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CAPÍTULO III – O Julgado de Panoias: foros e rendas

3.2. Serviços e outras imposições

Além dos pagamentos em géneros, os foros ou rendas que os camponeses deviam pagar pela ocupação das terras abrangiam igualmente a prestação de serviços. Os impostos mais generalizados a que os colonos da região de Panoias estavam obrigados são a voz, coima, fossadeira, lutuosa, pedida e vodo.

789 “… ir a tresviscada jª. vez no ano …". PMH, Inq., pp.1216, c.2; 1220, c.1. 790 "… hija a troviscada do senhor da terra...". PMH, Inq., p.1231, c.1e2. 791 PMH, Inq., p.1238, c.1.

792 Sobre a vila de Bostelo diz-se que “foij foreijra de El Reij de correr com ele o Monte ou cõ o Ricomẽ que hi morasse ata

Penaguijam e pectavã voz e comba". PMH, Inq., p.1211, c.2

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Voz e coima ou calúnia794 eram multas criminais, que correspondiam a um

pagamento fixo anual, que visava a repressão de determinadas infrações, como roubos, rapto de mulheres e todo o tipo de destruições praticadas na época. Tratava-se de um rendimento significativo para o rei, uma vez que era aplicado sobre a maioria da população, incidindo mesmo sobre todos os habitantes de uma determinada localidade.

Nas inquirições que nos ocupam é dito que das vilas de Alvites795, Barreiro796, Bostelo797,

Paradela e Ribeira798, Tuisendes e Arravães799, Louredo800, Sesmires801, Parada802 e

Outeiro803 "pectavam voz e coomba".

A fossadeira era uma “multa aplicada aos indivíduos que não cumpriam a sua

obrigação de acudir ao fossado”804

, sendo paga, como vimos, normalmente, num determinado número de varas de tela de linho grosseiro, ou em “bragais”. Esta imposição aplicava-se naturalmente a uma grande parte da população das terras além Marão, devido à sua localização geográfica e à permanente necessidade de defender a linha de fronteira.

Outro tributo obrigatório a pagar ao rei era a lutuosa e recaía sobre os familiares de alguns proprietários e colonos, quando estes morriam. No julgado em estudo são várias

as referências805 a esta contribuição, sendo notória a sua vulgarização. Seria aplicada a

toda a população vilã, pois é dito que da Vila de Outeiro806 e de Vila Seca807 davam

"luitosa".

A pedida era um pagamento feito ao porteiro ou mordomo ou ao cobrador dos foros808 e

correspondia à licença dada aos colonos para fazerem alguns serviços como vindimar, segar e malhar os cereais, entre outros. A pedida faz parte dos foros a pagar por muitos colonos de Panoias, por vezes, sob a forma de numerário. De um casal de Sanfins devem

dar "… vj dinheiros de pedida..."809, de uma fogueira de Cravelas e de três casais de

Sabrosa "… davã xviij. dinheiros de pedida"810. No entanto, a maioria dos foros não

794 SERRÃO, Vol.VI, p.343. 795 PMH, Inq., p.1211, c.2. 796 PMH, Inq., p.1211, c.2. 797 PMH, Inq., p.1211, c.2. 798 PMH, Inq., p.1211, c.2. 799 PMH, Inq., pp.1211, c.2; 1212, c.2. 800 PMH, Inq., p.1212, c.1. 801 PMH, Inq., p.1214, c.2. 802 PMH, Inq., p.1226, c.1. 803 PMH, Inq., p.1230, c.1. 804 SERRÃO, Vol.III, pp.61,62.

