atendida por Maritza, a parteira. “Deu à luz na madrugada para amanhecer hoje, se você chegasse ontem tinha um afilhado de umbigo”. Quando o bebê estava com oito dias, a mãe mandou me chamar. Queria que eu fosse madrinha de corte de unha. Segundo a crença deles, as unhas do bebê devem ser cortadas aos oito dias por uma pessoa boa e profissional para dar sorte ao bebê. As unhas são guardadas numa caixinha.

Eu era convidada pelo tenente-governador (chefe da comunidade) a assistir a todas as reuniões do lugar. As reuniões eram sempre à noite, à luz de um lampião, com a participação majoritária dos homens. Só algumas mulheres participam; as que têm filhos pequenos ficam em casa cuidando deles. A pauta das reuniões era sobre os trabalhos comunais em mingas25, limpeza das trilhas, problemas com os professores que ainda não tinham chegado para iniciar o ano escolar. Também discutiram como coordenar a visita do Presidente da Região. Os colaboradores do Presidente enviaram quatro dias antes papel e marcadores para que eles fizessem letreiros de boas-vindas. A

visita aconteceu num sábado. A população toda esperou a autoridade. O objetivo desta visita era a consulta ao povo sobre a construção de uma estrada que fosse da comunidade até a cidade de Iquitos - projeto que ainda não começou e deve demorar ainda muito tempo. Ao final da reunião os colaboradores entregaram camisetas às pessoas que colaboraram na confecção dos letreiros - que neste caso foram, as mulheres mais jovens.

Todas as sextas feiras eu ia com uma turma de mulheres para um albergue que fica a trinta minutos da comunidade, e onde elas vendem suas peças de artesanato. Isso porque ali chegam semanalmente turistas estrangeiros que visitam esta zona. Mas nem sempre as vendas são boas; algumas vezes vendem, outras não. Para ingressar no local, elas têm um cartão emitido pelo administrador do albergue, que devem apresentar aos encarregados da vigilância. No meu caso tive que apresentar meu documento de identidade.