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CONCENTRADA DE PRECEDENTES VINCULANTES PARA A APLICAÇÃO DE CONCEITOS JURÍDICOS INDETERMINADOS

1.1. CRÍTICAS AO SISTEMA ATUAL DE PRECEDENTES

Apesar das potenciais contribuições do novo CPC para o desenvolvimento do Direito nacional, algumas observações e críticas são relevantes para a compreensão atenta do novo microssistema concentrado de formação de precedentes vinculantes. Alertando para o risco da mecanização da atividade judicial, Theodoro Jr. et al. (2015, p. 283-284) desenvolvem que a estruturação de técnicas de julgamentos em larga escala partindo-se de uma suposta homogeneidade de casos – muitas vezes idênticos – devido às contingências de um sistema com inúmeros problemas operacionais de aplicação e a busca de uma Justiça de números, não pode negligenciar a aplicação coerente dos direitos fundamentais dos cidadãos sob argumentos econômicos e funcionais.

Os autores ainda criticam a sistemática adotada anteriormente, baseada no julgamento de demandas repetitivas a partir de casos-piloto, em que, na busca por eficiência quantitativa, geram-se paradoxos como: (i) a apreensão do debate das demandas coletivas por ações individuais (BRASIL, STJ, REsp 911.802, DJe 01.09.2008)13; (ii) nos processos escolhidos, podem ser trazidos pontos complexos ainda não submetidos ao crivo de debates anteriores pelo próprio Tribunal Superior; e (iii) a ausência de preservação do espaço para exposição ampla, investigação criteriosa e dissecação minuciosa dos temas ora levantados, com restrição do contraditório dinâmico. Contudo, destacam que a nova legislação adjetiva trará o aperfeiçoamento dogmático, com o delineamento de um microssistema de litigiosidade repetitiva, contudo este deve vir acompanhado de uma visão mais panorâmica e dialógica com a participação de todos os envolvidos, e com a ampliação do conhecimento empírico do funcionamento da justiça brasileira. (THEODORO JR. et al., 2015, p. 285-288)

13 Voto do Ministro Herman Benjamin: “Não se resiste aqui à apontar o paradoxo. Enquanto o ordenamento jurídicos nacional nega ao consumidor-indivíduo, sujeito vulnerável, legitimação para a propositura de ação civil pública (Lei n.º 7.347/1985 e CDC), o STJ, pela porta dos fundos, aceita que uma demanda individual – ambiente jurídico-processual mais favorável à prevalência dos interesses do sujeito hiperpoderoso (in casu, o fornecedor de serviço telefônico) – venha a cumprir o papel de ação civil pública às avessas, pois o provimento em favor da empresa servirá para matar na origem milhares de demandas assemelhadas – individuais e coletivas. Aliás, em seus memoriais, foi precisamente esse um dos argumentos (a avalanche de ações individuais) utilizado pela concessionária para justificar uma imediata intervenção da Seção.”

Seguindo a linha de críticas, Juraci Mourão Lopes Filho (2014, p. 100-101) reclama da prática jurídica atual no Brasil por cometer uma série de erros na operacionalização dos precedentes, como confundir ementa de acórdão e precedente judicial. Não se pode dizer que a ementa é a explicitação da ratio decidendi pelo próprio tribunal judicante, pois a ratio é extraível da decisão com um todo. Em verdade, destaca o autor que a ratio de um julgamento não é apontada topograficamente no texto.

Outra crítica é direcionada ao trato conferido pelos Tribunais e pela doutrina em relação às manifestações judiciais. É cada vez mais frequente o uso de ementas e enunciados de súmula completamente dissociados do caso concreto que lhes deu fundamento, como se fossem normas gerais e abstratas que se desligariam do caso concreto que lhes deu fundamento, como se fossem normas legislativas, desligadas de seus fundamentos originalistas. Diferentemente da percepção de que o precedente termina um debate, o paradigma decisório constitui apenas um ponto de partida para a discussão do presente. No Brasil, a jurisprudência defensiva esforça-se para logo formular um enunciado de Súmula, a fim de encerrar o debate sobre o tema. (THEODORO JR. et al., 2015, p. 295-296).

Ao que nos parece, a questão não se trata de rejeitar por completo o modelo de elaboração e aplicação de enunciados de Súmula adotado no Brasil, mas sim reformulá- lo a fim de corrigir suas deformações, especialmente no que tange à necessidade de esgotar o tema por meio de uma discussão ampla e plural e de aplicar o enunciado atrelado ao substrato fático que levou à sua elaboração. Em verdade, a atuação criativa do julgador se restringe aos limites definidos pela manifestação do direito de ação, sob risco de atentar contra a separação de poderes.

A formulação de precedentes vinculantes, no que diz respeito aos conceitos jurídicos indeterminados em especial, exige do aplicador ainda mais cautela, uma vez que será necessário identificar a definição adotada pelo julgador que gerou o precedente, bem como as variáveis que o levaram àquela determinada compreensão. A fase de concretização normativa é etapa indispensável para a aplicação destas expressões vagas, conforme desenvolvido no Capítulo 2 e em itens posteriores. Nesta etapa o julgador está incumbido de esclarecer o que ele entende pelo conceito vago, no que se chamou de juízo concretizatório, devendo conferir maior densidade semântica àquele conceito vago por meio de uma definição atrelada ao caso concreto. Em segundo

lugar, o julgador deve decidir com base na definição adotada, promovendo um juízo lógico-subsuntivo, no que se chamou de juízo deontológico. A partir da definição adotada do conceito vago, dever-se-á extrair regras de conduta a serem atendidas, ou seja, normas-regra. Segundo Humberto Ávila (2013, p. 43), as normas-regra possuem uma hipótese e uma consequência que predeterminam a decisão, sendo aplicadas ao modo “se, então”. Portanto, trata-se de um processo composto de aplicação, com dois graus de aplicação: (i) concretização; e (ii) subsunção.

O presente capítulo explorará, apoiando-se na base teórica desenvolvida nos dois capítulos iniciais, as contribuições trazidas pelo microssistema concentrado de formação de precedentes e institutos jurídicos afins trazidos pelo Código de Processo Civil de 2015 para a otimização de processo de aplicação dos conceitos jurídicos indeterminados.

2. FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA E FORMAÇÃO DO PRECEDENTE