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CAPÍTULO 3 COMÉRCIO ELETRÔNICO

3.6 Aspectos legais do comércio eletrônico

O comércio eletrônico no Brasil ainda não está regulamentado, mas a grande discussão nos meios técnicos e mercadológicos é se essa regulamentação precisa, de fato, existir enquanto leis específicas para regular essa atividade econômica. Escritórios de advocacia, governo e empresas, estão promovendo debates restritos à esfera do comando do comércio eletrônico para decidirem sobre possíveis leis que devem ser implantadas, ou mesmo, possíveis leituras e transposição da legislação vigente advindas do comércio em geral para o mundo virtual.

A grande preocupação continua a ser, de fato, a questão da segurança nas transações comerciais. Os possíveis negociantes na rede temem ser vítimas de fraude, perder seu dinheiro e sabem que suas vidas não serão facilitadas se tiverem de comparecer diante de um tribunal para fazer valer seus direitos. Pensamento que também é percebido pela maioria dos consumidores que temem efetivar compras pela Internet. Tanto um lado quanto o outro, temem que esse direito nem mesmo exista. O que, em parte, é verdade, pois o Brasil não dispõe de uma legislação específica sobre o comércio eletrônico.

Analisando-se a dinâmica das transações comerciais e a velocidade com que essas transações se alteram - muito em função das constantes alterações tecnológicas - a rede mundial e as negociações que ela comporta mudam de tal forma que tornaria uma legislação excessivamente completa em uma série de leis prontamente obsoletas.

As opiniões caminham em duas direções. Se, de um lado, juristas e empresários consideram que a legislação vigente para o comércio em geral é válida também para o comércio virtual, na outra ponta há discursos e propostas diversas em tramitação no Congresso Nacional na tentativa de se buscar uma legislação específica. “A principal fonte do

Direito Comercial, entretanto, são as leis com base no Código Comercial, de 25 de junho de 1850, quando o telégrafo (com fios) era uma invenção recente” (ASSIS, 2001, p. 56). O que parece um entrave remete à uma reflexão do que realmente há de alteração na essência da atividade comercial da época do telégrafo em 1850 e a Internet atual. Ambos foram vistos, cada um a seu tempo, como meios novos e uma revolução nas comunicações. Os dois suscitaram o mesmo problema em relação ao comércio: o reconhecimento do meio como produtor de documentos válidos para transações comerciais. Embora o telegrama seja fixado no papel, a transmissão via elétrica do mesmo poderia ser facilmente adulterada durante o processo. É o mesmo problema da Internet, hoje. Com vantagem na Internet que já dispõe de instrumentos de encriptação que lhe confere um certo grau de confiabilidade. O correio eletrônico equipara-se à prova oral já que, em tese ao menos, por meio de recursos técnicos é possível alterar documentos digitais sem deixar vestígios. Assim, contratos eletrônicos, tanto civis como comerciais, não gerariam obrigações porque, simplesmente, não são materializados em meio tangível como o papel.

Ângela Bittencourt Brasil, membro do Ministério Público no Rio de Janeiro e autora do livro O Ciberdireito, lembra que no Direito Comercial já são admitidos contratos verbais, por telefone, por carta e por fax. Por similaridade, ela diz que têm de ser admitidos os contratos eletrônicos. (ASSIS, 2001, p. 57).

Essa alegação da Dra. Ângela vai de encontro à prática da jurisprudência que vem aceitando os usos e costumes estabelecidos nas negociações, às vezes sobrepondo-os à norma legal, desde que não ofenda uma norma imperativa de direito. “O direito comercial diferencia- se de outros ramos do direito civil porque tem uma estrutura definida, baseada em cosmopolitismo, individualismo, onerosidade, informalismo, fragmentarismo e solidariedade presumida” (ASSIS, 2001, p. 57).

O cosmopolitismo é a própria essência da Internet, que já nasceu com cara de globalização. Mesma característica experimentada pelo comércio eletrônico que desconhece as fronteiras de tempo e espaço e se assemelha ao conceito que se tem hoje das características cosmopolitas. Características que se baseiam no princípio do individualismo, que se materializa no interesse individual na obtenção do lucro, com marca na liberdade de expressão e na liberdade de escolha. A onerosidade é uma característica intrínseca da transação comercial. O informalismo dá agilidade à transação, que mais tarde será confirmada pela emissão de documentos que a respaldem oficialmente. Já o fragmentarismo é histórico em nossa realidade judicial, não se configurando de forma diferente no Código Comercial, que juntou uma série de regras esparsas para configurar um documento que apresenta diversas

brechas e questionamentos insolúveis para ambas as partes envolvidas em processos penais de natureza comercial. Por fim, a solidariedade é a regra básica do corporativismo empresarial, desde os primórdios da atividade comercial oficializada. Portanto, nenhuma das características apontadas por Assis (2001) é incompatível no comércio eletrônico, da forma como o mesmo se configura hoje em dia.

