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O fluxo de informação diz respeito à organização da frase. De acordo com a perspectiva funcionalista, a organização discursiva dispõe de mecanismos capazes de marcar a relevância relativa dos diferentes eventos e entidades que se seguem no discurso.

Nessa perspectiva, a forma como o falante ordena os elementos na frase revela a intenção dele no sentido de controlar o fluxo de atenção do ouvinte. Há uma ordem linear dos sintagmas nominais da frase, que é determinada pelo fluxo de informação. Essa sequência pode ser alterada de acordo com aquilo que o falante considera adequado para obter a atenção do ouvinte.

Considerando as especificidades do gênero notícia apontadas por Van Dijk (1992), para quem as estruturas temáticas no discurso noticioso têm uma estrutura de relevância, acreditamos que a forma como o enunciador desse gênero organiza a frase no sentido de dar relevo para determinadas informações, sobretudo ao expressar a concessividade, revela-se como um recurso argumentativo.

Para Travaglia (1999), relevo é o fenômeno usado pelo falante para dar destaque a determinados elementos do texto, ou para fazer um rebaixamento (ocultamento) de determinados elementos do texto em relação a outros. Segundo o autor,

No primeiro caso, temos o relevo positivo, pelo qual, dentro do desenvolvimento do tópico discursivo, os falantes fazem relevo de determinados conteúdos ou aspectos do que dizem (partes da sequência linguística), dando um destaque especial a certas entidades e informações ou a um conjunto de elementos do texto ou a um tipo de elemento dentro texto, que ficam então, de alguma forma, em um plano mais elevado que os demais elementos do texto (TRAVAGLIA, 1999, p. 78).

É esse tipo de relevo usado para dar destaque, denominado pelo autor “proeminência”, que nos interessa para a presente pesquisa.

De acordo com Travaglia26, o relevo pode se aplicar a elementos locais do texto, mas também poder ser mais abrangente e atingir determinado tipo de elemento em relação a outros. O autor salienta a dimensão interacional do relevo, visto que a organização do texto, que conduz a atenção do interlocutor, revela as avaliações feitas pelo enunciador, o que demonstra o caráter argumentativo do relevo.

O citado autor chama a atenção para o fato de o relevo, independente do tipo de recurso utilizado, ter sempre o caráter pragmático, visto que “resulta da interação entre os falantes numa dada situação de comunicação em que adquire um determinado valor e não outro em decorrência de sua função específica dentro de um texto específico usado como meio de interação em uma situação específica” (TRAVAGLIA27).

O autor apresenta o seguinte exemplo:

(30) ...porque a sociologia do direito por exemplo ela não estuda somente...ela estuda a lei mas NÃO somente a lei TAMBÉM a lei... em relação: ou em adequação com a própria realidade... social... então João... se... não é? Na próxima avaliação... eu pergunto... ou eu

AFIRMO... eu posso afirmar também... sociologia de direito é igual a sociologia... jurídica...

corre:to... ou errado... justifique sua resposta vamos supor...

Para o autor, ao dar relevo a NÃO e TAMBÉM, a professora marca que a lei é apenas uma das coisas estudadas pela sociologia do direito. Nesse caso temos um relevo de natureza ideacional/cognitiva com a função de reforço argumentativo. Já com a proeminência dada a AFIRMO, a professora parece querer marcar a alternativa de questão que lhe parece melhor elaboração para uma questão sobre o assunto em foco, ou seja, a proeminência indica aos alunos o que mais provavelmente ocorrerá. Nesse caso, AFIRMO contrasta com “pergunta”, o relevo, portanto, tem a função de marcar contraste.

       

26 Op. cit. 27 Id. p. 127

Essa perspectiva de relevo adotada pelo autor torna-se relevante para nossa pesquisa, já que pretendemos investigar como o enunciador usa as construções concessivas no sentido de conduzir a atenção do enunciatário para o ponto de vista defendido no texto.

Síntese do capítulo

Neste capítulo, intitulado O tratamento funcionalista dado à concessão, tratamos da contribuição dos postulados funcionalistas como aparato teórico-metodológico para o estudo que aqui se apresenta.

Na primeira seção, apresentamos as principais características da perspectiva funcional para o estudo da linguagem. Destacamos que, nesse enfoque, a expressão linguística é vista em seu contexto de uso, como um meio para que os usuários da língua se comuniquem de maneira eficiente. Nesse contexto, o falante, ao dizer algo, organiza suas expressões linguísticas visando provocar uma modificação na informação pragmática do destinatário.

Na segunda seção, vimos a proposta funcionalista para o estudo das construções concessivas. Salientamos os principais aspectos que diferenciam a visão funcionalista da visão tradicional, os quais trazem colaboração para este estudo, que visa integrar os aspectos sintáticos, semânticos e pragmáticos ao propósito comunicativo do enunciador da notícia no sentido desenvolver um discurso argumentativo.

Na terceira seção, salientamos a proposta de Decat (2001) para o estudo das construções concessivas. A autora propõe que a forma como o discurso é organizado reflete a intenção comunicativa do falante, por isso é importante, em uma análise funcionalista, verificar as funções textual-discursivas a que as hipotaxes adverbiais se prestam. Como vimos, o estudo realizado pela autora traz contribuições para esta pesquisa, que elegeu as funções textual-discursivas como categoria de análise.

Na quarta seção, apresentamos as reflexões de alguns autores sobre o valor semântico que emerge da articulação das orações. Vimos que as proposições relacionais estão relacionadas às inferências que emergem da combinação de orações. A partir dessas perspectivas, diversos autores apontam para a ideia de que a noção de concessão está próxima de outras noções, como oposição, adição, condição. Esse pressuposto é essencial para nossa pesquisa, já que consideramos que o enunciador da notícia evidencia o valor de concessão a partir de diferentes meios linguísticos e que essa forma de construir a concessão reflete uma estratégia argumentativa.

Na quinta seção, apresentamos a proposta de Travaglia (1999) para a consideração do papel argumentativo do relevo discursivo na construção do sentido do texto.

Os pressupostos funcionalistas apresentados neste capítulo mostram-se uma valorosa contribuição para o presente estudo, visto que possibilita uma análise que considere, de um modo integrado, os aspectos sintáticos, semânticos e pragmáticos associados à expressão da concessividade na construção da argumentação no gênero notícia.

Mostradas as propostas funcionalistas para o estudo dos fenômenos da língua, que embasam a nossa pesquisa, apresentaremos, a seguir, a perspectiva para o estudo da argumentação e a proposta de Plantin (1996 e 2008), na qual nos pautamos. 

4. POSTULADOS DA ARGUMENTAÇÃO

“Um discurso argumentativo [...] sempre se reporta a um contra-discurso efetivo ou virtual [...]. Defender uma tese ou uma conclusão implica sempre em defender outra contra-tese ou conclusão”. (Moeschler)

A concepção de argumentação tem passado por diversas transformações. Nesse sentido, reflexão sobre como os indivíduos constroem a argumentação num dado momento de interação tem sido tema bastante recorrente entre os linguistas. Um ponto que nos chama a atenção é a relevância que muitos estudiosos têm dado para a questão interacionista que envolve a atividade argumentativa.

Nessa perspectiva, a argumentação se inicia quando há a presunção de que existe uma posição que diverge da posição daquele que argumenta. Compreender a dinâmica comunicativa que ocorre numa argumentação, portanto, é considerar esse contexto de “tensão” entre discursos.

Neste capítulo, apresentamos a visão plantiniana de argumentação, na qual nos embasamos. Antes disso, façamos um breve percurso histórico dos estudos da argumentação.