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Em Portugal, o primeiro Código do Trabalho a contemplar a figura jurídica do assédio moral foi o CT de 2003, aprovado com a Lei 99/2003, de 27 de Agosto. O assédio moral passa a constar no art. 24.º do referido Código. Atualmente, a Lei 7/2009, de 12 de Fevereiro introduz algumas alterações ao CT e o assédio moral passa a ser regulado no art. 29.º do CT171. Esta matéria já tinha sido alvo de atenção em 2000 no Projeto de Lei n,º 252/VIII172 (não aprovado) e, ainda, em momento anterior pelo Grupo Parlamentar do Partido Comunista.

Todavia, este “vazio legislativo” não significava que quer a doutrina quer a jurisprudência fossem alheias à existência do assédio moral. O tratamento desta matéria era unicamente feito de outra forma, antes da consagração expressa. O Código Civil afigurava- se como um dos recursos, dado que nos seus artigos 70 a 81 já consagrava os direitos de personalidade, cujo desrespeito acarreta responsabilidade civil extracontratual por violação de direitos absolutos. A Constituição da República Portuguesa seria outro recurso, na medida em que previa a tutela de bens jurídicos essenciais passíveis de violação pelo assediador, como, p. ex., o direito à integridade pessoal (art.25.º), o princípio da igualdade (art.º 13), a segurança no emprego (art.º 53), etc. Estas disposições não inviabilizam a necessidade de serem conciliadas com as Subsecções II e III dedicadas aos “direitos de personalidade” e à “igualdade e não discriminação”, respetivamente.

Aquando da consagração do assédio moral em 2003, Luis Gonçalves da Silva expressou a sua opinião sobre a medida dizendo que “existe a partir de agora uma definição expressa de assédio moral e que pode vir a beneficiar os trabalhadores nesta situação. Pelo

171 As referências a artigos sem menção expressa do respetivo diploma dizem respeito ao Código do

Trabalho.

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Este Projeto foi apresentado por um grupo de deputados socialistas e intitulava-se “Protecção laboral contra o terrorismo psicológico ou assédio moral”.

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menos, podem sentir-se mais apoiados para denunciarem estes casos”173. A verdade é que várias vozes aplaudiram esta consagração expressa no direito do trabalho, pois permitiria clarificar a sua aplicação nas relações laborais. Contudo, analisada mais profundamente, a contemplação do assédio moral no CT fica aquém das expectativas. Vejamos os prós e contras do art. 24.º, atual art. 29.º que poucas modificações sofreram na sua essência.

6.1 Assédio moral: o art. 29.º, n.º 1 do Código do Trabalho

Desde logo, a epígrafe “Assédio” no art. 29.º parece denotar a consciência legislativa para a polémica em redor da designação de assédio moral e expressa ainda uma não tomada de posição em relação ao melhor termo para designar o fenómeno.

O assédio surge ainda no CT com a necessidade de recurso a uma cláusula geral e como tal está nas mãos da jurisprudência e da doutrina o seu preenchimento casuístico. Neste aspeto, dado que estamos perante uma natureza plurifacetada de comportamentos que podem constituir assédio moral, a opção do legislador parece ser correta.

Por outro lado, a recente inclusão da expressão “nomeadamente” no n.º 1 da atual norma não parece ser a opção mais feliz. Embora em certos casos o assédio engloba atos discriminatórios, a verdade é que em bom rigor os conceitos de assédio e discriminação são distintos174. Como podemos ver acima, no ponto 5.9, por vezes utiliza-se uma conduta discriminatória para atingir um fim típico dos vis objetivos do assédio moral, e assim, por momentos, as vertentes discriminatória e moral misturam-se originando o assédio moral discriminatório. Estudos científicos, realizados no âmbito da psicologia laboral, comprovam porém que nem sempre que existe assédio moral este se encontra ligado à discriminação175. Expressamos por isso já a opinião que seria útil para toda a comunidade uma separação das vertentes assediadoras.

