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CAPÍTULO I – O Julgado de Panoias: enquadramento espacial e temporal

1.1. Aspetos da geografia física

A caracterização do espaço físico da região de Trás-os-Montes enquadra-se, numa primeira análise, no sentido expresso pelo próprio topónimo que remete, naturalmente, para uma área geográfica distante dos centros de administração territorial, localizados na região litoral do reino, e separada daqueles por sucessivas cristas montanhosas.

Neste sentido, a separação do viçoso “Minho dos vales”, dos grandes e austeros planaltos transmontanos, é feita por uma alta barreira montanhosa de que fazem parte as Serras do Alvão e do Marão. Trata-se de uma fronteira orográfica, mas também climática, em que se alicerça parte importante da distinção que se faz entre um Minho de feição atlântica e a continentalidade que se associa às regiões transmontanas. Isto porque as diferenças de relevo têm implicações diretas nas variações de clima. Assim, os contrastes

70 As próprias comissões das inquirições de 1258, foram organizadas em cinco alçadas, as quais foram organizadas segundo áreas

geográficas, divididas pelas linhas de água ou outros elementos naturais: 1ª Entre Cávado e Minho; 2ª Entre Douro e Ave; 3ª Ceia, Gouveia, bispado de Lamego e Viseu até ao Douro; 4ª Entre Douro e Tâmega, Bragança e seus termos; 5ª Entre Cávado e Ave, Terras de Barroso e Chaves.

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vigorosos que encontramos na retalhada região planáltica do nordeste português, têm implicações diretas na distribuição dos contrastes climáticos, uma vez que estes resultam, em parte, da própria repartição das massas montanhosas. Além disso, a proeminência da mencionada coluna montanhosa constitui uma barreira de condensação, que impede a transposição dos ventos húmidos vindos do Atlântico.

É nas faldas das Serras do Marão e Alvão, no interior da região norte e, portanto,

longe do mar, que se encontra o Julgado de Panoias. Este segmento regionalista72 está

limitado, grosso modo, a Este pelos rios Tinhela e Tua, a Sul pelo rio Douro, a Oeste pelas serras sobreditas e a Norte por um relevo acidentado, formado por sucessivas elevações naturais.

O relevo desta região é formado por um conjunto de altas plataformas onduladas, cortadas por vales e bacias muito profundas. Em toda a sua extensão, a morfologia do solo é bastante irregular, apresentando grandes e violentas variações ao nível da altitude. Nesta região de contrastes, a grandeza dos planaltos, demarcados por campos amarelos e cinzentos, despidos e imensos, revela-se através de uma paisagem austera e silenciosa. Pelo contrário, os vales que afluem ao Douro, providos por vezes de generosas bacias, exibem um manto vegetal, composto por matas de sobreiros, olivais, amendoeiras e outras árvores de fruto.

A longa solidão dos campos, limpos de arvoredo, denuncia também a existência de solos pobres, constituídos sobretudo por xistos-argilosos e por algumas zonas graníticas.

As referências à propriedade agrária nas inquirições de 1258, indicam a sua localização ou demarcação em sucessivos montes e vales. São mencionados os vales de

Gadim, Zenra, Lagẽa, Guyam, Sudel, Egoa, Cheeyras, Corredoyra, Greta e de Arroios e

os montes de Lauados, Valezelhos, Soyro, Ala, Crasto, Frexeo, Vilares, Cavelo, Coedo,

Coto, Fexotães e da Azinheira.

Como vimos, o clima desta região é influenciado pelo relevo, altitude e pelo rio Douro, apresentando variações atmosféricas acentuadas. Trata-se de um clima mediterrânico com influência continental, mais agreste e frio nas áreas planálticas e mais quente nas áreas profundas encaixadas do Douro. As Serras do Alvão e do Marão constituem, ainda, uma importante proteção natural para os terrenos de maior altitude, mas impedem, igualmente, a passagem de correntes húmidas, contribuindo para que o clima da região seja muito mais seco.

72 Este estudo foi feito com base nas seguintes obras: FERNANDES, JULIÃO; OLIVEIRA, 2008; CARTA MILITAR DE

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Mapa 2. Rede hidrográfica do Julgado de Panoias – Inq.

Nota: Atendendo às particularidades deste mapa e à necessidade de mostrar a distribuição dos pequenos rios e riachos que fluem por toda a região decidimos alargar a rede hidrográfica.

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Devido às diferenças de altitude e climáticas, esta região está inserida numa zona de transição da região transmontana, dividida entre a Terra Quente e a Terra Fria. Esta

denominação de uso popular73 distingue a malha planáltica de altitude média, onde o

clima é rude e contrastado, com inverno frio e longo e um estio muito quente; dos vales profundos, encaixados algumas centenas de metros no planalto, onde o Inverno é mais moderado, pelo abrigo das altas vertentes e o Verão dispõe de dias tórridos que sucedem a noites abafadas.

