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Aspectos teóricos e metodológicos no entendimento do relevo

3. ASPECTOS TEÓRICOS E CONCEITUAIS

3.4. Aspectos teóricos e metodológicos no entendimento do relevo

Visando contribuir para uma base metodológica que proponho, traço, a seguir, breves considerações sobe a evolução do conhecimento geomorfológico.

Relevo, abstrato enquanto matéria materializa-se como palco das atividades humanas. Resultante das atividades endógenas e exógenas, o relevo se interage, com a rocha, com o clima, com o solo, com a vegetação e os recursos hídricos. Tal abrangência resulta na constituição da paisagem natural ou até mesmo cultural quando este se associa às atividades humanas. Desta forma, o entendimento do relevo não enfoca apenas sua estrutura e forma, direciona-se em nível de elemento norteador de tomadas de decisões visando o planejamento do uso de determinados ambientes, seja no espaço rural ou no espaço urbano.

As palavras de Abreu (1985) refletem a evolução do conhecimento geomorfológico quando coloca que o estudo do relevo tem sido encarado ora como um segmento da Geologia, ora da Geografia, e mais, seu objeto vem sendo desenvolvido ora de ordem teórica, ora em uma base empirista, quanto à forma de abordagem.

Não pretendo enfocar uma retrospectiva da evolução geomorfologica, mas caberia, aqui, para entendermos o enfoque de que o relevo é tratado na atualidade, e, mas que isso, os fundamentos da forma que pretendo colocar o relevo na presente pesquisa.

Assim como os demais ramos da Ciência Geográfica, o estudo do relevo, através da Geomorfologia, vem tomando dimensões diversas, contextualizando-se no momento histórico. Segundo Marques (1994), James Hutton teve uma grande importância no contexto geomorfológico, através das idéias do atualismo, por ser o primeiro a identificar a importância do conhecimento do presente para melhor compreender o passado.

Deve-se, porém, a Davis (1899) a principal contribuição para a história da Geomorfologia. O Ciclo Geográfico, por ele idealizado, constituiu o primeiro conjunto de concepções que podia descrever e explicar, de modo coerente, a gênese e a sequência evolutiva das formas de relevos existentes na superfície terrestre, enfatizando três elementos, a estrutura geológica, os processos fluviais e o tempo. A referida teoria pautava-se em fases do relevo: juventude, maturidade e selenidade, enfocando a estrutura geológica, fruto da escola americana. Por mais críticas relacionadas à interpretação de Davis, com certeza, sua contribuição aos estudos do relevo é marcante não só na literatura, como também nas atitudes em tomadas de decisões em busca de novas teorias.

Ainda na escola americana, podem ser destacados os trabalhos de Stralher (1950) destacando a morfometria da forma e Hack (1960), em que postula uma concepção sistêmica.

Em uma outra abordagem Penck (1953), fruto da escola germânica, ressalta-se as formas do relevo, resultantes do poder morfogenético e morfodinâmico fornecidos pelo gradiente hidráulico que age através da força da gravidade. A energia inicial seria dada pela tectônica e pela litoestratigrafia, enquanto a saída da matéria seria fornecida pela ação dos agentes externos, especialmente o clima, através da água e da radiação solar que atuam sobre as rochas e solos. A partir da ação contrária dos processos de soerguimento e denudação com tempos, intensidades e ritmos diferenciados, resultariam as formas de relevo provenientes dos processos de abrasão e de agradação. Com isso, os fatores exógenos, através do clima inserir-se-ão na abordagem do relevo. Esta visão evolui no decorrer do tempo e viabiliza os estudos mais integrados entre os vários ramos da Geografia.

Através da leitura das formas denudacionais e dos processos correlativos, Penck (1953) considera que é possível avaliar quem está agindo com maior intensidade relativa, se são os processos exógenos ou são os processos endógenos, o que é fundamental, pois é o resultado desse balanço que vai comandar a morfogênese e a morfodinâmica.

Seguindo a escola alemã, destacam-se autores como Passarge (1912) valorizando o relevo, o clima e a vegetação de forma integrada e Troll (1950), inserindo a concepção de ecologia da paisagem.

Davis (1899) e Penck (1953), decerto, são os grandes percussores da Geomorfologia, visto que nos aspectos culturais há um forte elemento que cada autor propicia quando na interpretação do relevo. Davis, proveniente de uma formação de geólogo e Penck, por sua vez, influenciado por uma escola de naturalista.

De forma sistematizada, e pautado na evolução do conhecimento geomorfológico, no Brasil, Ab’Saber (1969) propôs um estudo sobre o relevo, onde designou três níveis para a interpretação do mesmo: a) o primeiro nível é a compartimentação topográfica, relacionando com a análise horizontal, através do domínio das formas; b) o segundo nível, levantamento da estrutura superficial, refere-se aos níveis altimétricos e depósitos correlativos e (c) o terceiro nível, denominado de fisionomia da paisagem refere-se aos processos morfogenéticos ocasionados pela dinâmica climática, inserindo ainda a ação do homem.

