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Decisão 3: Pela defesa da sociedade – a sobreposição do “público” (ordem

1 A PERDA DE LEGITIMIDADE DO SISTEMA PENAL BRASILEIRO: O

1.4 Aplicação da prisão preventiva pelo Tribunal de Justiça do Estado do Pará:

1.4.3 Do conteúdo das decisões sobre prisões preventivas em sede de habeas corpus:

1.4.3.3 Decisão 3: Pela defesa da sociedade – a sobreposição do “público” (ordem

O próximo ementário expõe uma situação na qual o paciente está sendo acusado pela prática do crime de roubo majorado pelo uso de arma de fogo e em concurso de pessoas com um menor adolescente, o que também o faz ser imputado pela corrupção de menores (artigo 157, §2º, incisos I e II c/c artigo 244-B, ambos do Código Penal). Pela análise global dos julgados, verifica-se que este tipo de acusação é comum na realidade paraense. Como se lê abaixo, mais uma vez o fundamento legal central se resume à ordem pública:

HABEAS CORPUS. ART. 157, § 2º, INCISOS I E II E ART. 244-B DO CPB (ROUBO QUALIFICADO COM USO DE ARMA DE FOGO E CONCURSO DE PESSOAS C/C CORRUPÇÃO DE MENORES). ALEGAÇAO DE FALTA DE JUSTA CAUSA PARA A PRISÃO PREVENTIVA. NÃO OCORRÊNCIA. CIRCUNSTÂNCIAS FÁTICAS DESFAVORÁVEIS. IMPOSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DO MANDAMUS. PRESENÇA DE JUSTA CAUSA. DECISÃO DO JUÍZO A QUO COM FUNDAMENTO NO ART. 312 DO CPP. NECESSIDADE

CONCRETA DE GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA.

IMPOSSIBILIDADE AINDA DE SE APLICAR MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO EM VIRTUDE DE HAVER JUSTA CAUSA PARA A SEGREGAÇÃO. CONDIÇÕES PESSOAIS POR

SI SÓ NÃO SÃO SUFICIENTES PARA CONCESSÃO DA LIBERDADE (SÚMULA 08 DO TJE/PA). ORDEM DENEGADA113.

No presente caso, o reconhecimento da necessidade da prisão preventiva se iniciou com o juízo a quo, que converteu a prisão em flagrante em preventiva, tendo o tribunal paraense, a partir das Câmaras Criminais Reunidas, aplicado o “princípio da confiança no juiz da causa” – segundo o qual o juiz de primeiro grau teria maiores condições de auferir a necessidade da prisão em vista da proximidade às circunstâncias do caso –, tendo ratificado todos os argumentos utilizados de piso. Como a relatora não mencionou qualquer argumento novo, tendo meramente replicado a decisão atacada, necessário colacioná-la, afinal, se não ignorou os pressupostos utilizados para justificar a prisão, com eles, na íntegra, se concordou:

A materialidade e autoria delitiva estão devidamente comprovadas pelos depoimentos prestados pelas testemunhas e vítimas, dando conta de que o indiciado, juntamente com um adolescente de 16 anos, praticou um roubo contra a vítima, valendo-se do emprego de arma de fogo. Segundo a vítima, que reconheceu o flagranteado como sendo a pessoa que lhe roubou, este lhe subtraiu um aparelho celular, exercendo grave ameaça. Quanto ao periculum libertatis, verifica-se, no caso, a necessidade de manutenção da prisão preventiva do indiciado para garantir a ordem pública, pelas seguintes razões: I. A medida constritiva de liberdade se impõe como forma de

restaurar a paz social, que foi violada em razão da grave comoção social gerada por esta espécie de ilícito. A comoção está materializada nos

seguintes aspectos: I.1 Perplexidade causada na população, que passa a deduzir que as instituições encarregadas da persecução penal não são capazes de executar suas atribuições, de forma a garantir a incolumidade das pessoas e de seus bens (descrédito no sistema de persecução criminal e sentimentos de insegurança e impunidade); I.2 Gravidade do delito, que se

refere a notícia de roubo praticado em plena via pública. Os crimes contra o patrimônio tem contribuído de forma significativa para a falta de segurança, tendo a população receado de sair às ruas e viajar, com receios de ser abordada por malfeitores. O cidadão tem que se enclausurar em sua residência, passando as ruas e estradas, em especial durante a noite, a ser dominada por assaltantes; I.3 Repercussão

engendrada na comunidade onde o fato ocorreu, através da divulgação a terceiros, vizinhos e familiares da vítima, tendo gerado sentimento de revolta e repulsa na população local; I.4 Maneira de agir do indiciado, que, em concurso com um adolescente (o que por si só já é conduta de grande reprovabilidade, tanto que é prevista como crime no artigo 244-B, do Estatuto da Criança e do Adolescente), munido de arma de fogo e valendo-se de uma motocicleta para facilitar sua ação e fuga, abordou a vítima em via pública, exigindo que a mesma lhe entregasse o aparelho celular que portava, no que foi atendido prontamente pela vítima. Há que se ressaltar ainda que quando foram abordados pela polícia militar o flagranteado empreendeu em fuga, na tentativa clara de se furtar da aplicação da lei penal. Ademais, a conduta do flagranteado demonstra o total descaso pelas instituições de

