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3 A COMPLEXIDADE DO PROBLEMA E O PROBLEMA DA

3.1 Aspectos Relativos À Polissemia E Etimologia Do Termo Problema

atende uma condição preliminar do processo investigativo. Uma acepção corrente identifica problema com questão, o que dá margem a uma série de desencontros e equívocos sobre a natureza dos problemas verdadeiros e dos falsos problemas. Outra acepção identifica problema

como algo que provoca desequilíbrio, mal-estar, constrangimento as pessoas. Contudo, na acepção cientifica, problema é qualquer situação não resolvida e que é objeto de discussão, em qualquer domínio do conhecimento.

Quando se trata de qualificar um problema é preciso levar em conta de antemão que nem todo problema é passível de tratamento científico. Isto significa que, para realizar uma pesquisa é necessário, em primeiro lugar, verificar se o problema cogitado se enquadra na categoria de científico. Um problema é de natureza científica quando envolve variáveis que podem ser testadas, observadas, manipuladas. Um problema pode ser determinado por razões de ordem prática ou de ordem intelectual.

A formulação de um problema de pesquisa requer a imersão sistemática no objeto e o estudo da literatura existente e discussão com pessoas que já tenham experiência prática no campo de estudo em questão (GIL, 2002). A experiência acumulada dos pesquisadores possibilita ainda o desenvolvimento de certas regras práticas para a formulação de problemas científicos. Bachelard (1974) considera que, em primeiro lugar, é preciso saber formular problemas. O problema é a gênese do conhecimento. Na vida científica, os problemas não se formulam de modo espontâneo. É justamente esse sentido do problema (que caracteriza o verdadeiro espírito científico) que todo o conhecimento é resposta a uma pergunta. Se não há pergunta, não pode haver conhecimento científico. Nada é evidente. Nada é gratuito, tudo é construído.

Se a pesquisa científica é a realização concreta de uma investigação planejada, desenvolvida e redigida de acordo com as normas da metodologia consagradas pela ciência (RUIZ, 1982), o método de abordagem deve caracterizar o aspecto científico de um problema. Um dos importantes objetivos da pesquisa científica é entender como a mente humana, com ou sem utilização do computador, soluciona problemas e toma decisões.

Aqui encontramos um grande viés na forma como a gestão pública se processa. Ao experimentarmos a incursão nos problemas diários de um município, a pressão das demandas sociais e políticas, as filas e reclamações, os múltiplos interesses, e tantas outras questões que afetam o dia-a-dia de uma prefeitura, não raras vezes impõe ao administrador um desejo de se “ver livre” do problema. Não é incomum, nesse contexto, que a caracterização de um problema se restrinja a reclamação e a capacidade de atendimento imediato do reclamante, e que o método

de solução seja resultado de uma negociação entre o reclamante e a capacidade financeira negociada.

Poder-se-ia facilmente elencar centenas de situações típicas, como, um morador reclama de um buraco na rua, tira foto e manda ao jornal, gera um efeito constrangedor. A solução – Manda o caminhão de piche (apelidado popularmente de “tapa buraco”). Resultado imediato – o buraco fechou, o reclamante cessou – problema resolvido. Será? Alguém verificou porque se formou o buraco? Analisou o solo? Chuva, escoamento, trânsito, inclinação, etc... Uma análise simplista, desprovida de método, torna um problema de natureza complexa, um problema simples, e, problemas simples, parecem simples de se resolver.

O curioso, é que quando investimos na aplicação de uma abordagem de reconhecimento científico dos problemas, nos deparamos com um paradoxo bastante recorrente: nem todo problema simples, é simples de resolver, assim como nem todo problema complexo oferece uma solução complexa.

Mas é fato igualmente recorrente que soluções certas para os problemas errados, resultam em problemas certos. E o buraco se abrirá outra vez.

Na gestão da inclusão, essa lógica de “tapa buracos”, tem ocorrido de maneira similar, embora que, neste caso, apresente contornos mais sofisticados, elaborados e enfeitados, afinal, o ser humano não consiste de um buraco de rua que se resolva com piche.

A nocividade desta lógica superficial se percebe nas soluções de acesso e acessibilidade corriqueiramente praticadas, que poderiam ser citadas em alguns exemplos reais:

Problema: As crianças com deficiência estão fora da escola – análise simplista resulta na solução simples – coloque a criança pra dentro da escola – crie vagas.

