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2 A EDUCAÇÃO INCLUSIVA E A PESSOA COM DEFICIENCIA VISUAL

2.2 A DEFICIÊNCIA VISUAL NUMA PERSPECTIVA DO MODELO SOCIAL

2.2.3 Aspectos da profissionalização

Na perspectiva sociocultural da deficiência as oportunidades sociais devem estar disponíveis nos diversos aspectos da vida das pessoas com deficiência. Nesse sentido a educação musical, que pode ser um elemento de inclusão social, tem seu espaço desde a educação infantil até a possível profissionalização, o que permite assim, o educando de se tornar um profissional da música.

A educação é direito de toda pessoa e deve ocorrer desde infância até a educação profissionalizante. Nesse sentido a criança deve ser inserida no contexto escolar desde os seus primeiros anos de vida até a idade adulta, no período de conclusão da educação básica ou no período de terminalidade dos estudos. Deve-se ter uma garantia a profissionalização, que também é parte importante no processo educacional.

No cruzamento entre educação musical e a educação inclusiva, posso afirmar que estas modalidades de educação devem interagir para promover a inserção das pessoas com deficiência visual no contexto escolar, cultural e profissional. A

educação musical é uma disciplina que serve para trabalhar conhecimentos, tanto quanto serve para indicar uma possível profissionalização do educando.

Recordo-me quando defini minha primeira graduação em Musicoterapia. Os profissionais da área da educação especial procuraram investigar se já existia outra pessoa com deficiência visual exercendo tal função. Na realidade, era comum, onde se fixava uma pessoa com a mesma deficiência, serviria de modelo para todos os demais seguirem. Como se um único tamanho servisse para todos. Nesse sentido, a profissão da música como explicito melhor no capítulo 3, sempre foi bem indicada para exercício ou atividade das pessoas com deficiência visual.

Os trabalhos manuais, massagistas, ou os centrados no uso da audição, telefonia, ou no uso da voz, orador, radialistas, sempre foram bem sugeridos para atuação da pessoa com deficiência visual. Entretanto, o que questiono é quando só oportunizam tais atividades e não permitem que o indivíduo, busque suas preferências, suas habilidades fundamentadas em questões pessoais, que nos levam a ter inclinação ou preferência a esta ou aquela atividade. Submetem a pessoa com deficiência visual a uma única oportunidade de profissionalização.

Evidente, que não estou defendendo a ideia de alguém querer ocupar postos profissionais que dependem exclusivamente da visão, como motorista de automóvel, piloto de avião, dentre outros. Entretanto, existem cargos e funções que não dependem da visão, principalmente os mais disputados na sociedade, que não são oportunizados as pessoas com deficiência visual por significarem cargos de poder, cargo de gerência, chefes de estado, diretor de setores, gestores, encarregados de controlar departamentos, etc.

Nesse sentido, a profissionalização se torna mais difícil, pois a deficiência visual é ainda motivo de espanto e admiração por parte daqueles que enxergam, independente do grau de instrução ou formação, o discurso em relação a deficiência vem carregado de concepções equivocadas. Concordando com essa ideia o autor Machado Filho (1931, p. 3) relata que:

Vencendo o temor natural, não do cego, mas da cegueira, que há no subconsciente da pessoa que vê, temor este que lhe vem á tona do espírito, quando se lhe depara um órfão da visão, o vidente detém o cego e o interroga como vive, plenamente convencido de que sua existência sem a vista é um milagre. Se o cego, instruído e cortês, dá ao curioso interlocutor uma idéia sumária da vida dos que não vêem, se lhe fala que é professor, músico ou afinador de pianos,

que cultivou o espírito em um colégio, graças a uma educação especializada, o vidente, atônito, boquiaberto, passa a considerar o cego um ente á parte com uma mentalidade sui generis, com um modo de vida exclusivamente seu, isolado em um mundo próprio, dentro do próprio mundo.

O relacionamento social e profissional entre uma pessoa que enxerga com uma pessoa que tem deficiência visual tem por vezes os comportamentos centrados na ausência da visão. Diversas cartilhas são produzidas por instituições especializadas como a Instituição Vida Brasil (2006), a fim de orientar estas pessoas no cotidiano para interagir com melhor postura. A pessoa que enxerga, por vezes, ao se aproximar pela primeira vez de uma pessoa deficiente visual pode reagir com espanto. No meu dia a dia é muito comum escutar colocações como: “olha é minha primeira vez, não sei nada”. Como se esse fato significasse que existe algo de muito inusitado, atípico, anormal para se relacionar com uma pessoa com deficiência visual.

Nesse sentido, entendo ser um cruzamento de limitações, pois acredito que quanto melhor for resolvida, esta pessoa que enxerga em relação aos seus traumas emocionais, psicológicos, menos barreiras ela colocará ao encontrar com alguém que tenha deficiência visual.

Uma experiência aconteceu num transbordo de ônibus, quando me dirigia para subir a uma escada rolante sozinho, me deparei com uma senhora que pegava no meu braço e pedia para que não subisse. Quando perguntei o que havia, ela disse que tinha medo de subir escada rolante. Na verdade o medo era dela e não meu, e existiu uma projeção desse medo dela. Imagino que se ela não tivesse esse medo, não sofreria ao ver minha autonomia ao dirigir-me com independência para aquela escada.