805 Davam “luitosa” de uma herdade foreira em Outeiro. PMH, Inq., p.1217, c.2; de um casal foreiro em Abambres. PMH, Inq., p.1218,

c.2; de um casal em Vila Nova. PMH, Inq., p.1226, c.1; de uma fogueira em Cravelas. PMH, Inq., p.1229, c.2; de uma quintã em Vale de Nogueiras. PMH, Inq., p.1235, c.1; de uma herdade em Abaças. PMH, Inq., p.1240, c.2; de um casal em Quintela. PMH, Inq., p. 1264, c.1. 806 PMH, Inq., p.1230, c.1. 807 PMH, Inq., p.1242, c.2. 808 VITERBO, 1965-1966, p.208. 809 PMH, Inq., p.1231, c.1e2. 810 PMH, Inq., pp.1225, c.1; 1232, c.2.

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quantifica este tributo, mas indicam a sua vasta abrangência ao destinar-se a todos os

colonos de uma comunidade, como nas vilas de Adoufe811, Parada812 e Outeiro813.

Outro tributo a que os foreiros estariam obrigados a pagar era o “vodo”814

. De uma

herdade em Abaças deviam dar "por vodo j. dinheiro"815.

No que respeita à prestação de serviços, alguns colonos estavam obrigados por foro ao desempenho das funções de “moordomo”, “serviçal”, “guardar os presos de foro”, “guardava o gado”, “ir en oste”, “ir en Messagẽ de El Rej”, “ir a troviscada”, “ir velar o castelo” e “correr o monte”. Tinham, igualmente, de dar almeitiga, pousa, vida ou ração ao mordomo, porteiro e/ou rico-homem (Mapa 8).

Cabia ao mordomo do rei a tarefa de receber e colocar a bom resguardo as rendas do soberano. Este cargo era normalmente desempenhado por um membro da comunidade local, que, durante o ano, ia por todas as eiras, lagares e pomares medir cuidadosamente todas as produções e arrecadar as partes que lhe estavam destinadas. Tratava-se de uma função que acarretava alguns riscos, como agressões e morte, além da possibilidade de os mordomos perderem as terras que possuíam, ou usufruíam, face à impossibilidade de cobrarem integralmente os direitos régios de que eram responsáveis. As inquirições dão- nos conta do desrespeito e violência exercidos sobre estes oficiais, sobretudo pelos senhores privilegiados, que impediam a entrada do mordomo régio dentro de parcelas anexas às suas honras, adquiridas, muitas vezes, por mera usurpação dos direitos régios ou por pressões senhoriais sobre os pequenos proprietários alodiais. Na vila de Louredo

Dõ Vasco Mendez tolheu ende o mordomo”816

; em 3 casais de Soverosa, João Gomes do

Vinhal “disse ao moordomo que nõ pousasse hij”817

e “tolheu o moordomo”; numa vinha

do mosteiro de Caramos disseram ao mordomo “nõ mj vaades medir esse pã”818; em Vila

Marim “Dõ Vasco Mendez” tolheu duas quintas e “feriu hy o moordomo porque os foij

sacar [ferros de fogo] e des entõ nunca derõ esses fferros al Reij”819; na vila de Sesmires

D. Martim Gil “tolheu ende o moordomo (…) que nõ andasse hy moordomando”820

; em Mouçós “Martim Pirez prendeu hj o moordomo d El Rej e pendorou o pelos braços per

811 "… toda essa vila de Adouffe (…) pedida …". PMH, Inq., p.1216, c.1. 812 "…toda a vila de Parada soija dar (…) pedida…". PMH, Inq., p.1226, c.1. 813

"… davã (…) pedida …". PMH, Inq., p.1230, c.1. Além das situações já mencionadas, a pedida fazia parte dos foros de um casal em Escariz. PMH, Inq., p.1216, c.2; um casal em Mateus. PMH, Inq., pp.1218, c.2; 1219, c.1; um casal em Sabrosa. PMH, Inq., p.1219, c.2.

814 O tributo do vodo parece estar relacionado com a realização de um banquete ou boda. VITERBO, 1965-1966, pp.273-274. 815 PMH, Inq., p.1241, c.1. 816 PMH, Inq., p.1212, c.2. 817 PMH, Inq., p.1226, c.2. 818 PMH, Inq., p.1213, c.2. 819 PMH, Inq., p.1213, c.2. 820 PMH, Inq., p.1214, c.2.

