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Embora existam várias maneiras de classificar as Neurociências, Robert Lent (2012) propõe um modo bastante didático, dividindo-as em cinco grandes áreas: Neurociência molecular; Neurociência celular; Neurociência sistêmica; Neurociência comportamental e a Neurociência Cognitiva (Lent 2010).

Dentre essas áreas, aquelas que mais interessam para o contexto do nosso trabalho são as três últimas. É importante compreender as áreas do sistema nervoso que envolvem os sistemas visuais, por exemplo, bem como entender as estruturas neurais que produzem certos comportamentos e, por fim, as capacidades mentais mais complexas como a aten- ção, linguagem, memória, etc. Obviamente não existem limites precisos entre uma e outra área. Por exemplo, sabe-se que a hipótese do comprometimento das funções executivas no TEA foi observado pela semelhança entre pessoas com disfunções no córtex pré-frontal e pessoas pertencentes ao TEA (Duncan 1986), ou melhor, foi necessário conectar as respostas fisiológicas àquelas comportamentais, expressadas pelo indivíduos.

O link entre a neurociência e a aprendizagem, ou o que foi classificado de Neuro- ciência Cognitiva, que nos fornece os conhecimentos de como são feitas as conexões neurais que permitem o aprendizado, bem como quais anomalias interferem neste (Rotta & Riesgo 2005), sendo importante ressaltar que o ato de aprender altera a configuração neuronal, ocorrendo o que é chamado em neurociência de plasticidade cerebral, ou seja a capacidade que o indivíduo tem de adaptar-se para que possa aprender diante das mais variadas situações e nos mais diversos ambientes. Entender essas nuances fornece pistas sobre as melhores possibilidades de estímulos as mais diversas necessidades de aprendi- zagem (dos Santos & Sousa 2016).

Atualmente, criou-se também o termo Neuroeducação, que além de integrar a neuro- ciência a psicologia e a pedagogia, inclui as áreas que se formaram com a junção destas como a Neuropsicologia, a Psicopedagogia e a Neuropsicopedagogia, por exemplo. (dos Santos & Sousa 2016).

lançam uma crítica muito interessante a respeito do link entre educação e neurociência, em seu livro denominado Neurociência e Educação. Esses autores disseram:

Isso sempre nos pareceu estranho. Educadores - professores e pais- assim como psicólogos, neurologistas ou psiquiatras, são de certa maneira, aqueles que mais trabalham com o cérebro. Mais do que intervir quando ele não fun- ciona bem, os educadores contribuem para a organização do sistema nervoso do aprendiz, e portanto, dos comportamentos que ele apresentará durante a vida. E essa é uma tarefa de grande responsabilidade! Portanto, é curioso não conhecerem o funcionamento cerebral.

A partir dessa constatação ficou clara para nós a importância de estabelecer um diálogo entre a neurociência e a educação, tornando conhecidos dos edu- cadores os fundamentos neurocientíficos do processo de ensino-aprendizagem que podem contribuir para o sucesso ou insucesso de algumas estratégias pe- dagógicas coerentes ((Guerra & Cozenza 2011).

O domínio aqui abordado, o das funções executivas, faz parte da Neuropsicologia, porém conforme asseveram os autores acima, deve ser objeto de pesquisa também dos profissionais da educação, sobretudo da educação especial, bem como dos profissionais que trabalham com informática da educação. No nosso estudo de caso, por exemplo, não faria sentido criar uma nova tecnologia para "melhorar a atenção de crianças autistas"sem entender as bases neurológicas que explicam as deficiências de atenção no TEA.

Dentre as outras teorias relacionadas ao TEA que vem sendo bastante discutidas no meio científico, destacamos a Teoria da Mente (Perner 1991, Baron-Cohen et al. 1985), que vem crescendo muito graças as descobertas dos neurônios espelhos (Rizzolatti & Fabbri-Destro 2010) e a Teoria da Coerência Central (Frith 1989).