Portanto, o perceber de uma pessoa que enxerga não pode servir como único parâmetro para compreender o que significa a deficiência visual, seja no paradigma médico da deficiência, o qual é centrado nos aspectos clínicos médicos, ou no paradigma social da deficiência, o qual é pautado nos aspectos socioculturais e profissionais, visto que apenas quem vivencia, de fato, a experiência do não enxergar saberá definir sua condição perante os diversos contextos em seus cotidianos.

Compreendo então, que qualquer decisão ou transformação de um ambiente pensado para o bem-estar da pessoa com deficiência, requer total participação e

consulta da própria pessoa que vive esta realidade. Como afirma o lema do texto da convenção Universal dos Direitos da Pessoa com Deficiência de 2008. (RESENDE; VITAL, 2008) Destaca-se a frase “Nada sobre nós sem nós”, apontando para necessidade do empoderamento, da apropriação de recursos e instrumentos disponibilizados para utilização das pessoas com deficiência.

As narrativas silenciadas das pessoas com deficiência visual, como explicita o autor português Bruno Sena Martins (2006) no livro E se eu fosse cego, traduz esta necessidade de dar voz aos atores principais. Nesse caso, as pessoas com deficiência visual. Nesta obra ele faz referência a vários casos nos quais a cegueira e a pessoa com deficiência visual apenas são utilizadas pela imaginação dos autores, o qual não tem nenhuma implicação com a condição real da ausência do sentido da visão, mas apenas supõe e reforça os preconceitos já existentes.

Experiências realizadas em dinâmicas de grupo, por exemplo, de vendar os olhos para que os participantes percebam o que é a ausência da visão podem servi de ligeira compreensão sobre o não enxergar, porém estar ou ser deficiente visual é bem mais duradouro e profundo, pois o individuo que vive esta realidade constante de não enxergar, possibilita uma transformação emocional, afetiva, psicológica, motora e cognitiva. Não existe nada de excepcional, entretanto, a condição do não enxergar com o sentido da visão requer adaptações que conduz a pessoa a formas diferenciadas de compreender e perceber os objetos, as sensações.

Desta forma, é construído um relacionamento próprio diante das diversas situações do seu dia a dia. Não sendo igual para todas as pessoas com deficiência visual, mas cada um, de sua forma individual, irá construir as suas maneiras de interagir com o contexto sociocultural no qual esteja inserido, seja na vida profissional, familiar, escolar, associativa e afetiva, distinguindo-se enquanto pessoa individual dotada de características próprias que a constituem como se singular na vida social.

Fundamento assim essas ideias sobre o relacionar e profissionalizar-se da pessoa com deficiência visual na minha trajetória educacional e profissional. Entretanto, as reflexões explicitadas, assim como os conceitos que defendo sobre a deficiência visual não decorre apenas da minha implicação na limitação visual mas, resultado de trabalho árduo em que me debrucei em investigação de obras que contribuíram e contribuem e para melhor apresentar esta realidade. Acrescento também, como já me referi, a minha trajetória na profissionalização musical, assim

como na experiência de anos atuando como educador de pessoas com várias deficiências; sensorial, física e mental. Além de estudos e pesquisas na área, desde a minha adolescência com leituras de publicações, revistas especializadas na deficiência, dentre outras.

Destaco ainda outra vantagem que julgo de grande importância da minha implicação nesta investigação. Refiro-me a relação entre pesquisador e pesquisados, onde poderei estabelecer melhores comunicações e convivência com os entrevistados, seja com os educadores, como com os educandos com deficiência visual. Estabelecerei uma relação mais dialógica como esclarece Caiado (2003) comentando sobre o texto de Bueno (2002), quando afirma que existe uma relação de poder entre entrevistado e entrevistador, no qual o capital cultural do pesquisador sobrepõe ao do pesquisado.

Ora, a dissimetria para nós tem um agravante se o entrevistado for uma pessoa com deficiência: na relação entre o pesquisador e o entrevistado há a deficiência representada pela incapacidade. Como os pesquisadores que trabalham com entrevistas com pessoas com deficiência têm enfrentado esse desafio? (CAIADO, 2003, p. 120)

Nesta questão acredito que não terei uma comunicação difícil com os entrevistados, visto que minha vivência na profissão da música foi construída numa trajetória contando com as contribuições da educação especial, e desta forma, o diálogo entre pesquisador e pesquisado terá uma relação dialógica. Aponto assim que a educação ou profissionalização de uma pessoa com deficiência, por vezes, dificultada pelos conceitos equivocados sobre as suas possibilidades de atuação educacional e profissional. Pode ser favorecida por um esclarecimento e conscientização das pessoas responsáveis pela condução das instituições educacionais e profissionalizantes.

O discurso de um empregador ou educador ou a prática excludente em geral, tende a ser transformado ao deparar com realidades de êxito profissional, social ou educacional de uma pessoa com deficiência. É nesse sentido que acredito ser a minha investigação, em contato com esses educadores, pode significar um cruzamento de experiências e de discursos capazes de modificar as concepções equivocadas adotadas por alguns educadores. Discorro então sobre o que compreendo em relação a mediação na sala de aula para transformar esse espaço de maneira a incluir estas pessoas com deficiência visual, as quais tem por vezes o

desafio de superar sua falta da visão muito mais pelo falso conceito em relação a deficiência visual, que é imposto pelas demais pessoas do que de fato significa ausência do não enxergar.