A atuação do clima com sua influência no ambiente físico comanda as atuações erosivas na formação do relevo, agindo na modelagem das formas paisagísticas do ambiente. Neste sentido, por sofrerem da ação dos agentes erosivos, as vertentes de inclinação irregular que recortam a paisagem e ladeiam os vales, deram origem a

formações rochosas características, denominadas de penhas ou fragas74, as quais

despertaram já a atenção dos habitantes de Panoias, da centúria de duzentos e que encontram a sua expressão na descrição da paisagem que delimita a propriedade agrária, historiada nas inquirições. Assim, sobre um reguengo que está na posse da igreja de Mouçós, os seus termos referem a Pala da Gaija e sobre os limites de Roçadas (em Outeiro), que era do rei, cita-se a Pedra das Porqueiras. Os termos de Cativelos mencionam a cabeça do Lobeteos, a cabeça da Carvalha da Cruz, a cabeça da murada e a existência de mamoas. Os termos de Ceydes fazem alusão ao Cabeço do Cordo dos

Leyróoz e à cabeça de Lamares. Em Valzelhos, os homens de Vilar de Maçada “filharam

muita herdade”, sendo referidos nos seus termos a pala da cabeça da Seixosa, a “cabeça sobre la seãra do Couçedo”, a Pala de Sanguinheiro e a cabeça da Relva.

Um outro aspeto a ter em conta no estudo do território é a sua rede hidrográfica. A água, indissociável da vida, faz parte da paisagem natural e direciona as atividades humanas, sobretudo num tempo em que a economia é essencialmente agrícola. A área que nos ocupa está limitada a Sul pelo rio Douro, o qual representou, e representa ainda hoje, uma extraordinária fonte de riqueza para a região, ao permitir, por um lado, a exploração dos seus recursos naturais e, por outro, o transporte de pessoas e bens.

Os recursos hídricos da região fluem através de uma sequência de pequenos e

médios ribeiros, pequenos e médios rios até desaguarem no grande rio Douro75, o qual

tem como principais afluentes os rios Tua, Pinhão, Corgo, Ceira e Teixeira. Por sua vez, o

73 RIBEIRO, 1991, pp.1248-1249. 74 RIBEIRO, 1988, p.479. 75 Veja-se o mapa 2.

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rio Tinhela é afluente do rio Tua; os rios Cabril, Sordo e Tanha e as ribeiras de Codessais e Tourinhas vão desaguar no rio Corgo; o ribeiro do Fontão desagua no rio Pinhão.

No que respeita ao aspeto morfológico dos rios ao longo do seu trajeto e tendo em conta que estes correm em vales profundos, entalhados em planaltos irregulares, são de assinalar variações de declive no perfil longitudinal, quebras acentuadas e a existência de desníveis e de margens pedregosas.

As memórias paroquiais de 175876 traçam um retrato bastante preciso do território,

descrevendo com grande detalhe a localização geográfica das paróquias, bem como as características da paisagem circundante. No que respeita aos recursos hídricos existentes no espaço que nos ocupa, dão-nos a conhecer que Alijó “hé terra bem abastada de fontes

de agoa para o gasto dos moradores e de correntes para as regas dos campos”77, havendo

também bastantes fontes em toda a freguesia de Vilar de Maçada e, em Lordelo, “mais de cincoenta fontes, todas de esselentes agoas”. Por toda a região fluem pequenos regatos e ribeiros, mas muitos não correm todo o ano ou, apenas, correm no Inverno, acompanhando a estação das chuvas. Outras referências descrevem os rios que serpenteiam a região, os quais se tornam mais caudalosos à medida que caminham para a

foz. Do rio Pinhão78 diz-se que “corre por terras ásperas e fragosas”, vindo “despinhado e

com cursso arrebatado”. O rio Corgo79

também corre entre penhascos e montes,

apresentando-se muito fragoso e com muitos açudes. O rio Tua80, o qual incorpora o

Tinhela, corre arrebatado e as suas “margens são infrutíferas pello dispinhado de sua carreira e fragozos lugares por donde caminha”.

Apesar de parcelares, as informações contidas nas inquirições de 1258 sobre a rede hidrográfica da região são bastante claras. Os termos de uma freguesia e os limites da propriedade agrária são, frequentemente, constituídos por uma linha de água, havendo um terreno e uma Almoinha, em Paços, localizados “entre ambas as águas do ribeiro”. Assim, além dos rios Douro, Tua e Pinhão, são numerosas as alusões aos pequenos cursos de água que, por serem de pequena dimensão, a sua designação aparece ligada às localidades por onde correm. São referidas as águas das Lazeijras, Riba Forãa, Caramaes, Pinhonçel,

76 O lançamento do inquérito de 1758 e a recolha das respostas que compuseram as Memórias Paroquiais de 1758 significam uma

realização notável do Estado e da Administração Pública, tendo-se efetuado um estudo minucioso e pormenorizado do território. Os inquéritos a que os párocos tinham de responder estavam divididos em três partes e procuravam obter informações sobre a povoação, sobre as serras e rios da sua área.

77 CAPELA, MATOS, BORRALHEIRO, 2006, pp.136,159,553. 78 CAPELA, MATOS, BORRALHEIRO, 2006, pp.140,532. 79 CAPELA, MATOS, BORRALHEIRO, 2006, p.546. 80 CAPELA, MATOS, BORRALHEIRO, 2006, pp.145,150.

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Perafita, Cativelos e de Riba de Azara. Do mesmo modo, sucedem as fontes de Asperõ, Comaraes, Elmo, Garcia, Cardo, Proviça, Pia e a fonte que chamam de Cima da Relva.

O estudo dos fatores de ordem física, relativos ao nosso quadro espacial, permite concluir que a população soube adaptar-se bem às condições agrestes e pouco atrativas da região, inicialmente nas encostas abrigadas do Douro, mas que, progressivamente se estenderam à vasta região transmontana.