• Nenhum resultado encontrado

Equação 1 Função logística que descreve o ciclo de vida da difusão tecnológica.

3.3 Das Relações de Poder

Se por um lado o trabalho empírico de Kondratieff inspirou Schumpeter em suas contribuições teóricas sobre ciclos econômicos, por outro também foi referência primária na formulação da divisão do tempo e espaço no trabalho de Fernand Braudel104,

historiador da segunda geração da Escola de Annales. Braudel divide a história em diferentes durações que se sobrepõem, em ondas temporais de três níveis: (i) o tempo de curta duração, o tempo breve de eventos, “de fôlego curto”; (ii) o tempo conjuntural, de oscilações cíclicas, que duram de 5, 10, 20 a 50 anos; e (iii) o tempo de longa ou longuíssima duração, a longue durée, de amplitude secular, que busca identificar o sentido histórico de mudanças estruturais, lentas, que dão forma ao presente (BRAUDEL, 1978; CECILIO, 2012). Outra contribuição importante de Braudel deu-se no sistema tripartite, que diferencia as três camadas de atividade econômica em: (i) civilização material, que compreende fundamentalmente as atividades econômicas de subsistência, norteadas por costumes; (ii) economia de mercado, que, acima da anterior, diz respeito a toda atividade produtiva com finalidade de troca, submetida à concorrência e regida pelas leis de oferta e demanda; e, acima desta, está o (iii) anti-mercado (ou capitalismo), onde o acesso à informação é privilegiado, a concorrência é contornada e as tendências de mercado são manipuladas, favorecendo a formação de monopólios de modo a criar uma zona de lucros superiores (BRAUDEL, 1981). A distinção entre economia de mercado e capitalismo na obra de Braudel evidencia o papel essencial dos espaços de poder na economia, que, como aponta CECILIO (2012), “é uma variável-chave para explicar o surgimento de espaços de alta lucratividade na economia ao abafar as forças competitivas”.

104 Ver DANNEQUIN (2006) para diferenças nas abordagens entre Schumpeter e Braudel sobre a

72

A longue durée e o sistema tripartite tornaram-se método para as análises da teoria sistema-mundo, inaugurada por Immanuel Wallerstein em 1974 com a publicação de The Modern World-System, vol. I, e desenvolvida por Andre Gunder Frank, Giovanni Arrighi, Samir Amin, Theotônio dos Santos, entre outros. Uma das contribuições de Wallerstein esteve em considerar o sistema-mundo105 como unidade de análise, considerando-o uma “grande zona geográfica dentro da qual existe uma divisão de trabalho e, consequentemente, trocas internas significativas de bens básicos ou essenciais assim como fluxos de capital e trabalho” (WALLERSTEIN, 2004). O sistema-mundo capitalista moderno, segundo Wallerstein, teria surgido no século XVI na Europa e se expandido para outras regiões do globo, intensificando redes de interação política, econômica, social e cultural entre centro e periferia.

Bruce Podobnik, partindo da tradição dos estudos da teoria sistema-mundo, analisa as transições energéticas globais a partir das seguintes considerações: (i) eventos globais, em particular as grandes transições energéticas, são conduzidos em parte por uma dinâmica de rivalidade geopolítica entre períodos de conflito intenso e moderado; (ii) existe um processo de competição corporativa que alterna entre períodos de inovação industrial radical e períodos de crescimento mais previsível; (iii) processos de conflito social alternam também entre fases de intensidade radical e moderada (PODOBNIK, 2006).

Segundo PODOBNIK (2006), essas três dimensões interagem em um processo de sequencia hegemônica que transforma o sistema energético global:

O mundo moderno alternou repetidamente entre processos de ordem relativa, durante os quais uma grande potência (ou Estado hegemônico) pode impor estabilidade sobre o globo, e períodos de caos, no qual países poderosos competem por dominação. Durantes períodos de ordem relativa, conflito internacional é contido, as perspectivas comerciais são aumentadas e a agitação social é mais ou menos suprimida. Períodos de caos, entretanto, são

105 Segundo o autor, sistemas-mundo podem ser divididos em impérios-mundo, onde há unidade

política (por exemplo, China, Roma e Egito em tempos pré-modernos), e economias-mundo, onde não há unidade política (por exemplo, Grã-Bretanha e França do séc. XIX, que não poderiam ser consideradas impérios-mundo, mas estados-nação com apêndices coloniais operando no âmbito de um economia- mundo). Além dos sistemas-mundo, sistemas econômicos poderiam ser categorizados como minissistemas, referentes a economias tribais com uma única estrutura cultural com completa divisão do trabalho e uma entidade política (ARIENTI; FILOMENO, 2007).

