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CAPÍTULO 2 – TEORIA DOS PRECEDENTES JUDICIAIS

6. DINÂMINA DOS PRECEDENTES

Para compreender o porquê de ser necessário haver mecanismos de superação de precedentes e compreendê-los, é necessário fazer uma breve digressão epistemológica com Karl Popper e sua reflexão sobre o conhecimento indutivo (recordando, é por meio De uma indução da solução concreta que se tem a ratio decidendi). O autor austríaco defendia que “não importa quantos cisnes brancos você veja; isto não prova que cisnes negros não existem”. Ou seja, a inexistência de evidências (sobre a existência do cisne negro) não é uma evidência de (sua) inexistência. Mas o que isto nos ensina para compreender a superação de precedentes? Duas coisas: (i) que o conhecimento dos precedentes (por indução), embora nos leve a uma norma geral, deve estar sempre aberto para novas variáveis que podem alterar totalmente os paradigmas de verdade sedimentados (podemos encontrar a qualquer momento nosso cisne negro no Direito); e (ii) que teses jurídicas não podem ser tomadas como dogmas a ponto de estrangular a demanda dos fatos sociais (ao encontrar um cisne negro, é preciso redefinir o que se entende por “cisne”, antes sempre branco, e não se deixar levar à cristalização e ao isolamento do conceito superado de “cisne”). (VOLLNER, online; SILVEIRA, online) Adotando a metodologia de Popper, o conhecimento jurídico é criado, construído, e não descoberto a partir da interpretação dos textos jurídicos. Como produto cultural, o resultado do exercício jurisdicional não pode ser objeto de dogmatismo e mistificação, mas de constante crítica e de refutação, o que inevitavelmente levará à superação de muitas teses jurídicas.

Indo na via oposta da necessidade constante de renovar, é preciso compatibilizar a mutabilidade do Direito com a necessidade de segurança jurídica. Na linha desenvolvida por Humberto Ávila (2011, p. 103) pode-se compreender por segurança jurídica como princípio que determina a busca pelos ideais de cognoscibilidade, confiabilidade e calculabilidade no Direito. Também desenvolve que o princípio da segurança jurídica delimita contornos daquilo que é indispensável para que o cidadão possa, de acordo com o Direito, plasmar o seu presente e planejar, livre e autonomamente, sem engano ou injustificada surpresa, o seu futuro, bem como é instrumento de realização da liberdade, a qual, por si, é meio de realização da dignidade. De forma semelhante, Gianmarco Gometz (online) defende a ideia de segurança jurídica como previsibilidade sobre as consequências jurídicas de atos ou fatos. Antônio do Passo Cabral (2015, p. 305-307) destaca que, a par das variadas tentativas de

fundamentá-la, a segurança jurídica deriva da cláusula do Estado de Direito, pois, para que o “governo das leis” possa ser estruturado, tem que haver segurança e regras gerais, claras, conhecidas por todos, constantes no tempo e não incoerentes entre si.

6.1. SUPERAÇÃO DOS PRECEDENTES (OVERRULING)

O instituto do overruling viabiliza que o Direito judicial se renove e acompanhe o espírito de sua época, viabilizando à melhor solução dos conflitos. Afinal, o precedente não deve ter qualquer pretensão de eternidade. O papel da decisão paradigmática deve ser compreendida historicamente, uma vez que o precedente que hoje é amplamente adotado pode ser superado no futuro. A superação dos precedentes, conhecida por overruling, acontece devido a mudanças legislativas, sociais, econômicas e políticas. A transformação da jurisprudência reflete a própria mudança do substrato social e dos valores considerados mais importantes naquela sociedade. Contudo, a mudança do paradigma decisório exige uma dupla justificação: (a) quanto à construção do novo paradigma em si, e (b) quanto à transição entre os dois regramentos jurídicos. Afinal, não só é importante restabelecer a justiça, como garantir que este restabelecimento não provoque outras injustiças. Desta forma, a mudança deve ocorrer de forma a preservar as legítimas expectativas dos sujeitos de direitos, construindo uma jurisprudência coerente, íntegra a estável.