Que perguntas não analisadas impedem a caracterização do problema: por que a criança está fora da escola? Tem transporte? Tem quem a conduza? Tem interesse? Tem saúde? Tem condição de escolarização? Tem quem a assista? Quem assiste tem interesse? Tem recursos? A escola está adaptada? O transporte está adaptado? Está disponível no horário escolar? Está lotado? A rua , o ponto, o trajeto até a escola oferece condição de mobilidade? Têm trânsito? Existem professores? O currículo é flexível? Etc.

Como aborda Gonçalves (2013), a identificação de um problema não é puramente uma questão de métrica, mas sim de estudo minucioso antes de proceder à sua transformação pratica.

De Masi (2000) ressalta que, nos simples atos do dia-a-dia, cada individuo adota uma visão própria do mundo, em parte herdada do passado, em parte elaborada por outros, em parte construída por conta própria. Desde tempos remotos se compartilha outras tantas visões de mundo, outros modelos globais sobre cuja base interpretar e orientar os comportamentos.

Ampliando a dimensão humana do problema, Gattaz Sobrinho (2001) afirma que a realidade não está aí para ser descoberta por um olhar que a revele, da mesma forma que, o ambiente físico, não está lá́ à espera de que com ele entrem em contato os organismos, plantas e animais, que estariam cá́. A realidade é o enxergado do olhar. A visão de realidade dos outros permite construir uma representação que inclui a complexidade da realidade, rica de efeitos colaterais. Reconhecidos no contexto de que fazem parte, os efeitos colaterais e a geração de diferenças definem o problema. A partir daí, implementa-se a visão tridimensional para resolvê- lo.

Ainda na interface das relações humanas com os problemas contemporâneos, Simon (1987) coloca que o processo de resolução de problema e a tomada de decisão são influenciados pelo comportamento humano, uma vez que o homem toma decisões que atendem padrões mínimos de satisfação e nunca de otimização. Adicionalmente, afirma que a ciência social e a ciência natural estão intimamente relacionadas e os pesquisadores sociais e naturais devem contribuir em conjunto para a construção do conhecimento, desenvolvendo habilidades para a solução de questões complexas, as quais exigem ambos os tipos de competência e sabedoria.

O homem sempre se debate com a síndrome de atacar a causa e também é tomado, não raras vezes, pelo combate do fato e a anulação do efeito. É tendência humana reagir ao fato e fechar na situação em si, na corrida para conter os efeitos provocados pela situação que aparentemente não pode ser controlada. A identificação do problema deveria começar por abordar as questões preexistentes. Um pequeno percurso pelas origens das pessoas ou fatos que permitiram o conjunto de ocorrências que originaram o problema seria o atalho mais seguro para o entendimento das engrenagens que moveram as peças que, no momento, afligem o ser humano (LEME, 2005).

Na busca de soluções, a ciência clássica fragmentou os problemas e compartimentalizou os conhecimentos. Essa fragmentação resultou na especialização, que embora, sob um certo olhar, possibilitou a especificação, o desenho, a implementação, o teste, a

implantação e a manutenção, por outro implicou de forma colateral que o cumprimento de todas estas etapas resulte em acréscimo de custo, exposição ao risco e continua manutenção.

O modelo clássico de resolução de problema é disciplinar, compartimentalizado e regido pela atividade (ROBBINS, 2000). Ademais, a racionalidade delimitada ou a intuição no processo decisório, tende a operar neste modelo e provocar efeitos inibidores na otimização dos recursos e na criatividade, além da estrutura definir o modelo (GONÇALVES, 2010; 2012). Usualmente, o enfoque de resolução de problema da ciência clássica responde a uma atividade e não uma necessidade humana. Também, vale considerar que todo e qualquer problema não deve estar dissociado da realidade que o governa.

De acordo com Ramamoorthy (2000; 2012), o problema pode ser classificado de acordo com os estados dele próprio e de sua solução. Na primeira classe, ambos (problema e solução) são desconhecidos. A segunda classe explicita um problema desconhecido, entretanto com uma solução conhecida. Na terceira, embora o problema seja conhecido, sua solução é desconhecida. E, idealmente, tem-se um problema conhecido e uma solução conhecida.

Como verificamos nos exemplos, a eficácia da resolução de um problema nem sempre se deve ao sucesso ou acerto de sua solução. É quase jocoso, se não fosse trágico, que possamos afirmar que a solução dada a um problema não quer dizer a mesma coisa que um problema solucionado, pois conforme Mitchell (2006), a maior dificuldade reside na identificação e reconhecimento do problema, e não no desenho de uma solução.

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