2.3.1 Funções Executivas e TEA

As funções executivas incluem habilidades como inibição, planejamento, flexibili- dade mental, seletividade da atenção e memória do trabalho. O desenvolvimento típico dessas funções, gradualmente, desde a infância até o final da adolescência proporcionam a adaptação e melhor execução das tarefas (Guerra & Cozenza 2011, Anderson 2002). De acordo com Dumas (2011) A função executiva é a capacidade neurobiológica que visa o uso adequado da atenção para tarefas que precisam ser resolvidas book-dumas. Elas po- dem ser divididas em três grandes modalidades relacionadas às competências (Grossmann & Grossamann n.d.):

• Autocontrole: essa modalidade está relacionada às atenções seletiva e sustentada. Uma criança que possui autocontrole consegue manter a atenção mesmo que outros estímulos estejam presentes e que ela deseje selecioná-los. É através dessa capa- cidade que as crianças conseguem prestar atenção na aula, por exemplo. Crianças com problemas de autocontrole, muitas vezes, tem déficits de atenção, hiperativi- dade ou as duas coisas, que se caracteriza pelo Transtorno de Atenção e hiperativi- dade (TDAH).

• Memória do Trabalho: essa capacidade está relacionada a um tipo de memória, a memória transitória, responsável pela ligação entre a nova informação e aquelas já existentes (Guerra & Cozenza 2011). É a capacidade presente quando se exe- cuta uma tarefa e necessita memorizar informações para realizá-las, por exemplo, quando se deseja jogar, é necessário memorizar o passo anterior para poder seguir com o próximo passo. É fundamental para estabelecer uma ordem de prioridade entre as tarefas. Crianças com problemas nessa modalidade tendem a não seguir sequências lógicas de eventos.

• Flexibilidade Cognitiva: é a habilidade de utilizar a imaginação e a criatividade para adaptar-se às mudanças e resolver os problemas. Crianças com pouca flexi- bilidade mental tendem a ser pouco imaginativas e ter dificuldades para resolver problemas que exijam soluções fora dos padrões pré-estabelecidos.

Essas funções estão relacionadas com a adaptação de pessoas a ambientes que se mo- dificam frequentemente (como a sala de aula, por exemplo). Sendo autistas pessoas com dificuldades para entender o contexto social, podem apresentar altos níveis de estresse e ansiedade em tais ambientes, o que muitas vezes acarreta em perdas cognitivas.

O desenvolvimento das funções executivas está diretamente relacionado com o desen- volvimento estrutural e funcional do cérebro (Shaw et al. 2008). A parte do cérebro envol- vida neste processo é o córtex frontal, mais especificamente a região pré-frontal(Sanders et al. 2008).

Entender como o desenvolvimento do córtex pré-frontal é importante para o desen- volvimento das funções executivas é desafiador, porém necessário e reside em grande preocupação por parte dos neurocientistas cognitivos.

O córtex pré-frontal está situado na parte mais anterior dos lobos frontais e é ampla- mente conectado, recebendo variadas informações sensoriais e cognitivas e organizando as respostas a esses estímulos, bem como adaptando os comportamentos ao ambiente de acordo com as informações presentes em um dado momento (Goldberg 2002). A Figura 2.3 ilustra a localização do córtex pré-frontal.

Existem fortes evidências de que as funções executivas interligam os lobos pré-frontais e suas principais conexões com o sistema de atenção supervisora, que atua em compor- tamentos já aprendidos, modificando-os em novas situações que exigem planejamento (Miotto et al. 2000, Miotto 2012).

Bosa (2001) traz uma revisão na literatura acerca dos déficits na função executiva de crianças autistas. Segundo a autora, a relação entre tais déficits e o comportamento social no TEA ainda precisa ser melhor estudada, pois existem várias lacunas que ainda não foram esclarecidas (Bosa Alves 2001). Partindo do problema do comportamento social ao nível de processamento facial, nos parece haver uma relação direta no que diz respeito a um componente básico da interação social, a atenção . Quill (1997) também afirmou que crianças autistas possuem déficits de atenção em todos os seus domínios, incluindo a seletiva e a sustentada, que estão relacionadas às funções executivas (Quill 1997).

