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7.2.1 Funções textual-discursivas das construções concessivas na notícia

Como já mencionamos, consideramos que a concessividade resulta de um jogo opositivo entre o argumento do enunciador e aquilo que este pressupõe como objeção por parte do enunciatário. Nesse jogo de discursos, em que o enunciador conduz para o ponto de vista por ele defendido no texto, ambos os atores são construtores de sentido. Esse caráter dialógico nos faz perceber que as construções com valor de concessão constituem uma opção linguística relevante para a construção da argumentação no texto da notícia, espaço em que o enunciador organiza seu discurso não só para dar foco, relevo, mas também para construir a argumentação apresentando ressalva, avaliação, guia, ponte de transição, adendo.

Para verificar como o emissor desse gênero realiza essas opções na construção do discurso e estabelecer a relação entre forma e função, correlacionamos a ordem das construções concessivas aos conteúdos textual-semânticos e às funções textual-discursivas.

Como já mencionamos, as adversativas têm uma posição fixa. Estão sempre pospostas, como em (03) e (29):

(03) Pais e alunos do Christus disseram que a apostila vazou a estudantes dos colégios Antares, Ari de Sá Cavalcante, Sete de Setembro e Farias Brito. As escolas negam acesso privilegiado, mas disseram que alunos do Christus podem ter repassado o material a outros estudantes. (JCN 28/10/11A)

(29) No escritório do advogado da escola, Cândido Albuquerque, foi deixado um recado, mas não houve o prometido retorno. (JCL 28/10/11B)

De acordo com Neves (2001), “ao produzir uma construção de preferência (em que o sentido captado pelo receptor é figura e o sentido do emissor é fundo), o falante ou constrói uma adversativa, ou uma concessiva” (NEVES, 2001, p. 146). Percebemos, portanto, que a escolha por uma ou outra forma de estabelecer a contraposição, seja por meio de uma construção concessiva seja por meio de uma adversativa, é motivada por critérios discursivos.

No caso das adversativas, o enunciador dirige a atenção do leitor para a porção marcada pelo conector adversativo, colocando em relevo seu ponto de vista. Neves (2006) chama a atenção para o papel significativo do mas na organização textual. Para a autora, esse conector “é elemento de eleição privilegiada na abertura de novos caminhos que ele marca, de algum modo, divergentes ou discrepantes” (NEVES, 2006, p. 254), conduzindo o texto para rumos marcadamente desviantes.

Nos exemplos (10), (18) e (25), a construção concessiva, que está anteposta, funciona como tópico para a informação de base.

(10) Por enquanto foram anuladas 14 questões para 639 alunos do Colégio Christus, de Fortaleza (CE). Esses estudantes tiveram contato com essas questões semanas antes do exame nacional, durante um simulado. (JCN 21/12/11)

(18) A escola é alvo de investigação da Polícia Federal por ter distribuído, 10 dias antes do Enem, apostilas contendo pontos idênticos ou muito parecidos com o pré-teste aplicado em outubro do ano passado. “Anular somente as questões dos alunos beneficiados não restabelece a isonomia. (...) De outro lado, anular as questões para todos os participantes também não restauraria a igualdade violada. (...) Seja como for, a anulação geral também não seria neutra, ou seja, o resultado do Enem seria afetado e a lista de aprovados nos vários vestibulares sofreria várias alterações mais ou menos significativas”, argumentou Lima. (JCL 05/11/11) (25) Isso alterará a base de cálculos das notas dos alunos do colégio. Enquanto os demais candidatos terão 1000 pontos distribuídos nas 180 questões dos 2 dias de prova, os estudantes do Christus terão os mesmos 1000 pontos para 166 itens. (JCL 05/11/11)

Nesses exemplos, a concessiva tem a função de orientação da oração, uma informação necessária ao que é relatado a seguir, fornecendo uma moldura à informação.

Vejamos as ocorrências (14), (19) e (20), todas pospostas ao núcleo.

(14) O Inep informou que vai recorrer, apesar de não ter sido notificado ainda. (JCN 18/01/12)

(19) “O Mec pediu anulação para 639 sabendo que alunos do cursinho do colégio (320) tiveram acesso às questões. Por isso essa decisão é inexequível”. (JCL 05/11/11)

(20) Durante a tarde de ontem, O Povo tentou conversar com representantes do colégio Christus. No começo da tarde, a assessoria de imprensa foi contatada e prometeu retorno, o que não aconteceu. (JCL 29/10/11)

Em (14), o enunciador retoma o que acaba de asseverar, acrescentando um adendo à informação. Também em (20) a construção com valor concessivo, posposta, assemelha-se a um adendo, ou afterthougt, que constitui um mecanismo de acréscimo, de explicação por realce. Desse modo, constitui uma estratégia argumentativa. Para Neves (2000), a posposição tem muito de adendo, é a porção do enunciado em que o falante volta ao que acaba de dizer, pesando, à posteriori, a objeção à sua proposição.

Em (19), a construção concessiva apresenta uma avaliação em relação ao que vem expresso na oração nuclear. A construção é usada pelo enunciador (no caso o procurador do MPF) para inserir um comentário avaliativo. Na sua opinião, a decisão é inexequível exatamente porque o MEC sabia que os alunos do cursinho também tiveram acesso às questões. O aspecto avaliativo justifica a posposição da construção concessiva ao núcleo.

Identificamos no corpus construções com valor concessivo, pospostas e intercaladas,

funcionando como uma ressalva a um predicado da oração nuclear. É o que percebemos em (17) e em (21).

(17) A direção do Christus nega irregularidades. Segundo o colégio, as questões estavam no banco de dados da escola e podem ter sido inseridas ali por alunos que fizeram o pré-teste, sem a escola saber. (JCN 31/10/11)

(21) A jovem, que pediu para não ter o nome divulgado, afirma que recebeu “de forma banal” as quatro apostilas dias antes do Enem. “Todo dia a gente recebe vários materiais de várias matérias. Nos deram, mas não falaram pra gente fazer”, afirma. (JCL 31/10/11)

De acordo com Neves (1997), normalmente, as construções intercaladas contribuem para a topicalização da informação nuclear. É o que percebemos em (21).

Para Givón (1990), as construções antepostas e intercaladas exercem função de reorientação temática, geralmente marcando rupturas temáticas no discurso. Os efeitos da posição se inscrevem, portanto, no domínio pragmático-discursivo.

Com a análise aqui empreendida, percebemos que a forma como a relação concessiva se apresenta na notícia reflete a maneira como o enunciador planejou seu discurso no intuito de persuadir o interlocutor e atingir seu propósito comunicativo, escolhendo deixar mais ou menos evidente o seu ponto de vista. Isso demonstra que a escolha por expressar a concessividade de uma determinada forma é motivada por aspectos pragmático-discursivos.