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Capítulo III – Ensinar Ciências e o papel do Professor

III. 4 – Aspectos que favorecem o engajamento dos estudantes nas aulas

Vários estudos exemplificam o interesse pela investigação acerca de ambientes de aprendizagem que favoreçam o envolvimento dos estudantes, propiciando-lhes oportunidades para serem reflexivos e expressarem seus pontos de vista durante as discussões. O papel do professor na construção destes ambientes, articulando estratégias que fomentem as interações discursivas e que ofereçam suporte para que estudantes se apropriem das ideias da ciência, torna-se fundamental.

Kelly, Brown e Crawford (2000) investigam as estratégias discursivas utilizadas por uma professora de uma terceira série (third grade) para promover a participação dos estudantes nas aulas. Segundo eles, a professora usou estratégias específicas de questionamento para envolver os estudantes e reforçar a existência de uma ambiência dialógica. Estas estratégias incluíam questionar os estudantes sobre informações específicas, sobre as ideias que tinham para explicar as evidências e anomalias de um dado experimento, e solicitar que fizessem descrição de eventos, que esclarecessem as próprias falas e as dos colegas, que confirmassem as predições feitas. Para os pesquisadores, as estratégias de usar perguntas diretas e fazer votações que expressassem a opinião da maioria, conjugadas a algumas estratégias discursivas que obtiveram êxito (fornecer uma lógica/racionalidade para as ações a serem performadas, relembrar experimentos prévios, relembrar descrições prévias e identificar a audiência como autêntica) facilitaram o engajamento dos estudantes no mundo da ciência e a apropriação do discurso da ciência e, portanto, dos conceitos científicos.

Crawford (2005) investigou a estratégia de uso de múltiplos tipos de discursos pelos estudantes, desenvolvida por um professor para construir um ambiente de aprendizagem que permitisse aos estudantes demonstrar a própria competência. A autora fez uma análise comparativa entre os discursos oral e escrito de um estudante, discutindo como o uso destes dois tipos de discurso se constituíram em oportunidades para ele demonstrar com sucesso a sua compreensão sobre o funcionamento de roldanas. Segundo a pesquisadora, ao usar o discurso escrito o estudante não conseguiu demonstrar a riqueza de detalhes expressa em seu discurso oral. Nesta perspectiva, a autora argumenta que a expansão do tradicional discurso escrito para mais de um tipo, possibilitou que aqueles menos proficientes em um dos modos, demonstrassem seus conhecimentos e entendimentos de formas alternativas. A pesquisa foi desenvolvida em uma turma da terceira série (third grade) do ensino elementar do sudeste da Califórnia, frequentada, em sua maioria, por estudantes de minoria étnica.

A exemplo das pesquisas comentadas acima, várias outras (DRIVER, NEWTON e OSBORNE, 2000; HOFSTEIN, NAVON, KIPNIS e NAMLOK- NAAMAM, 2005 e ELMESKY e TOBIN, 2005, dentre outros) apresentam uma revisão de literatura, investigando como as salas de aulas de ciências podem se constituir em ambientes que encorajem estudantes a se envolverem nas atividades propostas, tomando a iniciativa e responsabilidade pela própria aprendizagem, e qual é o papel do professor

neste processo. Estes trabalhos apontam para um movimento em direção a aulas de ciências baseadas em atividades investigativas, em que os estudantes trabalham colaborativamente e são encorajados a resolverem problemas.