Muitos estudos sustentaram que ambas (atenção seletiva e sustentada) podem ser cau- sados por dificuldades no processamento facial. Essas dificuldades são manifestadas atra- vés da interação face a face, dificuldades na manutenção do contato visual e na incapaci- dade de processar informações provenientes de faces humanas(Dawson et al. 2002, Daw-

Figura 2.3: Localização do Córtex pré-frontal. Fonte: (Blog Neurociência em sala) son et al. 2005, Konstantinidis et al. 2009, Kuriakose & Lahiri 2015). Um trabalho re- cente relacionou diretamente o córtex pré-frontal com o processamento facial (Herrington et al. 2015). Nesse estudo foi demonstrado que uma ativação na atenção seletiva, através da alternância de imagens de casas da vizinhança e de faces humanas, melhorou a capa- cidade de crianças autistas para o processamento da percepção facial.

A atenção permite ao ser humano se concentrar em certos aspectos do meio ambiente em um momento dado, pois ignora outros considerados irrelevantes (Guerra & Cozenza 2011). Chamamos de atenção seletiva os processos que facilitam a seleção de informações consideradas relevantes para um assunto e seu processamento cognitivo. Por outro lado, a atenção constante ou sustentada refere-se à capacidade de manter a atenção por um longo tempo. E a atenção dividida, a capacidade de encontrar duas ou mais fontes de estimulação. (Muhir, 1996).

A atenção também está intimamente relacionada à memória do trabalho (Guerra & Cozenza 2011). Esse tipo de memória é responsável por reter as informações somente en- quanto está sendo realizada uma determinada tarefa ou trabalho (daí o nome Memória do Trabalho). Muitas teorias neurocientíficas associam essa memória a um sistema de aten- ção de capacidade limitada, complementado por sistemas de armazenamento. Seguindo essa linha de raciocínio, é conclusivo dizer que se algo não passa pelo crivo da atenção, ela não será memorizada transitoriamente(Schimidt 2013).

Ora, para que uma determinada informação se torne consciente, esta deve primeiro chamar a atenção e, considerando haver no TEA uma deficiência para com informações

oriundas de faces humanas, pode-se supor, por consequência, uma deficiência no pro- cesso de memória do trabalho, uma vez que a face humana é um grande transmissor de informações, sobretudo no ambiente da sala de aula.

A memória do trabalho é indispensável para a aprendizagem, pois ela possui um me- canismo que fará a associação entre a informação recém armazenada com as informações que o indivíduo possui e como neurologicamente a aprendizagem ocorre quando são ad- quiridas, formadas e estabelecidas novas conexões sinápticas (pontos de conexões entre os neurônios), uma memória do trabalho deficitária acarretará em uma aprendizagem in- suficiente (Guerra & Cozenza 2011, Lent 2010).

Mesmo diante de limitações, sabe-se que todas as crianças têm a capacidade de apren- der, conforme atenta Schimidt (2013), a criança não "desaprende", a menos que tenha um Transtorno Desintegrativo da Infância (TID), que é extremamente raro. No caso do TEA, o desafio reside em encontrar os mecanismos mais adequados para que o aprendizado ocorra e a melhor maneira de avaliá-lo (Schimidt 2013).

No presente trabalho a proposta para avaliar o aprendizado partiu da análise de al- gumas funções executivas (atenção, flexibilidade mental e memória do trabalho). A pre- missa principal era: melhorando o processamento facial em crianças com TEA, consegui- remos melhorar sua atenção para com outras pessoas, conseguiremos ajudá-la a explorar de modo menos literal o ambiente que a rodeia e podemos estimular sua memória do trabalho ludicamente por meio de jogos. São objetivos ambiciosos, porém os resultados demonstraram que estamos no caminho correto.