É exatamente nos contratos que se pegam muitos estudiosos da legislação. Contratos eletrônicos são sujeitos a modificações e ataques à integridade (vírus, apagamento involuntário, adulterações diversas). A principal alegação dos juristas, nesse aspecto, é a de que não teriam validade porque não estão transcritos em um meio físico, como o papel, além de não terem suas assinaturas reconhecidas de forma oficial.

O reconhecimento da assinatura digital é outro grande gargalo das transações comerciais e dos contratos virtuais. Nesse campo, o Governo Federal tem atuado de forma mais direta para tentar regular de forma adequada o impasse em que se tornou a questão da assinatura digital. “Em junho de 2000, os Estados Unidos colocaram em vigor uma lei - Uniform Electronic Trasactions Act, ou Lei das Transações Uniformes Eletrônicas - que concede à assinatura digital o mesmo status legal de assinatura em papel” (ASSIS, 2001, p. 58). O próprio governo brasileiro, em janeiro de 2001, adotou a assinatura eletrônica para encaminhamento de atos normativos. Através de um cartão eletrônico pessoal, ministros e secretários, além do próprio presidente da República, podem autenticar os atos legais encaminhados, bastando passar o cartão na leitora digital. Se alguém tentar mudar o conteúdo das mensagens autenticadas, a assinatura eletrônica desaparece imediatamente. O próximo passo do governo agora é tentar buscar algo similar para o correio eletrônico e, por extensão, para a autenticação de documentos concernentes ao comércio eletrônico.

O problema da autenticação de contratos de comércio eletrônico esbarra na briga travada entre os cartórios e as empresas privadas de certificação eletrônica. Enquanto os primeiros se sentem no direito de reivindicar a certificação e autenticação no mundo virtual, já que, efetivamente, o fazem no mundo físico, as empresas certificadoras - grandes conglomerados desse tipo de negócio no mundo - desfazem o discurso dos cartórios utilizando o aparato tecnológico desenvolvido por elas, através do sistema de chaves públicas e privadas e do sistema de encriptação. Tecnologia que os cartórios brasileiros estão longe de dominarem, dado ao investimento necessário para se desenvolver programas aceitáveis por todos os atores envolvidos no comércio eletrônico. Por trás dessa queda-de-braço, está um mercado altamente rentável que coloca em risco os altos lucros dos cartórios em um futuro

breve. Os cartórios buscam se apegar à aproximação que têm com o Estado e acabam por gerar uma controvérsia muito grande.

O Estado vê com olhos grandes tudo o que é gerado dentro da rede e procura meios de taxar as atividades. Nem sempre consegue, porque o que acontece na Internet, em geral, é exatamente o que já acontece no mundo físico. O suporte, o meio, é que é diferente. O Estado ainda trava uma batalha entre as esferas federal, estadual e municipal. A tributação na Internet torna-se dúbia quando se trata do caráter dos impostos que devem ser tributados no comércio eletrônico.

No comércio tradicional, a alíquota interestadual em geral é menor que o tributo sobre operações dentro dos Estados, a diferença, mais o valor agregado ficam com o Estado do comprador. Pela Internet, o tributo incide apenas com a alíquota do Estado vendedor - não sobra imposto para o Estado comprador. (ASSIS, 2001, p. 60).

Outro problema se refere à natureza do serviço prestado. Quando se vendem serviços pela Internet, discute-se qual o tipo de imposto deverá ser taxado: ISS (Imposto sobre Serviços), que é de competência dos municípios, ou ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias), que se junta ao bolo de arrecadação dos Estados?

Além das questões internas, discute-se ainda o caráter da tributação nas compras feitas em outros países. Hoje, um consumidor pode adquirir um produto no exterior, sem sair de casa. E uma empresa pode descobrir que um insumo necessário à sua atividade é mais vantajoso, seja em preço ou qualidade, em um fornecedor de outro país. Assim, é importante definir quais os impostos incidentes na transação e em que país eles deverão ser pagos, já que não existe uma legislação internacional que regule esse tipo de operação.

No campo da atuação legal, o comércio eletrônico é, ainda, um caminho aberto para muitas discussões e implementações de normas que o regule. O medo que se assombra nessa seara é de que a velocidade de crescimento dos negócios na Internet atropele o processo de normatização característico das sociedades organizadas, principalmente em países em que a regulação navega ao sabor dos ventos dos interesses políticos, equacionados de forma fragmentada, como no Brasil.