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2. CARACTERIZAÇÃO HISTÓRICA DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NOS

2.2 Aspectos Psíquicos

Segundo Day (2003) a violência contra a mulher é provocada por vários fatores, sendo estes, os fatores pessoais do agressor, fatores da relação, da

sociedade e como a mulher vítima de violência reage à agressão. As reações das mulheres vítimas da violência podem ser diversificadas, “(...) umas resistem, outras fogem e outras tentam manter a paz, submetendo-se às exigências de seus maridos.” (DAY, et al, 2003, p. 16).

Os vários tipos de violência contra a mulher, são considerados como “pequenos assassinatos diários”, os quais aumentam também as possibilidades de riscos e adoecimentos. Além do mais, a violência dirigida para a mulher é difícil de prevenir e evitar, já que sofre influências da história, e esta é vista como parte da constituição da sociedade. (SCHRAIBER e OLIVEIRA, 1999 apud SOUZA e ROS, 2006). Como consequências da violência, esta a diminuição da qualidade de vida da mulher, sua capacidade de produzir, seu trabalho, educação e a autoestima. (RNFS5, 2002 apud SOUZA e ROS, 2006).

Arendt (1994 apud BARROS, 2000) diz que, a violência possui um caráter instrumental, e que não é um ato de autoridade e poder. Ela ocorre devido à falta de vigor, força e energia, pois se o agressor possuísse isto, não necessitaria de violência.

Deste modo, a violência se encontra no polo da fragilidade/fraqueza e não no polo da força. Na verdade, quando um indivíduo sente-se incapaz de exercer o poder e autoridade por meio do respeito e da coesão é que a violência ganha expressão. (BARROS, 2000, p. 132-133).

A violência ocorre quando, psicologicamente, o sujeito agressor sente-se impotente diante de uma situação. Usa do ódio, pois tem a noção de que as coisas poderiam mudar, porém não são mudadas. (ARENDT 1994 apud BARROS, 2000). A agressividade depende dos diferentes tempos, circunstâncias e dos hábitos sociais. Abrange aspectos estruturais6, históricos7 e conjunturais8. A violência é deslocada no outro, pois é uma maneira do agressor se proteger dos seus próprios defeitos, que não são reconhecidos pelo mesmo. (GAY 1995 apud BARROS, 2000).

5 Rede Nacional Feminista de Saúde.

6 ESTRUTURAIS: economia, sociedade, cultura, moral. (BARROS, 2000);

7 HISTÓRICOS: grupos sociais e a localização no tempo histórico-social. (BARROS, 2000); 8 CONJUNTURAIS: contexto onde a violência se expressa. (BARROS, 2000).

Desta forma, o sujeito que agride, sofre influências do social para tal, seja a característica do tempo, seja na forma de como a violência foi transmitida para o mesmo. Haja visto que, um sujeito que presencie a violência, pode tornar-se um sujeito agressivo. Um sujeito ser disposto a sujeição ou, possuir autonomia, depende das relações que estabelece com o outro.

Há uma ambivalência no homem/agressor com quem a mulher relaciona-se, o mesmo que compartilha experiências com ela – afetos, projetos – é o mesmo que a agride, que denigre sua imagem. Logo após às agressões, vem a promessa de interrupção da violência e de mudança. (BARROS, 2000). A violência em algumas relações que são afetivas no âmbito conjugal, fazem parte da comunicação do casal. Desta forma, a relação passa por oscilação de duas vias, o amor e a dor. (SOUZA e ROS, 2006).

Souza e Ros (2006) realizaram uma pesquisa quantitativa com mulheres que sofreram violência física por parte de seus companheiros. Nesta, analisou-se que, antes das mulheres denunciarem as agressões, ela tiveram que “...passar por cima do sentimento de pena do marido, do tempo de vida juntos e da anulação durante o relacionamento.” (SOUZA e ROS, 2006, p. 51). Os motivos pelas quais essas mulheres permanecerem em uma relação de violência foi o medo, a dependência financeira, submissão, pena, amor, vergonha, insegurança. As relações não devem ser consideradas apenas do ponto de vista individual, mas sim, dentro de um contexto social e familiar, levando em consideração as relações familiares e de afinidades. (MACHADO e MAGALHÃES, 1999 apud SOUZA e ROS, 2006).

Berthes (1994 apud SOUZA e ROS, 2006), traz que a violência pode ser uma das saídas das relações conjugais, na qual mulher passa da posição de parceira para a posição de vítima de um jogo de feminilidade e masculinidade, ou seja, no jogo de papéis entre homem e mulher, o que diz respeito as ideologias de gênero.