73

caracterizados por guerras, crises econômicas e surtos radicais de conflito social. Transições de períodos de ordem para caos global impactam profundamente o sistema energético global. (...), períodos de crescimento relativamente linear e previsível em sistemas energéticos globais são atingidos quando um Estado hegemônico é capaz de conter dinâmicas de competição geopolítica, comercial e social dentro de quadros moderados. Por outro lado, períodos de mudanças mais profundas em sistemas energéticos globais ocorrem quando estabilidade hegemônica é quebrada e as pressões de guerra, crise econômica e conflito social não podem mais ser contidas106

(PODOBNIK, 2006).

As rivalidades geopolítica e corporativa e o conflito social são, portanto, esferas centrais no esquema teórico de PODOBNIK (2006), que considera que a intervenção estatal em setores estratégicos e na garantia de acesso a recursos, a ciclicidade de períodos de competição intensa e oligopolização controlada entre firmas pela dominação de setores-chave na economia, e a formação de movimentos sociais associada à evolução de indústrias energéticas de larga escala foram estruturantes de sistemas energéticos globais. A alternância de ciclos de poder, portanto, esteve atrelada à mudança da principal fonte de energia aliada a outras transformações em tecnologia e capacidade militar, padrões de consumo e acumulação e reprodução de capital. A interação destas três esferas no romper de transições energéticas globais a partir do século XIX pode ser visualizada na Figura 11.

106 Tradução livre.

74

Figura 11 - Dinâmicas de rivalidades política e comercial, e de conflito social nas transições energéticas globais. Fonte:Adaptado de PODOBNIK (1999).

Assim, o surgimento de um novo sistema energético, pelo esquema proposto por PODOBNIK (1999, 2006), estaria necessariamente vinculado ao caos sistêmico107 precedido à decadência de uma potência hegemônica, e sua ciclicidade também seria acompanhada pela resistência das elites decadentes108, cuja fonte de riqueza estivesse em vias de esgotar-se (OLIVEIRA, L. K., 2012; PODOBNIK, 2006). Na atualidade, estaríamos presenciando um novo caos sistêmico com a intensificação de conflitos sociais (dentro e fora do setor energético), e da rivalidade interestatal, com o rápido declínio da hegemonia estadunidense e com o crescimento econômico do sudeste e leste asiático

107 Como aponta ARRIGHI (2010), caos sistêmico refere-se a “uma situação de total e

aparentemente irremediável falta de organização”, que surge pelo aumento do conflito “para além de um limiar dentro do qual invoca fortes tendências contrapostas” ou porque “um novo conjunto de regras e normas de comportamento é imposto ou cresce a partir de dentro um conjunto mais antigo de regras e normas” ou pela combinação destas duas circunstâncias. A demanda por algum tipo de ordem aumenta à medida que o caos sistêmico aumenta e o(s) país(es) que estiverem em posição de de satisfazer essa demanda por ordem é apresentado como um possível candidato a tornar-se hegemônico no mundo.

108 Ver TURNHEIM; GEELS (2012) para a desestabilização na indústria do carvão e a resistência

75

exercendo uma grande força atrativa de investimentos para a região. Isso sugere, tal como ocorreu no passado em momentos similares, que uma transição energética global estaria em curso atualmente, caracterizada pelos esforços coordenados em vários níveis para solucionar crises energéticas: (i) elites políticas construindo acordos globais e instituições desenhadas para facilitar a expansão global de sistemas energéticos renováveis; (ii) corporações de energia multinacionais aumentando investimentos em renováveis para distribuírem o risco e posicionarem-se para o sucesso nos setores emergentes; e (iii) grupos ambientais intensificando esforços para conter megaprojetos energéticos danosos e defendendo rápida expansão de TER.