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CAPÍTULO 2 – TEORIA DOS PRECEDENTES JUDICIAIS

1. ASPECTOS INTRODUTÓRIOS SOBRE PRECEDENTES JUDICIAIS

Genericamente, pode-se entender por precedente uma decisão judicial tomada à luz do caso concreto, cujo elemento normativo pode servir como diretriz para o julgamento posterior de casos análogos. (DIDIER et al., 2015-B, p. 441) O que precede, por evidente, é o que vem antes. Com efeito, a expressão “precedente judicial” diz respeito a um pronunciamento judicial pretérito, uma lição discursiva do que se entendeu por Direito num momento temporal passado àquele em que se encontra o presente observador.

Antes de seguirmos desenvolvendo a teoria dos precedentes e sua importância para a aplicação dos conceitos jurídicos indeterminados, vale uma visita a alguns relevantes questionamentos entorno da própria importância dos precedentes judiciais. Questiona Fredrick Schauer (In DIDIER et al. (org.), 2015-A, p. 49) o que significa para um evento pretérito ser um precedente para a decisão atual? E como algo que fazemos hoje se estabelece como um precedente para o futuro? Decisões podem realmente ser controladas pelo passado e responsáveis pelo futuro, ou recorrer aos precedentes seria apenas um arranjo, mascarando o que seria na verdade uma decisão elaborada apenas para o hoje? Por que a melhor decisão para o agora deveria ser distorcida ou frustrada pela reverência a um passado esquecido, ou pelo comprometimento com um futuro incerto e vagamente imaginado? Se for para sermos acorrentados ao passado e endividados com o futuro, qual é a força desse elo e o que seria necessário para se libertar dele? Sem dúvida, são questionamentos relevantes que tentaremos responder de forma satisfatória ao longo deste trabalho.

Destaca Macêdo (2015, 87-88) que a categoria dos precedentes judiciais é própria da Teoria Geral do Direito, tratando-se de noção fundamental relativa ao próprio funcionamento dos sistemas jurídicos, uma vez que a tomada de decisões para resolução de casos concretos é o momento fundamental da experiência jurídica. A existência e a utilização dos precedentes independem da utilização ou não da doutrina dos precedentes vinculantes (stare decisis), afinal a preocupação com o precedente põe-se no contexto da coerência e da consistência do debate e das ações. O autor conclui, citando Duxbury,

que, de forma geral, o precedente é um evento passado que serve como um guia para a ação presente.

No Direito, os precedentes judiciais podem ser entendidos como resoluções em que a mesma questão jurídica, sobre a qual há que decidir novamente, já foi resolvida uma vez por um tribunal noutro caso. (MACÊDO, 2015. p. 89) Do ponto de vista amplo, o precedente judicial é uma decisão anterior que serve como ponto de partida ou modelo para uma decisão subsequente. O precedente aqui é sinônimo de “decisão precedente” e tem um inegável aspecto relacional, uma vez que será aplicado a casos posteriores em que houver analogia. Apesar de todo precedente, neste sentido, ser uma decisão judicial, nem toda decisão judicial pode ser considerada precedente, na medida em que o termo “precedente” prescinde de similaridade entre casos em pontos distintos no tempo para ser considerado como tal. Afinal, nem toda decisão judicial tratará de situação que será novamente posta ao crivo do Poder Judiciário, não servindo, portanto, como precedente. Portanto, no sentido amplo, o precedente consiste no fato jurídico da decisão judicial que resolve um caso concreto. (MACÊDO, 2015. p. 89-90)

Vale ressaltar que se formam precedentes sobre quaisquer matérias que tenham sido objeto de manifestação judicial, podendo recair sobre qualquer questão jurídica posta sobre a apreciação judicial. Ou seja, matérias meramente processuais ou incidentais ao mérito podem perfeitamente constituir precedente. Destaca Marinoni (online) que questões preliminares, necessárias para se chegar à análise do mérito ou do próprio caso, dão origem a decisões que obviamente têm plenas condições de oferecer uma ratio decidendi. Também não há motivo racional para excluir da classe dos precedentes as decisões que tratam de questões resolvidas em favor da parte que, ao final, restou vencida. Suponha-se, por exemplo, que a corte admita parcialmente o recurso e, no mérito, lhe de provimento, ou que a corte negue a decadência da ação rescisória e, após, a julgue improcedente. Ainda destaca que no caso de pedidos cumulados, é possível ter tantos precedentes quantos sejam os pedidos, considerando-se, evidentemente, a espécie de cumulação.

Outra acepção possível, mais estrita, de precedente é aquela que confunde este termo com a noção de ratio decidendi, ou razão de decidir. Isto é, a redução do termo “norma do precedente” por simplesmente “precedente”. Esclarece Macêdo (2015, p. 90- 91) que a solução do caso concreto estabelecida pelo juiz no dispositivo não integra o

precedente, apesar de poder servir de norte para seu esclarecimento. Há diferenças entre a decisão, sua fundamentação e o precedente em sentido estrito, que constitui uma norma compreendida a partir de toda a decisão, por um processo construtivo próprio, e a ela não se limita. Contudo, este sentido é impróprio, sendo mais adequado se utilizar de expressões como “ratio decidendi”, “razão de decidir”, “motivos determinantes” ou “padrão decisório” para designar a norma decorrente do precedente.

Por fim, adotando uma acepção mais ampla do que a utilizada neste trabalho, segundo Michael J. Gerhardt (2008, p. 03), no common law americano, pode-se entender por precedentes da Suprema Corte como qualquer opinião constitucional passada, decisões, ou mesmo eventos que a Suprema Corte ou autoridades não-judiciais investem com autoridade normativa. Na Corte, afirma, os precedentes tomam muitas formas, incluindo não só as opiniões passadas da Corte, mas também normas (tais como evitando tratar de questões constitucionais sempre que possível), práticas históricas (tais como abrir sessões legislativas com orações) e tradições (tais como produzir opiniões para a Corte, e não uma atrás da outra em ordem regular).