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ASPECTOS LEGAIS QUANTO À EDUCAÇÃO INTERCULTURAL

3 DIÁLOGOS A PARTIR DOS ESTUDOS COM O POVO POMERANO:

4.2 ASPECTOS LEGAIS QUANTO À EDUCAÇÃO INTERCULTURAL

requer também uma preocupação em compreender o embasamento legal que ampara os sujeitos que se encontram no espaço escolar, pois esses são fundamentais para a concretização de políticas públicas voltadas para os diferentes grupos culturais, tão presentes na escola atual. Sendo assim, serão apresentados alguns artigos de algumas leis que trazem possibilidades para ações concretas para contemplar os direitos do povo tradicional pomerano, dentre outros diferentes grupos culturais presentes na sociedade brasileira.

A Constituição Federal (BRASIL, 2013) determina em seus artigos 210, 2015 e 216:

Art. 210 - Determina que sejam fixados conteúdos mínimos para a educação básica, de maneira a assegurar a formação comum e o respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais;

Art. 215 - Garante a todos o pleno exercício dos direitos culturais e que o Estado deve proteger as manifestações das culturas populares, indígenas, afro-brasileiras, e de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional;

Art. 216 – Define como patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial portadores de referência à identidade, à ação, à dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira.

Percebe-se nesta Lei que as questões culturais sempre foram percebidas pelos governantes, entretanto nunca houve uma preocupação em se cumprir esses direitos da sociedade multicultural que compõe a nação brasileira. Da mesma forma, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, estabelece nos artigos 3º, 26 e28:

Art.3º

II – Liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura e o saber; Art. 26 - Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base nacional comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela.

§ 4º - O ensino da História do Brasil levará em conta as condições das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro, especialmente das matrizes indígenas, africana e européia.

Art. 28 - Na oferta da educação básica para a população rural, os sistemas de ensino promoverão as adaptações necessárias à sua adequação às peculiaridades da vida rural e de cada região, especialmente:

I – conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades e interesses dos alunos da zona rural.

Mesmo sendo previstas em Lei, as diretrizes curriculares nacionais sempre estabeleceram metas hegemônicas que favorecem a cultura dominante, que em nada contemplavam as especificidades culturais presentes nos espaços escolares em nosso país, principalmente de grupos pertencentes às comunidades dos povos e comunidades tradicionais, como é o caso dos pomeranos.

A Declaração sobre os Direitos das Pessoas Pertencentes a Minorias Nacionais ou Étnicas, Religiosas e Linguísticas (UNESCO, 1992) , aprovada pela Resolução 47/135 da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), de 18 de dezembro de 1992 e atualizada em 13 de junho de 2008, estabelece nos artigos 1º, 2º e 4º:

Art.1º

1. Os Estados devem proteger a existência e a identidade nacional ou étnica, cultural, religiosa e lingüística das minorias dentro de seus respectivos territórios e fomentarão condições para a promoção de identidade.

2. Os Estados adotarão medidas apropriadas, legislativas e de outros tipos, a fim de alcançar esses objetivos.

Art.2º

1. As pessoas pertencentes a minorias nacionais ou étnicas, religiosas e lingüísticas (doravante denominadas “pessoas pertencentes a minorias”) terão direito a desfrutar de sua própria cultura, a professar e praticar sua própria religião, e a utilizar seu próprio idioma, em privado e em público, sem ingerência nem discriminação alguma.

Art.4º 3. Os Estados deverão adotar as medidas apropriadas de modo que, sempre que possível, as pessoas pertencentes a minorias possam ter oportunidades adequadas para aprender seu idioma materno ou para receber instruções em seu idioma materno.

4. Os Estados deverão adotar, quando apropriado, medidas na esfera da educação, a fim de promover o conhecimento da história, das tradições, do idioma e da cultura das minorias em seu território. As pessoas pertencentes a minorias deverão ter oportunidades adequadas de adquirir conhecimentos sobre a sociedade em seu conjunto.