113 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ. Habeas Corpus nº. 0033763-06.2015.814.0000. Relator(a): Desembargadora Vera Araújo de Souza. Data de Julgamento: 17.08.15. Câmaras Criminais Reunidas. Comarca de Marabá. Data de Publicação: 24.08.15.

segurança pública do Estado, sendo todas estas, circunstâncias reveladoras de sua periculosidade concreta; A medida incide também como forma de

acautelar o meio social e preservar a credibilidade da justiça, pois a adoção das medidas previstas em lei diminuirá a sensação de impunidade junto à população e aos infratores, estimulando a redução dos índices de cometimento de infrações penais. A medida se mostra

essencial para assegurar a aplicação da lei penal na hipótese de prolação de sentença condenatória, haja vista que o acusado resistiu a prisão, demonstrando claramente sua intenção em se evadir do distrito da culpa, sendo a prisão preventiva meio necessário e eficaz à assegurar a permanência do indiciado em local certo e determinado. Diante de tais considerações é inarredável a conclusão de que a prisão preventiva é a única medida cautelar eficaz e suficiente, além de proporcional, à resguardar os bens jurídicos supra mencionados.

Além de evidenciar a costumeira acusação de roubo majorado com a corrupção de menores, a decisão simboliza a contínua forma de se julgar aquele tipo de caso, bem como o clássico uso do princípio da confiança no magistrado anterior, como se os desembargadores não devessem reanalisar a situação e enfrentar todos os argumentos, afinal, como antes dito, possuem o papel de conceder liberdades sempre que alguma prisão for ilegítima.

Após verificar a existência dos pressupostos de materialidade e autoria delitiva presentes a partir da confissão testemunhal de que o agente teria realizado uma subtração de aparelho celular mediante grave ameaça, com uso de arma de fogo e em concurso com um menor, a justificativa, por via da ordem pública, se dá a partir da “restauração da paz social”, que naturalmente (quase matematicamente...) é abalada por “esta espécie de ilícito”.

Apesar de se ter tentado dar a conotação de gravidade ao delito por ter sido praticado em via pública e por meio do uso de motocicleta (?), o problema parece estar mesmo não pelas circunstâncias específicas do caso, mas por se tratar do crime em si: “Os crimes contra o patrimônio tem contribuído de forma significativa para a falta de segurança, tendo a população receado de sair às ruas e viajar, com receios de ser abordada por malfeitores”.

Na certeza do delito, verifica-se, além da atecnica jurídica, uma alta carga subjetiva/emotiva no discurso do julgador, para o qual, “o cidadão tem que se enclausurar em sua residência, passando as ruas e estradas, em especial durante a noite, a ser dominada por assaltantes”, relativizando-se direitos individuais pelo fato de a sociedade precisar se sentir “calma”, “tranquila”, “confiar nas instituições da justiça”, precisa crer que elas estão “combatendo o crime” e “tirando os criminosos da rua” e, logo, encarcerando preventivamente para o fim de “redução nos índices de cometimento de infrações criminais”.

O argumento não é cautelar e se resume à seguinte ideia: juiz deve se valer da prisão preventiva para proteger a sociedade contra a criminalidade, isto é, realizar os interesses da sociedade (ordem pública) mediante sobreposição aos do particular (criminoso).

2 DA PROBLEMÁTICA À PROJEÇÃO CRÍTICO-CRIMINOLÓGICA

«Le rôle de l’intellectuel n’est plus de se placer «un peu en avant ou un peu à côté» pour dire la vérité muette de tous; c’est plutôt de lutter contre les formes de pouvoir là où il en est à la fois l’objet et l’instrument: dans l’ordre du «savoir», de la «vérité», de la «conscience», du «discours». C’est en cela que la théorie n’exprimera pas, ne traduira pas, n’appliquera pas une pratique, elle est une pratique. Mais locale et régionale, comme vous le dites: non totalisatrice. Lutte contre le pouvoir, lutte pour le faire apparaître et l’entamer là où il est le plus invisible et le plus insidieux. Lutte non pour une «prise de conscience» [...], mais pour la sape et la prise du pouvoir, à côté, avec tous ceux qui luttent pour elle, et non en retrait pour les éclairer. Une «théorie», c'est le système régional de cette lutte»114.

2.1 O local do saber criminológico nas grandes narrativas sobre a questão criminal

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