A inserção do assédio moral na Subsecção II, ainda que atualmente em Divisão autónoma no Código constitui uma falta de autonomia e de clareza em torno da figura em

173 Jornal Expresso – “Assédio moral no local de trabalho”, 8 de Março de 2003, p. 6. 174

V. MAGO GRACIANO DE ROCHA PACHECO – op. cit., p. 208. 175M

65 análise. O art. 24.º de 2003 dava a entender pelo seu conteúdo no n.º 1 que o que estava em causa era o assédio discriminatório e que as outras variantes de assédio moral estavam excluídas. Todavia, a posição redutora do legislador parecia ir ao encontro da Diretiva 2000/43/CE do Conselho, de 29 de Junho de 2000, que no seu art. 3, n.º 2 dá liberdade aos estados-membros para definirem internamente o conceito de assédio moral. Tomando em consideração o art. 18.º do C.T de 2003 que reconhecia o direito à integridade física e moral, atual art. 15.º, não parecia correto o art.º 24 ser interpretado restritivamente, isto é excluindo outras formas de assédio. Atualmente, o art. do assédio é o 29.º que no seu n.º 1 diz que “entende-se por assédio o comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em factos de discriminação (…)”. O nosso legislador parece inclinado para a vertente discriminatória que o assédio pode ou não comportar. Porém, mais claramente o assédio discriminatório parece ser “apenas” mais uma das modalidades de assédio, sendo que o n.º 2 da mesma norma faz referência ao assédio sexual em separado.

No que se refere aos elementos objetivos o art. 29.º, tal como o seu antecessor nesta matéria, não faz qualquer referência à necessidade de se exigir a continuidade ou reiteração da conduta. Interpretado à letra, esta norma parece permitir que um único ato basta para se verificar o assédio. A questão que se coloca é, desde logo, a de saber se o legislador português caminha num sentido diferente dos legisladores de outros países. O que parece é que o legislador não quis colocar entraves ao que se qualifica como assédio, preferindo acentuar a “degradação do estatuto e das condições de trabalho do visado”176

. É isto que parece resultar da parte final do art. 29.º. No art. 24.º do C.T de 2003 o legislador incluía a expressão “todo o comportamento”, atualmente o C.T em vigor retira o vocábulo “todo”, parecendo dar-se enfoque que para assédio moral basta um comportamento de gravidade extrema177.

Quanto aos elementos subjetivos, intencionalidade ou finalidade do assédio, o legislador teve em consideração a dificuldade de produção de prova para este fenómeno e, como tal, o art. 29.º refere “ (...) com o objetivo ou o efeito (…)”. O art.29.º exige assim uma finalidade por parte do assediador, mas permite que, em alternativa, a verificação do

176

Cfr. RITA GARCIA PEREIRA – op. cit., p. 199. 177 R

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assédio se dê pelo resultado. O legislador teve em conta, e diga-se muito bem, ambas as hipóteses, tidas como alternativas e não como cumulativas178. Quanto à intencionalidade do assediador, fazer prova dela é tão difícil por parte do assediado que poderia aqui aplicar-se a regra in dubio pro operario de forma a proteger a parte mais frágil da relação e para que o assediador tivesse noção que as suas táticas subtis e ardilosas têm de ser justificadas legalmente.

O art. 29.º prevê as consequências para a prática de assédio. Assim, quem violar o disposto no referido artigo incorre em contraordenação muito grave. Por sua vez, o art. 554.º no seu n.º 4 prevê os limites mínimos e máximos para as coimas de contraordenações muito graves, que variam consoante o volume de negócios da empresa e a existência de dolo ou mera culpa. E, adicionalmente, tendo em conta o n.º 3 do art. 29.º que manda aplicar o art. 28.º poderá haver direito a indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais. O Código Penal pode ainda atuar indiretamente se algumas práticas do assediador se consubstanciem também ilícitos penais como, p. ex., a injúria ou difamação, a ofensa à integridade física, ameaça, coação, etc.

Negativamente o CT português não abarca a existência de procedimentos cautelares específicos para estes casos que por vezes se revelam tão necessários em situações mais graves.