Essa declaração deixa claro que o Estado tem obrigação quanto a elaboração de políticas públicas que favoreçam tanto as questões de identidade, especificidades culturais, como linguísticas, entretanto, as ações nesse sentido sempre tiveram que partir da sociedade civil, que através de lutas e movimentos, obtiveram algumas

conquistas enquanto grupos organizados, mas que não cumprem a totalidade do que é previsto na legislação.

A Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural (UNESCO, 2002) estabelece

Art. 1º - A diversidade cultural: o patrimônio comum da humanidade A cultura adquire formas diversas através do tempo e do espaço. Essa diversidade se manifesta na originalidade e na pluralidade de identidades que caracterizam os grupos e as sociedades que compõem a humanidade. Fonte de intercâmbios, de inovação e de criatividade, a diversidade cultural é, para o gênero humano, tão necessária como a diversidade biológica para a natureza. Nesse sentido, constitui o patrimônio comum da humanidade e deve ser reconhecida e consolidada em beneficio das gerações presentes e futuras.

Art. 2º - Da diversidade cultural ao pluralismo cultural

Em nossas sociedades cada vez mais diversificadas, torna-se indispensável garantir uma interação harmoniosa entre pessoas e grupos com identidades culturais a um só tempo plurais, variadas e dinâmicas, assim como sua vontade de conviver. As políticas que favoreçam a inclusão e a participação de todos os cidadãos garantem a coesão social, a vitalidade da sociedade civil e a paz. Definido desta maneira, o pluralismo cultural constitui a resposta política à realidade da diversidade cultural. Inseparável de um contexto democrático, o pluralismo cultural é propício aos intercâmbios culturais e ao desenvolvimento das capacidades criadoras que alimentam a vida pública.

Art. 3º - A diversidade cultural, fator de desenvolvimento

A diversidade cultural amplia as possibilidades de escolha que se oferecem a todos; é uma das fontes do desenvolvimento, entendido não somente em termos de crescimento econômico, mas também como meio de acesso a uma existência intelectual, afetiva, moral e espiritual satisfatória.

Art. 5º - Os direitos culturais, marco propício da diversidade cultural

Os direitos culturais são parte integrante dos direitos humanos, que são universais, indissociáveis e interdependentes. O desenvolvimento de uma diversidade criativa exige a plena realização dos direitos culturais, tal como os define o Artigo 27 da Declaração Universal dos Direitos Humanos e os artigos 13 e 15 do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Toda pessoa deve, assim, poder expressar-se, criar e difundir suas obras na língua que deseje e, em particular, na sua língua materna; toda pessoa deve poder participar na vida cultural, dentro dos limites que impõe o respeito aos direitos humanos a as liberdades fundamentais.

Percebe-se que a diversidade cultural considerada como patrimônio comum da humanidade é necessária para o ser humano, e contribui em diversos fatores para o desenvolvimento da sociedade. Nesse sentido, nota-se que é possível que os diversos grupos culturais convivam de forma harmoniosa, interagindo e exercendo sua cidadania a partir de um diálogo intercultural.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU, 1948) afirma que

A educação deve visar ao pleno desenvolvimento da personalidade humana e ao fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais. Deve favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos étnicos ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas para a manutenção da paz. (art. 26, § 2º).

Essa manifestação sobre a necessidade da educação estar a serviço da tolerância, da compreensão e amizade entre as nações e os diferentes grupos culturais e religiosos, como citado acima é um discurso complexo já que é sentido na pele que a sociedade capitalista tende a submeter os sujeitos, nivelando-os como consumidores, competidores, egoístas etc. Porém, os Direitos Humanos apontam a necessidade de se opor a esse massacre capitalista.

Nesse sentido, o decreto nº 6.040, de 7 de fevereiro de 2007 (BRASIL, 2007), contribui para trazer visibilidade aos descendentes de pomeranos ao decretar, nos artigos 1º ao 3º:

Art. 1o - Fica instituída a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais - PNPCT, na forma do Anexo a este Decreto.

