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2. Transições Energéticas: sobre história e definições

3.1 Dos Aspectos Técnico-econômicos

As teorias sobre como e porquê transições energéticas ocorrem desenvolveram-se bastante a partir da Teoria de Longas Ondas, cujos pilares teóricos foram estabelecidos no trabalho do russo Nikolai Kondratiev52 e, posteriormente, desenvolvida nos estudos de ciclos tecnológicos e da inovação tecnológica como motor da economia capitalista de Joseph Schumpeter53. Christopher Freeman e Carlota Perez são os nomes pioneiros da escola Neo-Schumpeteriana que retoma os estudos de Kondratiev e Schumpeter na análise de transições tecnológicas a partir do conceito dos paradigmas técnico- econômicos54 (TEP, na sigla anglo-saxã); por esse viés teórico, buscou-se enfatizar a co-

52 No início dos anos de 1920, Kondratiev atentava em seus estudos para a regularidade de longos

períodos de acumulação material, levando à prosperidade econômica, sucedido por períodos de estagnação e declínio da atividade econômica, configurando períodos de longas ondas com ciclos de 48 a 60 anos nas economias capitalistas (KONDRATIEFF, 1935).

53 Schumpeter, em sua tese que reinterpreta os ciclos de Kondratiev, sustenta que a força-motriz

do caráter cíclico da economia capitalista é a inovação, resultado da competição como um processo evolucionário que decorre do fenômeno da “destruição criadora” (SCHUMPETER, 1939).

54 A definição de “paradigmas técnico-econômicos” se dá, à perspectiva de PEREZ (1983), pela

inclusão do caráter social ao conceito de “paradigmas tecnológicos” de Giovanni Dosi, que, por sua vez, baseou-se na definição de Thomas Kuhn sobre “paradigmas científicos”. Paradigma científico é definido como “uma "perspectiva" que define os problemas relevantes, um "modelo" e um "padrão" de investigação” (DOSI, 1982); paradigma tecnológico, por sua vez, “como "modelo" e um "padrão" de solução de problemas tecnológicos selecionados, com base em princípios selecionados derivados de ciências naturais e em tecnologias de materiais selecionados” (DOSI, 1982); e paradigma técnico-econômico como “conjunto das práticas mais bem-sucedidas e rentáveis em termos de escolha de insumos, métodos e tecnologias e também de estruturas organizacionais, modelos de negócios e estratégias”, cujos “critérios e

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evolução, por longos períodos estáveis, entre inovação, desenvolvimento econômico, modos de produção, tecnologias penetrantes e instituições. Segundo FREEMAN; PEREZ (1988), problemas no paradigma existente, como limites ao crescimento e menores taxas de ganhos de produtividade, desencadeariam inovações disruptivas, e, consequentemente, crises estruturais, dado que novas instituições e infraestrutura deveriam surgir para acomodá-las e, assim, promover a ascensão de um novo paradigma. As mudanças de base técnica seriam acompanhadas por mudanças em muitos outros aspectos como: (i) nas formas de organização de firmas e plantas; (ii) no perfil de habilidades da força de trabalho; (iii) no conjunto de produtos; (iv) nas ondas de investimento em infraestrutura; (v) na tendência a novas firmas inovadoras-empreendedoras entrarem em ramos de expansão da economia; (vi) no padrão de consumo de bens e serviços; e (vii) nos tipos de distribuição e comportamento do consumidor (FREEMAN; PEREZ, 1988; GEELS, 2005; PEARSON; FOXON, 2012). Essa abordagem, entretanto, é criticada por não levar em consideração a dinâmica no nível micro, sobre como novas tecnologias surgem e porque algumas perduram e outras não, por exemplo, e frequentemente inclinar-se a um determinismo tecnológico: segundo FREEMAN; PEREZ (1988), as forças sócio- institucionais reagem a uma ação de forças técnico-econômicas (GEELS, 2005).

Assim, da necessidade de uma estrutura conceitual que aliasse a perspectiva macroeconômica de TEP à dinâmica de microprocessos e à coexistência de fatores sociais e técnico-econômicos precedendo55 a emergência de inovações tecnológicas, autores da recente escola holandesa desenvolveram a teoria da “perspectiva multinível” (MLP, na sigla anglo-saxã) também inspirados nos trabalhos de Kondratiev e Schumpeter, e aliados a estudos da economia evolucionária, sociologia, tecnologia e economia política, entre outras áreas do conhecimento. Sustentada por (GEELS, 2002; GEELS; KEMP, 2007;

princípios mutuamente compatíveis se desenvolvem no processo de utilização de novas tecnologias, superando obstáculos e buscando procedimentos, rotinas e estruturas mais adequados (...), gradualmente internalizados por engenheiros, gerentes, investidores, banqueiros, publicitários, empresários e consumidores”, estabelecendo um “novo senso comum, aceito tanto para decisões de investimento quanto para escolhas de consumo” (PEREZ, 2009).

55 Em FREEMAN; LOUÇÃ (2001), o refinamento conceitual da TEP se aproxima da MLP neste

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VERBONG; GEELS, 2007), entre outros, a teoria é utilizada na compreensão da emergência e difusão de novas tecnologias, que ocorreria em três níveis integrados, ilustrados na Figura 7: nichos tecnológicos (nível micro), regimes56 sociotécnicos (nível meso) e “panorama” sócio-técnico (nível macro) (GEELS, 2005). No primeiro nível (nicho), inovações emergem e são normalmente protegidas ou subsidiadas para que possam expandir mercados; o segundo é dinamicamente estável devido ao alinhamento de tecnologias existentes, sistemas vigentes de regulação, padrões de consumo, infraestrutura e discursos culturais; o terceiro nível, por sua vez, é a conjuntura no sentido mais amplo: estruturas espaciais, ideologias políticas, valores sociais, tendências macroeconômicas, entre outros, fatores os quais estão além do controle de atores individuais (GEELS, 2012).

