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2 A EDUCAÇÃO INCLUSIVA E A PESSOA COM DEFICIENCIA VISUAL

2.3 MEDIADORES NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA

2.3.3 Mediação e educando

Defendo a ideia de mediação na educação, como já foi dito, não como algo que faz a ponte, que está entre, mas como algo que faz parte do sujeito, nesse caso o professor passaria a ser um dos elementos na construção dessa mediação identificada com a singularidade do aluno, adquirindo juntamente com seu aluno esses saberes e não apenas o transmissor, o depositário, mas algo pertencente a natureza desse processo de ensino e aprendizagem.

O elemento da mediação deve ter a função transformadora, capaz de conduzir o sujeito a uma apropriação do conhecimento, pois tais mediadores são parte constitutiva da condição inter e intrassubjetivas. Esses instrumentos são extensões do próprio corpo do individuo. Por exemplo, no uso da bengala pela pessoa com deficiência visual, ela não significa apenas uma mediação entre o sujeito e as calçadas, os postes, e os objetos, mas além da função de ponte, ela tem o papel de ser parte constitutiva do corpo, servindo como prolongamento do dedo indicador que vai tatear as barreiras arquitetônicas e urbanísticas. Como afirma Masini (1994, p. 27)

Para este a bengala torna-se um instrumento familiar. O mundo dos objetos táteis recua. Ele não mais começa na epiderme da mão, mas na ponta do bastão. Através das sensações produzidas pela pressão do bastão na mão, o cego vitaliza-a em diferentes posições. A bengala não é mais um objeto que o cego perceberia, mas um instrumento com o qual ele percebe – é um apêndice do cego,

uma extensão da sua síntese corporal – uma maneira própria dele explorar o mundo que o cerca.

Outro autor que contribui na concepção de mediação como parte constitutiva da própria forma de percepção humana é Díaz Rodríguez (2011, p. 60), quando afirma que:

Diferente de outras espécies animais, os homens não só produzem seus instrumentos para a realização de tarefas específicas, como também são capazes de conservá-los para uso posterior, de preservar e transmitir sua função aos membros de seu grupo, de aperfeiçoar antigos instrumentos e de criar novos.

O conceito de mediação em sala de aula com alunos com deficiência visual deve ser compreendido além da possibilidade de dois elementos ligados por algum instrumento, mas com a ideia de um objeto ou recurso que interage e participa do processo de aquisição dos saberes, inclusive, conhecimentos musicais. Na interação do educando com os saberes sem barreiras arquitetônicas, comunicacionais ou atitudinais é que se garante a acessibilidade aos conteúdos e práticas no contexto escolar. A mediação para Vigotsky vai além da ideia de um objeto entre duas coisas O que ele, de fato, tentou transmitir com essa noção é que, nas formas superiores do comportamento humano, o indivíduo modifica ativamente a situação estimuladora como uma parte do processo de resposta a ela. Foi a totalidade da estrutura dessa atividade produtora do comportamento que Vigotsky (1991) tentou descrever com o termo “mediação".

No período inicial de aprendizagem escolar a criança tem a interação com o professor e as outras crianças que irão funcionar como referências na assimilação de novos conhecimentos. No entanto, esta interação deve ser constituída de uma intensa troca ou cooperação, onde é permitido ao que ensina aprender com o aprendiz, ou seja, o ensino se dar a partir da necessidade do educando.

Recordo-me quando iniciei meus estudos sobre técnicas de violão na escola de música da Universidade Federal da Bahia e deparei com professores que não conheciam a musicografia Braille, então tive a necessidade de interagir com eles para demonstrar de que maneira eles podiam transmitir aqueles conhecimentos teóricos da música e de que forma poderíamos escrever as partituras musicais. Para Vigotsky (1991) esta é uma característica essencialmente humana, a capacidade de buscar soluções a partir da interação social

A linguagem habilita as crianças a providenciarem instrumentos auxiliares na solução de tarefas difíceis, a superar a ação impulsiva, a planejar uma solução para um problema antes de sua execução e a controlar seu próprio comportamento. (VIGOTSKY, 1991, p. 36)

Na sala de aula, que existe alguma especificidade para aquisição dos saberes, o educador deve atentar para uma postura dialógica a qual permita que o próprio educando demonstre os caminhos mais viáveis para uma postura mais adequada para sua interatividade com conteúdos explicitados pelo professor. Concordando com esta postura dialógica do professor, o autor Marco Silva (apud Galvão Filho (2009, p. 325-326) refere que:

[...] percebe e propõe três fundamentos da interatividade telemática numa perspectiva de mudança de paradigma educacional e da “possibilidade de vitalização da sala de aula, a partir da modificação da sua prática comunicacional que separa emissão e recepção”, os quais ele enuncia da seguinte forma:

1. O primeiro sugere a disponibilização de múltiplas aberturas (abrir “janelas”) à participação-intervenção dos alunos nas ações cotidianas concernentes ao ensino e à aprendizagem;

2. O segundo sugere a disponibilização de múltiplas aberturas à bidirecionalidade nas relações horizontais, significando rompimento com o espaço de transmissão unidirecional autoritária (onde quem sabe transmite e quem não sabe se submete) e viabilização da co- autoria, da comunicação conjunta da emissão e da recepção;

3. O terceiro sugere a disponibilização da multiplicidade de redes de conexões no tratamento dos conteúdos curriculares, significando não-linearidade, roteiros de exploração originais, combinações livres e criação de narrativas possíveis.

Portanto, o perceber do professor não deve estar centrado no problema, mas na potencialidade a ser manifestada pelo aluno. Dando significados aos conteúdos apresentados pelos educandos em interação aos novos conteúdos propostos em sala de aula, fazendo com que esse cruzamento de conhecimentos torne dialógica a relação professor aluno e torne esse espaço escolar como um espaço de convivência e de interatividade. Orientando-se para uma prática humana, sensível e socializante no objetivo de alcançar os melhores resultados.

Na afirmação de Masini (1994) tem-se a confirmação desta postura que o professor precisa atentar em relação a seu aluno, valorizando seus conteúdos já conhecidos. Confirma então esta postura em sala de aula, quando afirma que:

A escola tem como objetivo levar o aluno a adquirir informações sobre diferentes campos; o de que cada área de conhecimento apresenta uma rede conceitual que forma sua estrutura, mas que só poderá ser adquirida com clareza pelos alunos, se apoiada (ou ancorada) naquilo que ele já sabe. (MASINI, 1994, p. 31)

Pautado nesse conceito de que a mediação não seja apenas um elo, mas parte inerente da vida do educando, compreendo que todos os elementos disponibilizados em sala de aula fazem parte integral na aquisição dos conhecimentos musicais. Afirmo assim que a linguagem do professor, a disposição dos moveis dentro e fora da sala de aula: carteiras, mesas, cadeiras, bebedouros, entre outros; assim como o comportamento dos indivíduos inseridas no espaço escolar devem estar ajustados de maneira a pertencer ao modo de vida das pessoas com deficiência visual. Desta forma, entendo que não existem necessidades especiais, mas defendo o conceito de que existem necessidades especificas ao contexto de sala de aula.

Uma pauta musical, por exemplo, que serve para todos os alunos, no que se refere aos educandos com deficiência visual, por ser um recurso de leitura escrita visual, precisará de adaptações para a percepção tátil para fazer parte da vida do aluno com limitação visual. Nesse sentido não deixou de ser pauta musical e de ter a sua função original de leitura e escrita da música, mas necessitou tornar-se específica para atender uma necessidade também especifica do educando.

Tornar especial os recursos, os professores, as estratégias de ensino, ou ainda, tornar especial os educandos em sala de aula não contribui para uma postura inclusiva, visto que desta forma se dá destaque, distinção, ênfase aos objetos e as pessoas, em lugar de uma preocupação na relação professor e educandos, assim como a preocupação no processo ensino aprendizagem da música.

Esta adaptação pode ainda ser exemplificada, no uso da reglete para escrita Braille pelo educando com deficiência visual, o qual não é diferente do caderno de papel dos demais educandos videntes, pois na relação educando e escrita, os dois recursos terão a mesma importância. Tanto para o educando com deficiência visual que utiliza o Braille, quanto para os demais que utilizam caderno de papel. Ambos terão sua iniciação nos signos que representam a leitura e escrita. Apenas um tem uma maneira tátil de percepção através da reglete e o outro, tem a utilização da visão para sua leitura e escrita, através do caderno.

Portanto, perceber e conceber os recursos que favoreçam uma educação inclusiva é também uma questão de posicionamento. Os recursos podem ser os mesmo utilizados no cotidiano do professor em sala de aula, entretanto faz-se necessário direcionar os recursos de forma a favorecer a inclusão de todos na sala de aula, inclusive os discursos do educador também se deve posicionar dentro de uma lógica da relação, na qual, tanto a atitude, quanto os equipamentos disponibilizados em sala de aula precisam estar adequados para atender as necessidades específicas de cada educando.

Penso que é necessário observar os diferentes contextos históricos para compreender melhor esses discursos que foram descrevendo as formas de se posicionar em relação às pessoas com deficiência. Descrevo então os diferentes estágios históricos que nortearam a educação das pessoas com deficiência, observando as diversas posturas socioculturais.