Art. 2o - Compete à Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais - CNPCT, criada pelo Decreto de 13 de julho de 2006, coordenar a implementação da Política Nacional para o Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais. Art. 3o - Para os fins deste Decreto e do seu Anexo compreende-se por: I - Povos e Comunidades Tradicionais: grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição;

II - Territórios Tradicionais: os espaços necessários a reprodução cultural, social e econômica dos povos e comunidades tradicionais, sejam eles utilizados de forma permanente ou temporária, observado, no que diz respeito aos povos indígenas e quilombolas, respectivamente, o que dispõem os arts. 231 da Constituição e 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e demais regulamentações; e

III - Desenvolvimento Sustentável: o uso equilibrado dos recursos naturais, voltado para a melhoria da qualidade de vida da presente geração, garantindo as mesmas possibilidades para as gerações futuras.

A partir desse decreto, algumas ações se tornaram possíveis, também para o povo tradicional pomerano, que foi reconhecido como tal, e tem tido oportunidade de expor suas reivindicações a partir das discussões que tem acontecido a nível estadual, regional e nacional.

O decreto 7.387 de 9 de dezembro de 2010 (BRASIL, 2010) que trata da diversidade linguística tem contribuído para o avanço das discussões e ações quanto as questões linguísticas no que se refere ao povo pomerano. Assim decreta nos artigos 1º ao 8º:

Art. 1o - Fica instituído o Inventário Nacional da Diversidade Linguística, sob gestão do Ministério da Cultura, como instrumento de identificação, documentação, reconhecimento e valorização das línguas portadoras de referência à identidade, à ação e à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira.

Art. 2o - As línguas inventariadas deverão ter relevância para a memória, a história e a identidade dos grupos que compõem a sociedade brasileira. Art. 3o - A língua incluída no Inventário Nacional da Diversidade Linguística receberá o título de “Referência Cultural Brasileira”, expedido pelo Ministério da Cultura.

Art. 4o - O Inventário Nacional da Diversidade Linguística deverá mapear, caracterizar e diagnosticar as diferentes situações relacionadas à pluralidade linguística brasileira, sistematizando esses dados em formulário específico.

Art. 5o - As línguas inventariadas farão jus a ações de valorização e promoção por parte do poder público.

Art. 6o - Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios serão informados pelo Ministério da Cultura, em caso de inventário de alguma língua em seu território, para que possam promover políticas públicas de reconhecimento e valorização.

Art. 7o - O Ministério da Cultura instituirá comissão técnica com a finalidade de examinar as propostas de inclusão de línguas no Inventário Nacional da Diversidade Linguística, integrada por representantes dos Ministérios da Cultura, da Educação, da Justiça, da Ciência e Tecnologia e do Planejamento, Orçamento e Gestão.

Art. 8o - Poderão propor a inclusão de línguas no Inventário Nacional da Diversidade Linguística à comissão técnica, órgãos e instituições públicas federais, estaduais, distritais e municipais, entidades da sociedade civil e de representações de falantes, conforme normas a serem expedidas pelo Ministério da Cultura.

Analisando os aspectos legais acima relacionados, pode-se observar que há uma busca de um ideal de igualdade e qualidade para a educação, mas na prática essas questões não são tão simples, já que o sistema de ensino quando elabora suas

metas para a educação, nem sempre leva em conta a diversidade cultural presente nas escolas.

Dentro desse contexto, enquanto os avanços acontecem a passos lentos, a atuação de professores, em consonância com o currículo e a formação deve levar em conta os diversos fatores, como os sociais, os culturais, bem como a história de vida de cada aluno, como também características pessoais, principalmente, uma atenção especial ao aluno que demonstrar a necessidade de resgatar a autoestima, pois esta muitas vezes tem sido afetada devido a preconceito linguístico e cultural.

No contexto do município de Santa Maria de Jetibá, a questão da diversidade linguística e cultural é evidente, e não há como negar a presença da cultura e da língua pomerana nas escolas, e o papel desta na formação e no desenvolvimento das potencialidades dos alunos, que trazem um universo cultural cheio de particularidades, além de crianças chegarem à escola falando somente a língua materna, o pomerano.

Colocar em prática o que a legislação prevê para os povos e comunidades tradicionais é uma tarefa às vezes complexa, mas as possíveis parcerias entre professores, comunidades, municípios e outras instituições, enquanto grupos coletivos tornam-se um caminho viável para tal questão.