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Aspectos relativos ao recorte metodológico e instrumental de análise

1 A PERDA DE LEGITIMIDADE DO SISTEMA PENAL BRASILEIRO: O

1.4 Aplicação da prisão preventiva pelo Tribunal de Justiça do Estado do Pará:

1.4.1 Aspectos relativos ao recorte metodológico e instrumental de análise

Através de pleito realizado junto à presidência do Tribunal de Justiça do Estado do Pará (TJ/PA), foi disponibilizado Relatório de Processos de Habeas Corpus nas Câmaras Criminais Reunidas em 2015 (anexo), projetado pelo Sistema LIBRA103, sistema de gestão de

processos judiciais do TJ/PA desenvolvido pela secretaria de informática, seguindo as metas da presidência e as diretrizes da comissão de informática. Apesar de as decisões dos desembargadores se tratarem de informações públicas, em vista das pesquisas realizadas na opção “Consulta de Jurisprudência” no site104 do órgão judicial terem se mostrado bastante

instáveis, decidiu-se requerer ao próprio setor responsável da Corte, para que a pesquisa apresentasse maior certeza nos dados trabalhados.

101 GIACOMOLLI, O Devido Processo..., 2014, p. 370.

102 VASCONCELLOS, Fernanda Bestetti de. A Prisão Preventiva como Mecanismo de Controle e Legitimação do Campo Jurídico. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 153.

103 Informações gerais disponíveis em: https://apps.tjpa.jus.br/jspwiki/Wiki.jsp?page=LIBRA.

104 Acessar: www.tjpa.jus.br. Sobre essa questão pontual, cabe um adendo: a pesquisa empírica realizada em site de tribunais, pautada na análise discursiva de decisões, não apenas é aplicada, como é uma metodologia recomendada no campo das ciências criminais, tendo originado relevantes estudos à nível de pós-graduação. Cf. CARVALHO, Salo de. Como (Não) se Faz um Trabalho de Conclusão: Provocações úteis para orientadores e estudantes de Direito (especialmente das Ciências Criminais). 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 70; VASCONCELLOS, A Prisão Preventiva..., 2010, pp. 167-216; CARVALHO, O Papel dos Atores..., 2010, pp. 115-149. Além de outros importantes trabalhos referentes às prisões provisórias (preventivas, em especial), que não necessariamente tenham seguido essa metodologia. Cf. SILVA, Adrian Barbosa e; KOENIG, Vladimir. Prisões preventivas pervertidas: A gestão profética da punição no teatro processual. Boletim IBCCRIM, São Paulo, ano 23, nº 279, pp. 13-15, fev. 2016; BARRETO, Fabiana Costa Oliveira. Flagrante e Prisão Provisória em Casos de Furto: Da presunção de inocência à antecipação de pena. São Paulo: IBCCRIM, 2007; GIAMBERARDINO, André. Crítica aos obstáculos epistemológicos da prisão cautelar. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2008; ABATH, Manuela. Julgando a Liberdade em Linha de Montagem: Um estudo etnográfico do julgamento dos habeas corpus nas sessões das câmaras criminais do TJPE. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade Federal de Pernambuco, Pernambuco, 2012.

A tarefa inicial consistiu em crivar as numerações processuais que foram fornecidas e que poderiam ser utilizadas na pesquisa. Assim, fez-se o primeiro recorte de cunho formal: de um total de 2.811 processos ofertados, foram eliminados todos os cadastros repetidos (911) relativos a juntada de documentos e manifestações judiciais e administrativas na mesma demanda, passando a constar o total de 1.900 habeas corpus, de todas as comarcas do Estado do Pará105, julgados nas competentes Câmaras Criminais Reunidas106.

O objeto de análise disse respeito tão somente às decisões de habeas corpus, pelas Câmaras Criminais Reunidas do TJ/PA, em 2015, que enfrentaram os fundamentos autorizadores do decreto preventivo, de modo que, numa análise propriamente conteudística, foram excluídos todos aqueles pedidos que perderam seu objetivo (v.g. o paciente já se encontrava em liberdade etc.) e/ou sequer foram conhecidos (v.g. falta de juntada da cópia do decreto preventivo atacado pela defesa etc.), decisões monocráticas (não colegiadas), bem como aqueles relativos ao ECA, à Execução Penal, à prisões temporárias, à prisões civis por alimentos, que discutiam excesso de prazo, desclassificação, reconhecimento de prescrição, trancamento da ação penal, habeas corpus preventivo etc., quando em nenhum momento buscaram enfrentar a ausência ou não satisfação dos fundamentais legais previstos nos artigos 312 e 313, ambos do CPP. Isto posto, o banco de dados final integrou 765 julgados.

Vale atentar que o recorte não é em vão e se justifica porque, segundo o próprio CPP107, a concessão do status libertatis via habeas corpus pode ser feita ex officio pelo

julgador, logo, na análise dos julgados tabulados, foi inevitável considerar as manifestações dos desembargadores quanto à revogação ou manutenção da tutela preventiva mesmo quando o pedido não estivesse claramente direcionado a enfrentar aqueles elementos, afinal, muito embora não provocados, os julgadores, no exercício de suas funções judicantes, não apenas poderiam como deveriam reconhecer, quando presente, o caráter de ilegitimidade das prisão cautelar sob análise.

105 Na atualidade, o Estado do Pará totaliza 111 comarcas, sendo 6 na Região Metropolitana de Belém e 105 comarcas do interior. Informações completas disponíveis no site oficial do tribunal paraense:

http://www.tjpa.jus.br/PortalExterno/institucional/Portal-da-Estatistica/376-Estrutura-Judiciaria-TJPA.xhtml.

106 Segundo o Regimento Interno do TJ/PA, “Art. 23. As Câmaras Criminais Reunidas serão compostas por 12 (doze) Desembargadores e mais o seu Presidente e compreenderá as 03 (três) Câmaras Criminais Isoladas, funcionando com o mínimo de 07 (sete) membros no julgamento dos feitos de sua competência, que é a seguinte: I - Processar e julgar: a) originariamente, os pedidos de ‘Habeas-Corpus’ e Mandados de Segurança, quando o constrangimento provier de atos de Secretário de Estado, Juízes em geral e Câmaras Criminais Isoladas; [...]”. 107“Art. 654, CPP. O habeas corpus poderá ser impetrado por qualquer pessoa, em seu favor ou de outrem, bem como pelo Ministério Público. [...] § 2o Os juízes e os tribunais têm competência para expedir de ofício ordem de habeas corpus, quando no curso de processo verificarem que alguém sofre ou está na iminência de sofrer coação ilegal”.

No tocante, é importante apontar a dificuldade real de se alcançar um diagnóstico preciso na pesquisa. Como restou claro ao longo do estudo, as decisões judiciais do TJ/PA não são sequer uníssonas quanto aos significados dados aos termos utilizados para interpretar as circunstâncias de manutenção das prisões, quando muito normalmente apresentaram mais de um fundamento e várias circunstâncias do caso para respaldar suas posições.

Mais que isso, vale destacar ainda a presença de erros técnicos quanto à capitulação penal (v.g. confusão entre “qualificadoras” e “majorantes” no crime de roubo etc.) ou formatação das ementas (v.g. aparecimento de um delito no caput da ementa, enquanto no conteúdo da decisão o tipo penal analisado era diverso etc.) que, de certa forma, também dificultaram a análise, atribuindo possível margem de erro mínima, nem sempre identificável.

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