2.3.2 O Processamento Facial no TEA

As faces são portadoras de estímulos visuais multidimensionais, capazes de fornecer vários tipos de informações para quem as observa. Tais informações podem se referir aos traços faciais, que indicam características estáticas como a espécie (se é a face de um ser humano ou de outro animal), a idade (se tem uma aparência jovem ou não), o gênero (feminino ou masculino), a identidade (distingue uma pessoas ou animal de outro), etc. Referem-se também aos estados mentais do indivíduo, que são características dinâmicas e são utilizadas para processar a fala, expressões emocionais, intenções, etc (Lee et al. 1998). A capacidade cerebral de perceber esses estímulos é chamada de processamento facial e as regiões do cérebro responsáveis por esse processamento são:

• Sulco Temporal Superior: Essa parte do cérebro tem uma importante função na integração dos múltiplos estímulos, incluindo o visual (Nolte 2002);

• Área Occiptal Facial: é responsável pela percepção inicial do estímulo visual (Pitcher et al. 2011);

• Área Fusiforme Facial: localizada no Lobo Temporal, essa área é ativada quando o campo visual observa uma face, em detrimento a outros objetos. Ela processa a informação facial e envia esses estímulos para a região das amígdalas (Haxby et al. 2000);

• Amígdalas: é responsável pelo processamento dos estímulos oriundos da AFF, ou seja processa as emoções faciais (Haxby et al. 2000).

De acordo com os mais variados estudos presentes na literatura, é bastante evidente que existe, de fato, um processamento facial anômalo no TEA, tanto a partir de aspectos relacionados ao reconhecimento facial em si, quanto ao reconhecimento das emoções e intenções provenientes da face humana (Unzueta Arce & García García 2012).

Dentre os vários estudos relacionados ao processamento facial no autismo, destacam- se aqueles que associam o interesse por parte dos autistas em faces de desenhos animados em detrimento das faces humanas reais. Dentre esses estudos, podemos destacar o de Rosset et al. (Rosset et al. 2010), que concluiu que crianças com TEA processam faces de desenho animado de modo típico, a despeito de faces humanas, o de Grelotti et al. (Grelotti et al. 2005), que analisa um garoto autista, com grande apreço pelo desenho animado Digimon. Neste último, eles avaliaram, de forma comportamental, que o garoto tinha mais interesse pela face do Digimon do que por faces reais conhecidas ou objetos conhecidos. O estudo foi validado também através de imagens de ressonância magnética funcional, que comprovaram uma hipoativação na Área Fusiforme Facial do garoto, en- quanto o mesmo olhava para imagens de faces reais, o que não ocorria quando olhava para imagens de um Dignimon. Atualmente, muitos estudos tem como base o uso de desenhos animados, geralmente aliados a tecnologias computacionais para analisar e estimular cri- anças autistas, conforme veremos na seção de Trabalhos Relacionados (Seção 3). Uma grande parte dos estudos presentes na literatura aponta para uma deficiência AFF, focando na interação entre esta e outras estruturas cerebrais como as amígdalas (Bosa Alves 2001). Aoki et al. (2015) traz uma revisão de literatura sobre os estudos relacionados ao pro- cessamento facial no autismo que foram baseados em imagens de ressonância magnética funcional. Foram levantados mais de 30 estudos que mostram uma grande heterogenei- dade de paradigmas para delinear as regiões do cérebro envolvidas no processamento facial atípico, apresentado no TEA (Aoki et al. 2015).

Harrington et al. (2015) traz um estudo empírico, bastante relevante para o problema apresentado na presente tese. Esses autores analisam, através de Imagens de Ressonância magnética funcional (fMRI) que quando há um aumento na atenção seletiva relacionada à melhoria no processamento facial, existe uma melhor estimulação na área do córtex pré- frontal, área cerebral, conforme já explicado, relacionada ao funcionamento das funções executivas, ou seja, existe, então, uma possível relação entre a área fusiforme facial e o córtex pré-frontal (Herrington et al. 2015). Na presente tese, objetivou-se analisar essa associação de , o estímulo é o próprio ambiente "aumentado"por um filtro e transformado em "caricaturas do mundo real", em tempo real. As crianças envolvidas utilizraram ócu- los de realidade virtual (ead-mounted display) para observar o ambiente dessa maneira enquanto eram dirigidas a executar tarefas lúdicas originadas de uma entrevista psicope- dagógica, a EOCA. Uma vez que a sua atenção seletiva "seleciona"faces, é possível que se possa ensinar e orientar melhor essas crianças. No momento em que se aprende algo ou se sustenta a atenção em algo, está havendo uma estimulação do córtex pré-frontal.

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