Uma situação comum nas relações de violência, é a “relação simbiótica”, onde ambos – homem e mulher – precisam um do outro, assim, o envolvimento dos dois passa a ser em ações que sejam da vontade do outro. Muitas vezes, por permanecer em uma relação violenta, a mulher sente-se culpada e permanece nesta situação, por não ter escolhido um parceiro “ideal”. (PAIVA, 1999a apud SOUZA e ROS, 2006).

A mulher, marcada por questões históricas, tem a necessidade de manter a relação – mesmo que essa seja de violência – e é capaz de assumir todas as responsabilidades que acontecem na relação conjugal. Isto associasse com a feminilidade histórica, que para a mulher ser considerada completa e “mulher”, ela deve permanecer com o parceiro para o “resto” de sua vida. (CARDOSO, 1997 apud SOUZA e ROS, 2006). Sofre também, muitas vezes, a pressão da família, aborda que deve haver a permanência no casamento devido aos filhos, já que, na ordem do patriarcalismo, a mulher era vista somente como mantenedora do lar. (CUNHA, 2007 apud PORTO e MALUSCHKE, 2014).

A partir de Cardoso (1997 apud SOUZA e ROS, 2006):

Insistir num relacionamento após sucessivos episódios de violência ou retornar à relação após a separação é constante na vida de mulheres que sofrem violência conjugal. Quando, no entanto, a mulher consegue enfrentar o medo e separa-se do marido, inicia-se um jogo emocional, no qual ocorre uma suposta mudança de comportamento do companheiro, o que a faz sentir-se mais confiante e dedicar-se mais, reiniciando-se o ciclo da violência. (CARDOSO, 1997 apud SOUZA e ROS, 2006, p. 52).

O ciclo da violência configura-se por “espancamento, arrependimento e pedido de perdão do agressor até uma nova agressão." (BRITO, 1999 apud SOUZA e ROS, 2006, p. 52). Esta é uma situação comum entre as relações de violência conjugal, após a agressão e o arrependimento, o agressor torna-se afetivo, com a promessa de que vai mudar seus comportamentos, aí, a mulher por gostar deste, alimenta as esperanças de que ele mude com o tempo, e volta para o mesmo ciclo.

Quando a mulher deseja o “fim” do relacionamento, devido as agressões, na verdade, o seu desejo está colocado em impedir os atos violentos contra ela. (GROSSI, 1998 apud SOUZA e ROS, 2006). Seu desejo é continuar na relação, porém interromper a violência. A violência para a mulher pode representar medo de ameaças, e a permanência na relação pode dar-se devido as expectativas de mudanças por parte do marido. (ZANCAN, WASSERMANN e LIMA, 2013).

Santos et al (2014), fala do “Mito do amor romântico”, que é um instrumento que domina para que as mulheres permaneçam submissas aos homens. O amor, segundo Konder (2007 apud SANTOS et al, 2014, p. 111) “é considerado o sentimento mais forte da psique”. O amor é um sentimento que faz com que a mulher permaneça em uma relação violenta. A mulher, submissa, deve perdoar, ter

paciência, esperar e tudo suportar, sendo esta uma visão histórica. A mulher “aceita” as atitudes do marido, e ele possui o “poder” de agredir. Freud (1914 apud PORTO e MALUSCHKE, 2014) afirma que:

... o sentimento de inferioridade de um indivíduo é resultado de um “eu” empobrecido, que necessita do amor do outro para elevar sua autoestima. Desta forma, pode-se deduzir que uma pessoa que esteja vivendo em situação de violência de forma sistemática e repetitiva submete-se a essa vivência por demandar o amor do outro a qualquer preço para não se fragilizar ainda mais. (PORTO e MALUSCHKE, 2014, p. 273).

Desta forma, pode-se pensar que a mulher permanece na situação de violência para buscar a satisfação por um caminho já conhecido e seguro, repete experiências, já vividas. (FREUD, 1919 apud PORTO e MALUSCHKE, 2014). Permanecer numa relação violenta, pode estar associada a “introjeção” do objeto no ego, no qual o desprezo por si torna-se o desprezo pelo amado. Assim, a mulher estaria em busca do desejo absoluto. Se o homem não é aquele que ela idealizou, então ela precisa transforma-lo nesse homem idealizado, por isso que, ela permanece na relação violenta, não busca mudar a si, e sim o homem.

Não são somente os motivos manifestos que movem a vida de todos os sujeitos, mas também os motivos latentes. Seguindo Day (2003), esta traz uma característica inconsciente – latente -, que pode ser um dos motivos para a continuação de uma relação violenta, que é a repetição de um modelo familiar violento, ou seja, a mulher busca inconscientemente os mesmos atos que transcorreu pela sua família, como por exemplo, a vivência infantil de maus-tratos. A partir Bönmann (2014) a repetição acontece porque não há a elaboração do sintoma, ou seja, acontecimentos passados, podem voltar.