Será esta abordagem do estudo geomorfológico que ganhará enfoque de dimensionamento, e, conseqüentemente, de escala.

Segundo Marques (1994), as formas ou conjuntos de formas de relevo participam da composição das paisagens em diferentes escalas. Relevos de grandes dimensões, ao serem observados em um curto espaço de tempo, mostram aparência estática e imutável; entretanto, estão sendo permanentemente trabalhados por processos erosivos ou deposicionais, desencadeados pelas condições climáticas existentes.

A este entendimento, Ross (1992) postula uma taxonomia do relevo aplicada para fins de planejamento, pautada em aspectos teóricos e metodológicos nos trabalhos de Penck (1953), Mescerjakov (1968) e Demek

(1967), ressaltando ainda, as contribuições de Calilleux e Tricart (1956), secundadas por Tricart (1965).

O mapa geomorfológico corresponde a uma análise de estudos especializados. É um documento que contém grande número de informações necessárias ao planejamento ambiental, já que trata além das formas, seus materiais e processos, dando a compreensão da dinâmica do relevo, ou tendências evolutivas.

Tricart (1965) coloca que Cailleux e Tricart (1956) propõem uma metodologia de análise baseada em dois princípios fundamentais: o dinâmico e o dimensional. O dinâmico está relacionado com os mecanismos estruturais e climáticos que originam as formas. O dimensional se relaciona com a noção de escala, de dimensões temporo-espaciais. Seguindo a proposta taxonômica, Cailleux e Tricart (1956) classificam os fatos geomorfológicos em sete grandezas, posteriormente, acrescidas para oito, conforme tabela abaixo.

Quadro 2: Classificação taxonômica dos fatos geomorfológicos Ordem Unidade em super- fície km2 Características das unidades, exemplos. Unidades climáticas correspondentes Mecanismos éticos comandantes do relevo Ordem de grandeza de permanência temporal I 107 Continentes, curvas oceânicas (configuração do Globo)

Grandes conjuntos zonais, comandados por fatores do astro..

Diferença da cortiça terrestre, “sial” e “Sima”

1092a anos II 106 Grandes conjuntos estruturais (Escudo Escandinavo, Téthys, Bacia do Congo)

Grandes tipos de climas (interferência de influências geográficas com os fatores do astro).

Movimentos do crosta terrestre, como a formação dos geossinclinais. Influências climáticas sobre a dissecação.

109 anos

III 104

Grandes unidades estruturais (Bacia de Paris, Jura, de Maciço Central)

Matizes nos tipos de climas, mas sem grande importância para a dissecação

Unidades tectônicas tendo uma ligação com

paleogeografia. Velocidade de dissecação influenciada pela litologia. 108 anos IV 102 Unidades tectônicas elementares: maciços montanhosos, horts, fosséis.

Climas regionais àa influências geográficas nos regiões montanhosos

Influência predominante da tectônica, secundário da litologia.

107 anos

Limiar de compensação isostática

V 10

Acidentes tectonicos: Anticlinal, sinclinal goteira, etc. Monte, vale estreito, etc.

Climas locais, influências pela disposição do relevo

Predominância da litologia e o tectonismo. Influências "estruturais clássicas" 10 6 à 107 anos VI 10-2 Forma de relevo: crêt, terraço, enseada, moraine terminal, cone déjections

Mesoclima

diretamente ligado à forma (nicho nivation, por exemplo)

Predominância do fator morfodinâmico,

influenciando pela litologia

104 anos

VII 10-6 Microformas: lupas

solifluxão, solos poligonais, nebkaa, ravinas

Microclima diretamente ligado à forma por autocataclase (exemplo: lapiés)

Idem 102

anos

VII 10-8 Microscópico: detalhes

de corrosão, polissage, etc. Micromeio Interferência da dinâmica e a textura do balanço Fonte: Tricart (1965)

Demek (1967) elabora uma proposta de classificação dos fatos geomorfológicos em uma escala grande, visando a cartografação, e apresenta

unidades taxonômicas básicas: (a) superfícies geneticamente homogêneas, (b) formas de relevo e (c) tipos de relevo.

Mescerjacov (1968) pautado nos conceitos de morfoestrutura e morfoescultura, faz uma proposta metodológica de classificação do relevo em seis táxons. Para o autor a participação ativa dos movimentos tectônicos e litoestrutura estão inseridas em todos eles, conforme tabela abaixo.