Por essa ótica, sistemas sócio-técnicos podem ser definidos como “redes de atores (organizações e indivíduos) e instituições como normas técnicas e sociais, padrões, regulações e práticas de usuários, assim como artefatos materiais e conhecimento” (GEELS, 2005; KERN; MARKARD, 2016). A MLP é, na literatura, o principal arcabouço teórico-metodológico utilizado atualmente nos estudos de transição energética, compreendendo o setor de energia, assim como o de transporte, saneamento ou comunicação, por exemplo, como um sistema sócio-técnico.

Outras recentes estruturas conceituais relevantes nos estudos de transição são Sistemas de Inovação Tecnológica, Gestão Estratégica de Nichos e Gestão de Transições

56 A noção de regime tecnológico foi inicialmente sugerida por NELSON; WINTER (1977)

referindo-se à predisposição da comunidade de engenheiros e inovadores de empresas guiarem suas atividades de P&D para opções aparentemente comercializáveis ou viáveis, das quais não resultariam inovações disruptivas, mas incrementais. Esse conceito seria explorado adiante por RIP;KEMP (1998) no campo da sociologia como “um conjunto de regras ou gramática enraizado em um complexo sistema de práticas de engenharia, tecnologias de processos de produção, características de produtos, habilidades e procedimentos, maneiras de lidar com artefatos relevantes e pessoas, modos de definir problemas – todos eles embutidos em instituições e infraestruturas.” Os nichos, por sua vez, são mercados “protegidos” nos quais inovações radicais podem se desenvolver sem estarem sujeitas à pressão do regime predominante (RIP; KEMP, 1998).

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(TIS, SNM e TM, nas siglas anglo-saxãs, respectivamente). De maneira geral57, enquanto a MLP busca compreender a dinâmica de transições, como descrito acima, a TIS se propõe a entender a emergência de novas tecnologias e as mudanças institucionais e organizacionais associadas; a SNM presta-se ao entendimento de como proteger e nutrir nichos de inovações radicais com foco em orientar políticas públicas para induzir transformações no regime vigente; e a TM visa desencadear transições sustentáveis de sistemas sociais enquanto complexos e adaptativos, “entendendo como “gestão” um processo reflexivo e de governança evolucionária” (KERN; MARKARD, 2016).

Figura 7 – Abordagem Teoria da Perspectiva Multinível para inovação de sistemas. Adaptado de GEELS (2004).

57 Para descrição mais aprofundada, KERN; MARKARD (2016), MARKARD; RAVEN;

TRUFFER (2012) e SAFARZYŃSKA; FRENKEN; BERGH, VAN DEN (2012) oferecem um resumo de cada arcabouço teórico citado, as principais contribuições, críticas recebidas e limitações metodológicas, além das respectivas referências bibliográficas.

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Ainda que o papel central do progresso tecnológico e das forças de mercado seja cada vez mais relativizado nas teorias mais recentes (principalmente na MLP), de modo a reconhecer a importância de “aspectos intangíveis e atores”, por exemplo, as correntes derivadas da teoria de ondas longas tradicionalmente contribuíram muito mais com o entendimento dos aspectos técnico-econômicos das transições energéticas e por isso foram abordadas neste subitem.

Por outro lado, outro grupo de autores, sob uma perspectiva sistêmica, indutiva e empiricamente fundada, criaram uma estrutura conceitual a partir de padrões históricos evidenciados em estudos de caso de tecnologias de energia, e também tiveram enfoque técnico-econômico com contribuições bastante significativas sem, necessariamente, apresentarem de antemão uma estrutura teórica (FOUQUET, 2010; GEA, 2012; GRUBLER, 2012; SMIL, 2004, 2010b;WILSON, 2012). Ainda que tenham desenvolvido suas análises em escolas de diferentes tradições, os aspectos técnico- econômicos, discutidos abaixo, são compartilhados por todos ou muitos deles.

3.1.1 O ciclo de vida de tecnologias de energia e padrões de difusão tecnológica Utilizado desde os estudos pioneiros de Marchetti e Nakicenovic58 em 1979 para análise de substituição tecnológica em sistemas energéticos, o modelo de substituição logística é referência básica para o entendimento do ciclo de vida tecnológico: inicialmente, tecnologias com nova aplicação comercial são gradualmente difundidas até entrarem em uma fase de rápido crescimento exponencial, seguida de uma desaceleração e posterior saturação, configurando uma função em forma de “S”; a substituição por outra(s) tecnologia(s) leva a seu declínio e obsolescência (GRUBLER; WILSON; NEMET, 2016; MARCHETTI; NAKICENOVIC, 1979; WILSON, 2012). A Equação 1 descreve este fenômeno:

58 Ver MARCHETTI; NAKICENOVIC (1979) para uma revisão dos estudos que utilizaram curvas

em formas de S para representar desde fenômenos de população à biologia e cinética química antes de serem aplicados nos estudos de inovação e substituição tecnológica entre duas ou mais tecnologias em competição.

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