Van Zee et al (2001) investigaram formas de discurso (speaking) no ensino elementar, no ensino médio e na universidade, consideradas encorajadoras para os estudantes formularem questões perspicazes sobre tópicos da ciência e expressarem as suas próprias ideias durante discussões reflexivas. A pesquisa foi desenvolvida colaborativamente por pesquisadores em diferentes ambientes institucionais e os autores documentaram e interpretaram questões dos estudantes e professores em três tipos de discussão que eles valorizaram dentre outras apresentadas, sendo elas: discussões guiadas pelo professor, discussões envolvidas em investigações iniciadas pelos estudantes e discussões de estudantes em pares. As asserções sobre os questionamentos dos estudantes foram as seguintes: estudantes fazem questionamentos quando são convidados a fazê-lo, quando a discussão envolve contextos familiares em que eles tenham feito observações por um longo período de tempo, quando os professores criam ambientes de discurso dentro dos quais eles possam tentar entender o pensamento um do outro e quando eles trabalham juntos em pequenos grupos sem a presença do professor.

Com relação aos questionamentos do professor, os autores colocam como primeiro interesse o de promover o entendimento conceitual. Neste sentido, as questões do professor visam elicitar experiências prévias dos estudantes, ativando conhecimentos anteriores que possam fornecer uma base inicial a partir da qual eles possam avançar na construção dos conceitos. Outro interesse das questões dos professores é o de guiar discussões. Os professores formulam questões para que estudantes possam tornar claras as suas ideias, para explorar os seus pontos de vista e para monitorar a discussão. Os autores citam, ainda, a necessidade de que a cada questionamento seja dado um tempo de espera, antes e após a fala dos estudantes, para fomentar a participação.

Mortimer e Buty (2009) argumentam que, para criar uma ambiência interativa e dialógica, o professor precisa desenvolver a habilidade de escutar e sustentar a participação do estudante. Isto pode ser feito repetindo partes da fala do estudante, usando uma entonação de voz adequada, de forma a sinalizar claramente que ele deve elaborar melhor o que está dizendo. Ao questionar o estudante o professor deve usar uma variedade de formas para este questionamento. Isto significa que, além das

conjunções que e qual, ele faça uso, também, de conjunções do tipo porque e como, além de outras, que dariam mais oportunidades para os estudantes se expressarem. Estes pesquisadores destacam as seguintes estratégias que o professor pode utilizar para que os estudantes se expressarem em aula: a) valorizar as perguntas que os estudantes fazem, de forma que eles percebam que também eles podem iniciar as interações; b) valorizar os trabalhos em duplas ou em pequenos grupos, para facilitar a participação daqueles que se intimidam frente ao grande grupo; c) ser capaz de escutar as respostas dos estudantes e de dar tempo, após as perguntas, para que eles pensem e respondam, sem se incomodar com possíveis momentos de silêncio; d) formular as perguntas de maneira que os estudantes consigam respondê-las ou reformulá-las ou decompô-las, quando a primeira não ficou clara o suficiente.

Afirmam, ainda, que as estratégias usadas pelo professor devem transformar a classe, progressivamente, em um espaço em que todos se sintam à vontade para participar, falar e fazer perguntas, ao mesmo tempo em que buscam se apropriar da linguagem e da terminologia adequadas para que possam, gradativamente, compartilhar os pontos de vista da ciência e sua maneira de ver o mundo. (MORTIMER e BUTY, 2009, p. 241-242)

Estas estratégias visam engajar o estudante nas aulas, de forma a torná-lo mais ativo e propiciar que o mesmo seja responsável pela própria aprendizagem, envolvendo- se em discussões que consideram diferentes pontos de vista, analisando e julgando cada um dos pontos de vista apresentados – os seus, os de seus colegas e os da ciência – e optando pela explicação mais coerente. Para discutir o engajamento do estudante Engle e Conant (2002) trazem o conceito de Engajamento Disciplinar Produtivo, no qual concentraremos nossa atenção neste momento.

b) Engajamento Disciplinar Produtivo

Considerando a perspectiva sociocultural em educação, encorajar os estudantes a tomarem a iniciativa e a responsabilidade pela própria aprendizagem tem recebido atenção especial em pesquisas sobre interações discursivas em sala de aula (DRIVER, NEWTON e OSBORNE, 2000; SCOTT, MORTIMER e AGUIAR, 2006; SILVA e MORTIMER, 2009). A formação de ambientes que favoreçam a expressão de ideias e pontos de vista e as estratégias usadas pelos professores para a formação destes ambientes têm sido valorizadas.