Quadro 3: Esquema geral da classificação do relevo da terra

SU- PERFÍCIE em Km2

ELÉMENTOS MORFOESTRUTURAIS (MORFOTECTONICOS DO RELEVO DOS CONTINENTES E DO FUNDO DOS OCEANOS

CATEGORIAS MORFOCULTURAIS DO RELEVO

TERRA FIRME FONDO DOS OCEANOS E DOS MARES

107 – 106

Morfoestrturais: Morfoestruturais de 1ª ordem, massas continentais em projeção (o comprimento da plataforma continental) e as depressões oceânicas

106 – 105 Morfoestruturais de 2a ordem, regiões de

planície de pedestal, zonas montanhosas (oroggênica)

Zonas Morfoesculturais (morfoclimáticas): zonas de morfoescultura glaciais, fluvial, árida etc.

Zonas morfoesculturais: zonas circupolares de formes glaciais, zonas de latitudes temperadas, zonas tropical e equatorial.

105 – 103

Morfoestruturas: Morfoestruturas de 1er

ordem, platô, bases regões de planícies, depressões das zonas montanhosas

Provincias morfoesculturais, províncias de morfoescultura fluvial e tipo mediterrâneo, províncias de erosão glacial de acumulação

103 - 102

Morfoestrutura de 2er ordem, baleaumento

tectônicos, marcas dentro do relevo, depressões

Regiões morfoesculturais, regiões de morros frontais, regiões de relevos carsticos

102 - 10

Morfoescultura de 3a ordem, anticlinal,

marcas dentro do relevo, cúpulas, fossas recentes

Formas de relevo particulares determinadas pelos fatores exôgenos

Vales fluviais, “ovrag”, Vales submarinos, Formas carsticas formas de acumulação Icebergs etc.

10 – 10-2 Microrelevo tectônico, pequena expressão

dentro do relevo, diques, fendas.

Pequenas formas de relevo de origem exogêna

Solos poligonais, pequenas ilhas

Fonte: Mescerjakon (1968)

Segundo Ross (2002), é através de Penck (1953) e Mescerjakov (1968) que se desenvolvem os conceitos de morfoestrutura e morfoescultura. Penck (1953) enfatiza três elementos: (a) elementos da geoestrutura, (b) da morfoestrutura e (c) da morfoescultura. Mescejakov (1968). Afirma que as morfoestruturas e as morfoesculturas apresentam dimensões diferentes.

Ross (1992) classifica as formas de relevo em seis táxons, com hierarquias que parte da unidade morfoestrutural, maior e mais antiga, em direção às formas resultantes de processos atuais, menores e mais jovens.

1o táxon – trata das unidades morfoestruturais, ou seja, as maiores

dimensões, relacionadas com os fatores genéticos do relevo; o 2o táxon – refere-

se às unidades morfoesculturais; o 3o táxon – caracteriza as morfologias e

morfométricas semelhantes; o 4o táxon – refere-se às formas individuais que

definem a unidade morfológica ou padrão de formas semelhantes; o 5o táxon –

relaciona-se com as formas das vertentes e o 6o táxon – trata das formas de

relevos menores ao longo das vertentes, inclusive geradas por indução antrópica.

Ross (1992), ao propor a classificação das formas de relevo, diz “a classificação que ora se propõe é calcada fundamentalmente no aspecto fisionômico que cada tamanho de forma de relevo apresenta, não interessando a rigidez da extensão em km2, mas sim o significado morfogenético e as influências estruturais e esculturais do modelado”. É, como vemos, uma classificação morfogenética, sem a rigidez da escala espaço-temporal contidas nas classificações de Cailleux e Tricart (1956) e de Mescerjakov (1968), em que há uma ampliação das unidades taxonômicas de Demek (1967) para fins de análise e cartografação das formas de relevo, facilitando sua utilização na construção de cartas geomorfológicas em diversas escalas, grandes e pequenas.

Figura 6: Taxômonia do relevo Fonte: ROSS (1992)

Partindo da visão geomorfológica de Abreu (1982), somos levados a acreditar que a classificação taxonômica constitui o ponto central da abordagem metodológica em geomorfologia e revela a teoria e a filosofia que servem de suporte para as suas observações, permitindo-nos avaliar a coerência dos estudos desenvolvidos e o significado dos resultados alcançados. Posto tal questão uma análise pode ser empregada na classificação quando na designação do 6º táxon proposto por Ross, uma vez que mesmo retratando os processos geomórficos atuais, e principalmente, os gerados por indução antrópica, não evidencia os aspectos culturais, poder-se-ia, então, pensar em fazê-lo através da representação gráfica. Pressupõe-se que acompanhado de uma ação antrópica acompanha-se uma cultura, esta expressa em uma ação direta ou indireta.

Certamente, a intenção de Ross é o desenvolvimento da taxonomia que propicia uma geografia aplicada e integrada aos aspectos naturais e sociais, integrando-os e buscando o interrelacionamento das mais diversas correntes: davisiana, alemã e humanista, conforme cronograma em anexo.

Figura 7: Evolução do conhecimento geomorfológico Fonte: Ross. (nota de aula – abril, 2004)