Algumas mulheres repetem o padrão de agressões, sendo que presenciaram isto em suas infâncias e/ou adolescências. Mulheres que são mais vulneráveis e submissas, terão maior dificuldade em se distanciar de uma situação de violência. “Levando em consideração que uma relação se inicia partindo da ligação de dois psiquismos que se complementam, parte da vulnerabilidade das mulheres poderá estar vinculada/associada à sua história de vida pessoal.” (HIRIGOYER, 2006 apud ZACAN, WASSEMANN e LIMA, 2013, p. 65). Haja visto que, mulheres que sofreram com um traumatismo anterior, podem estar mais vulneráveis em situações de defesa contra a violência.

2.2.1 O conceito de Repetição: uma visão psicanalítica

Freud (1914 apud COSTA, 2014), retrata que o conceito de repetição refere- se aos comportamentos que o sujeito traz de conteúdos recalcados, que não foram recordados. Este faz com que o sujeito reproduza este comportamento – recalcado – como se fosse uma ação, e não como uma lembrança. Desta forma, a repetição vem substituir a recordação, e o sujeito repetirá o comportamento recalcado em cada relacionamento que tiver em sua vida, já que o mesmo não foi elaborado. Costa (2014) diz:

...as mulheres não escolhem conscientemente viver em uma situação de violência, mas que suas histórias pessoais as dirigem na escolha conjugal que realizam, são esses significantes da história singular que evocam o automatismo de repetição. (COSTA, 2014, p. 44).

Desta forma, entende-se que a mulher escolhe seu parceiro de acordo com suas vivências pessoais. Os significantes de sua história, quando não elaborados, surgem em forma de repetição em outras atividades de suas vidas, como, na escolha de seu parceiro. Costa (2014), diz que o homem é possuidor do falo, por isso traz para si uma posição maior que da mulher, e por mais que ele sempre agrida a mulher, ele sempre será possuidor do falo. Muitas mulheres, inconscientemente, ainda querem aquele falo, mesmo que sofram à violência, por isso não largam essa relação. A autora traz que alguns comportamentos, mesmo que não se perceba, ou seja, comportamentos vindo do inconsciente, influenciam a vida do sujeito. E ainda, traz que muitas mulheres buscam inconscientemente, através da repetição, uma relação de violência.

O presente se liga ao passado, o parceiro representa pessoas importantes desse tempo que passou, mesmo que tais recordações tenham sido completamente excluídas dos limites da consciência, ocorrendo um deslocamento do passado para o presente. A mulher se mantem presa em sua cadeia de significantes. (COSTA, 2014, p. 45).

A forma como a criança lida com a fase edípica, terá influência em sua vida amorosa no futuro, pois estas não são escolhidas pelo acaso, e sim, inconscientemente. Escolhe-se alguém que tenha semelhança com os pais, ou por quem exerceu essa função. Ou seja, se na constituição edípica, a criança sofreu violência por parte de seus pais, ou se presenciou cenas de violência, esse sintoma poderá retornar no futuro em sua relação amorosa, por exemplo, porém não é regra,

pode acontecer, como não. A situação ocorre quando não foi elaborada na infância. (BÖNMANN, 2014).

Freud (1932-1936) mostra que muitas mulheres ainda são dependentes de um objeto paterno, ou seja, de seu pai real. Se a mulher permaneceu vinculada ao seu pai, sua escolha amorosa se dará de acordo com um perfil que seja semelhante a ele.

Os fatores determinantes da escolha objetal da mulher muitas vezes se tornam irreconhecíveis devido a condição social. Onde a escolha pode mostrar-se livremente, ela se faz, frequentemente, em conformidade com o ideal narcisista do homem que a menina quisera tornar-se. Se a menina permaneceu vinculada a seu pai, sua escolha se faz segundo o tipo paterno. (FREUD, 1933, p. 140).

A mulher, buscará em suas relações amorosas, uma imagem que tenha semelhanças a seu pai real. Esta busca acontece de forma inconsciente, que faz a mulher ir atrás do falo, o qual era tido pelo seu pai, mas agora na imagem de seu parceiro. Seu pai possuía essa imagem agressiva e violenta, batia na sua mãe. Com isso, na escolha amorosa, a mulher escolherá alguém exatamente assim, violento. Não são regras, que irão acontecer em todos os casos, mas quando significantes não são elaborados, conteúdos retornam na forma de repetição.

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