O conceito de Engajamento Disciplinar Produtivo (EDP) trata do nível de envolvimento dos estudantes em uma discussão e o progresso intelectual provocado. As evidências de engajamento são fornecidas pela análise do discurso amplamente construído, a qual considera aspectos tais como os modos de participação dos estudantes nas diversas atividades propostas, em que proporção tal participação ocorre e como as diferentes contribuições dos estudantes são receptivas às de outros. Para analisar este envolvimento, Engle e Conant (2002) consideraram estudos com diversos grupos de estudantes norte americanos, levando em conta o engajamento dos estudantes e a qualidade de suas ideias apresentadas durante as aulas. Segundo os autores, para que haja o EDP são necessários seis aspectos mínimos:

b.1) um amplo número de estudantes fornecer aporte substantivo ao conteúdo em discussão;

b.2) as contribuições dos estudantes estarem em sintonia com aquelas apresentadas pelos colegas em turnos anteriores, sem consistirem, portanto, em comentários isolados;

b.3) poucos estudantes encontrarem-se distraídos;

b.4) os estudantes demonstrarem estar atentos uns aos outros por meio de postura corporal e contato olho no olho;

b.5) os estudantes frequentemente expressarem envolvimento apaixonado com os temas; e

b.6) os estudantes continuarem engajados nos tópicos por um longo período de tempo.

Entretanto, para que estas características expressem engajamento disciplinar é necessário que exista íntima relação entre as ações dos estudantes e as questões e práticas do discurso curricular ou de uma disciplina. Nesta perspectiva, o engajamento disciplinar se dá quando os estudantes incorporam o discurso escolar em geral e, sobretudo, quando incorporam o discurso de uma disciplina em particular.

Por fim, o engajamento é considerado produtivo quando os estudantes expressam progresso intelectual. É importante ponderar, no entanto, que a avaliação do que se considera como produtivo depende da disciplina, do conteúdo ou tema específico e ainda do ponto de partida intelectual dos estudantes, quando do início de uma temática. Considerando a análise de uma sala de aula organizada de acordo com a proposta de Fostering Communities of Learners (FCL), os autores discutem que este progresso pode ser inferido, entre outros aspectos, pelo avanço na qualidade e

sofisticação dos argumentos e pela apresentação de novas ideias e questionamentos relacionados ao conteúdo disciplinar. Em outras ocasiões, ele pode ser evidenciado pelo reconhecimento de uma confusão cognitiva por parte do estudante, pela construção de uma nova conexão entre ideias ou pelo planejamento de algo para satisfazer um objetivo.

Para favorecer a criação de ambientes de aprendizagem que fomentem o EDP, Engle e Conant (2002) propuseram quatro princípios-guia para o professor, que são: 1) problematizar os conteúdos; 2) conceder autoridade aos estudantes; 3) atribuir aos estudantes responsabilidade para com os outros e para com as normas disciplinares; e 4) prover os estudantes de recursos relevantes em termos de informações e de acesso a elas.

No que concerne ao primeiro princípio, há o entendimento de que os estudantes não devem apenas assimilar informações conceituais e procedimentais, mas serem encorajados a problematizar o que estudam, a propor questões, dentre outros desafios. Os problemas tanto podem ser apresentados pelos professores como podem emergir no curso das atividades dos estudantes. Além disto, os autores salientam que tais problemas não necessitam ser abertos na perspectiva dos professores ou experts na disciplina, mas na perspectiva da interpretação dos estudantes, usando os conhecimentos e os recursos disponíveis.