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que demandava os derectos d El Rei821. Além destes constrangimentos, a função de

mordomo devia ser pouco atrativa, pois só assim se compreende a alienação dos casais ou fogueiras, cujos detentores deviam ser mordomos de foro. É o que acontece com um casal

em Sabrosa822, pertencente à Ordem do Templo; uma fogueira em Cravelas823, que têm os

cavaleiros; um casal em Vila Nova, propriedade da igreja dessa freguesia, que, entre

outros tributo, “ o homẽ que y morasse que devia a sseer moordomo de foro"824.

A cobrança dos foros devidos ao rei obrigava, por vezes, os mordomos a percorrerem grandes distâncias, o que dificultava o transporte e aprovisionamento das rendas para os celeiros régios. Para atenuar o peso e a delonga de tais tarefas alguns foreiros deviam cumprir a função de serviçal, que consistia na guarda das serviçarias da coroa, localizadas nos respetivos casais. Função comparável teriam os presseiros, os quais deviam proceder à recolha e guarda do gado da coroa proveniente das rendas, dos tributos

e das penhoras825. As inquirições do Julgado de Panoias informam que uma herdade em

Adoufe826 e um casal em Vila Seca827 "deve seer do serviçal". Num casal que a igreja de

Arroios tem em Gradim828, era foreiro do rei e guardavam “o gaado que o moordomo hi

metesse”. Em Abambres829 e em S. Lourenço830 de Riba Pinhão tinha o rei casais onde

deviam " guardar os presos de foro".

Era sobre o povo que recaíam também o alojamento e alimentação dos senhores e oficiais régios, sempre que o exercício das suas funções obrigava a deslocações. Assim os mordomos régios quando se deslocavam pelas terras do seu mordomado, no desempenho das funções que lhes competiam, tinham o direito de receber alimento e pousada à custa

dos foreiros. Em Panoias são frequentes as vilas831, casais ou herdades onde "o

moordomo pousava e (…) davanlhi vida"832. No lugar da Eira833, em Louredo, e na

herdade que o mosteiro de Pombeiro tinha em Mondrões834 "pousava hj o ricomẽ"; de três

casais em Mateus835 "davam (…) vida ao porteiro cada ano j. vez se talhasse carne pera

821 PMH, Inq., p.1224, c.1. 822 PMH, Inq., p.1219, c.2. 823 PMH, Inq., p.1229, c.2. 824 PMH, Inq., p.1226, c.1. 825 SERRÃO, MARQUES, 1996, pp.464-475. 826 PMH, Inq., p.1216, c.2. 827 PMH, Inq., p.1216, c.2. 828 PMH, Inq., p.1232, c.2.

829 “… avia El Rey j. casal de guardar os presos de foro ". PMH, Inq., p.1214, c.1. 830 "… era foreiro d El Rej de guardar os presos…". PMH, Inq., p.1247, c.1.

831 Nas vilas de Alvites, Barreiro e em sete casais da vila de Louredo, devia "pousar o moordomo e davan lhis vida cada j ano iij

vezes". PMH, Inq., pp.1211, c.1e2; 1212, c.1. Das vilas de Paradela, Ribeira, Adoufe, Parada, Outeiro e Poiares davam “vida ao moordomo", uma ou três vezes no ano. PMH, Inq., pp.1211, c.2; 1216, c.1; 1226, c.1; 1230, c.1; 1230, c.2; 1242, c.2.

832 PMH, Inq., p.1260, c.2. 833 PMH, Inq., p.1211, c.1. 834 PMH, Inq., p.1228, c.1.

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vender” e "j. almeitiga ao mordomo”. Estas obrigações tornavam-se muito dispendiosas caso os senhores ou oficiais régios se fizessem acompanhar por um número significativo de pessoas.