Como leciona Macêdo (2015, p. 377), o sistema de precedentes inglês foi concebido inicialmente como imutável: a House of Lords (desde 01 de outubro de 2009, a Supreme Court of the United Kingdom) não poderia modificar ou extinguir os seus próprios precedentes. Somente o Parlamento poderia fazê-lo. Apenas em 1966, com o Practice Statement, a House of Lords modificou seu entendimento quanto à possibilidade de modificação de seus próprios precedentes, sob o argumento de que as mudanças no contexto social, econômico, político ou mesmo jurídico poderiam tornar imprescindível mudanças jurisprudenciais. Já no direito norte-americano o trato com os precedentes nunca chegou a ser tão rígido. Entre 1789 (ano de fundação da Supreme Court) e 2009, a corte, em 134 casos, superou expressamente 221 precedentes. Destaque-se que, entre 1900 e 2005, a Supreme Court norte-americana superou sete

vezes mais precedentes do que em todos os outros anos anteriores. (GERHARDT, 2008, p. 09-10)

Inicialmente, vale destacar que a superação de precedente, em sentido estrito, pressupõe que o precedente tenha força vinculante. Afinal, superar precedentes persuasivos não tem natureza vinculante, mas meramente exemplificativa. Superar um precedente significa retirá-lo do ordenamento jurídico, colocando algo novo em seu lugar. Pode ser feito pelo Judiciário, por nova decisão contrária, ou pelo Legislativo, por norma legislativa própria. Embora a superação do precedente seja uma clara expressão da adequação e da flexibilidade do Direito, ela deve ser realizada mediante o preenchimento de requisitos que buscam a preservação da segurança jurídica. (MACÊDO, 2015, p. 388-389) Vale dizer que o overruling consiste na ultima ratio encontrada pelo tribunal, já que envolve excepcionar o stare decisis e se desviar da linha seguida pela jurisprudência, o que implica em custos. (Idem, p. 388-389)

O overruling pode se manifestar de forma expressa (express overruling), quando o tribunal resolve expressamente adotar uma nova orientação, ou de forma tácita ou implícita (implied overruling), quando a orientação adotada em confronto com a posição anterior, embora seja expressa substituição desta última. Segundo Didier Jr. et al. (2015-A, p. 494), com o atual CPC, a superação implícita é vedada diante da exigência de fundamentação adequada e específica para superação, com base no art. 927, § 4º.

Com o intuito de evitar o overruling-surpresa, de proteger a confiança legítima e de preservar a segurança jurídica, o tribunal tem a alternativa de modular a eficácia da superação por meio do signaling (sinalização). (MACÊDO, 2015, p. 409) Destacam Didier Jr. et al. (2015-A, p. 500) que os efeitos da superação são, em regra, ex tunc, contudo é possível atribuir efeitos ex nunc, conforme exigir a razoabilidade. No diploma adjetivo de 2015, tal possibilidade é encontrada no art. 927, § 3º. Segundo a doutrina, há cinco tipos posspiveis de eficácia para o overruling: (i) retroativa pura (a superação é aplicável a fatos passados, inclusive para transitados em julgado, podendo-se usar de rescisória); (ii) retroativa clássica (a superação é aplicável a fatos passados, exceto se já houver trânsito em julgado); (iii) prospectiva pura (a superação é aplicável a fatos posteriores à decisão, não se aplicando aos litigantes do caso); (iv) prospectiva clássica (a superação é aplicável a fatos posteriores à decisão, incluindo os litigantes do caso); e

(v) prospectiva a termo (o tribunal fixa data certa ou condição para a eficácia do precedente).

7. PRECEDENTES JUDICIAIS NA TRADIÇÃO JURÍDICA COMPARADA