O princípio de autoridade pode ser entendido, de um modo geral, como o reconhecimento do professor e de outros membros da comunidade de aprendizagem, da competência dos estudantes, tornando-os responsáveis por determinadas tarefas, quais sejam: buscar informações e se tornar um expert a respeito de um tópico em estudo, disponibilizar estas informações para os colegas, assessorar a aprendizagem de outros, planejar projetos colaborativos ou, ainda, ter autonomia suficiente para assumir papel ativo na definição, discussão e resolução de problemas. Estas diferentes formas de autoridade podem se dar individualmente, em grupos de estudantes ou em relação a toda a classe.

O princípio de responsabilidade expressa a ideia de que cada membro da comunidade de aprendizagem não é uma autoridade em si, mas um colaborador intelectual entre os demais membros, dentro e além da sala de aula. Neste sentido, a responsabilidade dos estudantes acontece em relação ao grupo e às normas disciplinares estabelecidas. O professor e demais membros da comunidade fomentam a responsabilidade de cada estudante, assegurando que o seu trabalho intelectual é parte

fundamental para o aprendizado do conteúdo e para as práticas estabelecidas dentro e fora do ambiente mais imediato de aprendizagem.

Os recursos, último princípio considerado, correspondem ao suporte necessário para que estudantes incorporem os demais princípios. Para sustentar o engajamento disciplinar produtivo, podem ser considerados como recursos o tempo necessário para se dedicar a um problema e aprofundá-lo e o acesso a informações relevantes. Para dar suporte a uma discussão, os recursos podem ser os modelos e as normas envolvidas no processo de implementação e manutenção de uma discussão. Outros recursos podem ser mais específicos à natureza de um problema sob investigação tais como impressoras, vídeos, livros, revistas, etc.

É interessante considerar que estes princípios perpassam diferentes fases do processo de ensino-aprendizagem, incluindo o planejamento; os momentos de orientações dadas pelo professor, em que há a explicitação e estímulo para atitudes de questionamento, autoridade e responsabilidade; a disponibilização dos recursos necessários para um estudo mais crítico; e a fase do desenvolvimento das atividades pelos estudantes, na qual interagem entre si sem interferência direta do professor.

Cabe destacar ainda que os princípios apresentados propiciam uma noção de engajamento disciplinar produtivo melhor formatada do ponto de vista conceitual e metodológico, sendo imprescindível considerar que tais princípios estão ancorados a uma concepção de ensino-aprendizagem subjacente ao processo desenvolvido em salas de aula do tipo FCL. Discutindo este aspecto da construção do conceito, os autores não perdem de vista a ideia de que as expressões de engajamento são (entendidas como) culturalmente relativas e sujeitas à interpretação (2002, p. 402).

Por fim, o conceito de EDP se configura em um avanço metodológico no que concerne aos estudos sobre aprendizagem escolar, visto que representa um esforço no sentido de analisá-la em sua forma processual. Constitui-se, assim, em uma perspectiva analítica que captura elementos imponderáveis por avaliações e comparações estáticas, oriundas da evolução comparativa da aprendizagem dos estudantes antes e após o desenvolvimento de uma sequência de aulas do tipo FCL. Esta perspectiva, ao incorporar o conteúdo e a interação, resgata e realça a percepção da aprendizagem como um processo cognitivo e social.

Torna-se necessário ressaltar que as investigações de Engle e Conant se referem ao engajamento de estudantes em atividades grupais programadas. Para a sala de aula na qual a investigação considera o grande grupo de estudantes e, portanto, a

organização se diferencia daquela investigada pelos pesquisadores citados, as condições para que ocorra o EDP provavelmente teriam que ser adaptadas.

Porém, conhecendo as manifestações dos professores sobre o desinteresse dos estudantes para com os conteúdos químicos e para com a escola de maneira geral, podemos argumentar que isto é uma evidência de que estes estudantes não estão engajados nas aulas e, portanto, estão limitando as possibilidades de seu desenvolvimento intelectual.

CAPÍTULO IV - O PERCURSO NA CONSTRUÇÃO DE UM