Outro serviço a prestar ao rei ou ao senhor da terra era a introviscada, a obrigação de levar o trovisco, ou o trovisco e merenda, uma vez por ano, quando aqueles se entregavam à pesca fluvial. Eram muitos os colonos da região que estavam obrigados a

“ir a troviscada”, nomeadamente os localizados nas proximidades dos rios Corgo836

e

Pinhão837, o que revela a abundância de peixe nesta região.

Podiam também ser chamados a acompanhar rei ou rico-homem sempre que estes se dedicassem à atividade cinegética. Nas inquirições esta função é designada pela

expressão “correr monte” e era atribuída sobretudo a habitantes serranos838

, conhecedores da região e dos talentos ligados à caça grossa, muito em voga na época. Da vila de Bostelo sabemos que "foij foreijra de El Reij de correr com ele o Monte ou cõ o Ricomẽ

que hi morasse ata Penaguijam"839.

O serviço de anúduva, trabalhos a executar na construção e reparação de uma

fortaleza840, abrangia um grande número de indivíduos e de “todas os grupos sociais”,

pois a conservação das estruturas defensivas representava a segurança de toda a população. Os castelos e fortalezas medievais, de espessas muralhas, torre de menagem e outras estruturas obrigavam a exigentes e pesados cuidados de manutenção, de caráter

periódico, uma vez por ano841 ou apenas quando fossem necessárias obras de maior vulto.

Em 1258 o castelo de Penaguião acusava já um adiantado estado de degradação, obrigando à intervenção massiva e sistemática dos homens de Feolhães que “soijan a yr velar o castelo de Penaguijam viij. dias de cada mês”. No entanto, os “homẽes de Foolhaes com o poboo desse castelo oueerosse cõ Dõ E. Martjnz quando tinha essa terra e

derribarono”842

. É dito ainda que o morador de um casal em Arroios "deve a ir a fazer no

Castelo de San Christovõo ca esse quandoo chamassen"843.

836

É referido este serviço em Escariz, Outeiro, Arroios e Folhadela. PMH, Inq., pp.1216, c.2; 1220, c.1; 1226, c.1; 1230, c.1.

837 "…toda a vila de Parada soija dar vida ao moordomo e pedida e ir a troviscada…". PMH, Inq., p.1226, c.1.

838 Nas zonas serranas vivia-se de uma bem magra agricultura e os homens tinham de se voltar para as florestas em busca de muitos

recursos alimentares e outros. A caça, especialmente as espécies de grande porte, não escapa às contribuições dos senhores e do rei, para quem eram reservadas as melhores partes. IRIA GONÇALVES, pp.51-60.

839 PMH, Inq., p.1211, c.2. 840 SERRÃO, Vol.I, p.161.

841 De um casal de Ascariz deviam " ir fazer no castelo iij dias de cada ano”. PMH, Inq., p.1216, c.2. 842 PMH, Inq., p.1212, c.1.

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Os camponeses podiam também ser chamados a desempenhar tarefas no âmbito

de uma participação no fossado844, de integração na hoste ou de ser mensageiro do rei.

Embora a obrigação de prestar serviço de fossado recaísse sobre poucas freguesias, ir ao

“enfossado”845

era uma das imposições a que estavam obrigados os foreiros de um casal

de Vila Nova. A incorporação na hoste régia846 era, por certo, o mais importante serviço

de guerra a que os colonos eram chamados a prestar e, apesar de esta região estar afastada da linha de fronteira, o habitante de um casal de S. Lourenço de Riba Pinhão deviam "ir

en oste e (…) ir en Messagẽ de El Rej"847. Tal como a integração na hoste, ser arauto do

rei constituía um cargo de grande importância na sociedade da época, pois cabia-lhe a divulgação junto do povo das notícias e comunicações vindas do soberano.