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A consagração expressa do assédio sexual no local de trabalho no nosso ordenamento jurídico faz-se, mutatis mutandis, em 2003, tal como aconteceu com o assédio moral. A Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, aprova o Código do Trabalho de 2003 e com ele a positivação da figura do assédio, há muito conhecida na realidade prática do mundo do

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Este entendimento é partilhado por MagoGRACIANO DE ROCHA PACHECO – op. cit., pp. 214-218.

V. também GUILHERME MACHADO GRAY,LUIS GONÇALVES DA SILVA,PEDRO ROMANO MARTINEZ,JOANA

VASCONCELOS, LUIS MIGUEL MONTEIRO E PEDRO MADEIRA DE BRITO – Código do Trabalho anotado,

Almedina, 2004, 2.ª edição revista, reimpressão, p.113. RITA GARCIA PEREIRA – op. cit., p. 200, sendo que

esta A. é contra o preenchimento cumulativo dos elementos mas entendeu que a lei exigia o preenchimento cumulativo dos requisitos.

67 trabalho. Até então a questão do assédio sexual era leviana e vagamente tratada na legislação portuguesa, por não existir uma referência direta à figura em apreço.

Antes da aprovação do Código do Trabalho de 2003 recorria-se, no direito interno, ao DL n.º 49 408, de 24 de Novembro, de 1969 (LCT). O art. 19.º da LCT tinha como epígrafe “Deveres da entidade patronal”, sendo que a alínea c) consagrava o dever de proporcionar aos trabalhadores boas condições de trabalho, tanto do ponto de vista físico como moral. O art. 40.º dispunha ainda que o trabalho devia ser organizado e executado em condições de disciplina, segurança, higiene e moralidade e que a entidade patronal devia aplicar sanções quando alguém criasse ou provocasse a desmoralização dos companheiros, em especial, das mulheres e menores. Deste modo, parecia haver uma consciencialização na época, ainda que modesta, do problema e do público-alvo mais frágil.

Ainda a nível interno a nossa CRP prevê no art. 13.º que todos os cidadãos têm a mesma dignidade e são iguais perante a lei (princípio da igualdade).

O Código Civil também prevê a responsabilidade civil por lesão dos direitos de personalidade no art. 70.º.

O Código Penal, art. 163.º, prevê como crime a coação sexual.

As normas do direito comunitário e internacional também ajudavam no preenchimento desta lacuna. A Diretiva do Conselho 76/207/CEE, de 9 de Fevereiro de 1976, posteriormente alterada pela Diretiva 2002/73/CE, de 23 de Setembro de 2002, passa a definir o assédio sexual no seu art. 2, n.º 2179. Esta Diretiva seria posteriormente transposta para a ordem jurídica interna pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto. Porém, a redação dada ao art. 24, n.º 3 não englobaria a expressão “assédio sexual”, nem a outra modalidade de assédio relacionado com o sexo da pessoa, ficando o texto do mesmo aquém do da Diretiva. Também a Carta Social Europeia no seu art. 26.º previa o direito à dignidade no local de trabalho, que incluía o assédio sexual.

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“Para efeitos da presente diretiva, aplicam-se as seguintes definições: (..) assédio: sempre que ocorrer um comportamento indesejado, relacionado com o sexo de uma dada pessoa, com o objetivo ou o efeito de violar a dignidade da pessoa e de criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou ofensivo; assédio sexual: sempre que ocorrer um comportamento indesejado de carácter sexual, sob forma verbal, não-verbal ou física, com o objetivo ou o efeito de violar a dignidade da pessoa, em particular pela criação de um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou ofensivo”.

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O Código do Trabalho de 2003 referia-se ao assédio sexual no seu art. 24, n.º 3, mas é com a Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, que aprova a revisão do Código do Trabalho até lá existente, que o assédio sexual passa a ser mencionado explicitamente como assédio sexual no art. 29, n.º 2.

Hodiernamente, e apesar das alterações que o Código do Trabalho sofreu, a norma do assédio sexual permanece sem alterações.

7.1 Assédio sexual: art. 29.º n.º 2 do Código do Trabalho

O assédio sexual encontra-se previsto e regulado no art. 29.º, n.º2. Desde já apontamos críticas pela não autonomização da figura numa norma própria, encontrando-se a mesma num número de um artigo. Artigo esse que além de não contemplar as várias modalidades de assédio moral, ainda se “atreve” a introduzir também o assédio sexual. É caso para dizer que “quem muito quer nada tem”, ou seja, a tentativa do legislador em compactar duas realidades, tão próximas e tão distintas ao mesmo tempo, teve como consequência negativa que nem o assédio moral nem o assédio sexual foram devidamente especificados.

Se por um lado o uso da expressão “discriminação” no n.º 1 do art. 29.º não colheu como a mais correta das opções, por outro lado no caso do assédio sexual “o género é o primeiro e mais importante fator de escolha e de determinação do assediado pelo assediador”180

, salvo raras exceções. A Diretiva 2002/73/CE, de 23 de Setembro de 2002, esclarece no seu art. 2.º, n.º 3 que “ o assédio e o assédio sexual, na aceção presente da diretiva são considerados discriminação em razão do sexo e são, portanto, proibidos”. Assim poderia haver no nosso Código referências acerca da qualificação do assédio enquanto discriminação sexual.

A nossa norma também não refere, negativamente, no assédio sexual, que a discriminação ocorre não só no local de trabalho como também no acesso ao emprego, ao trabalho ou à formação profissional. A Diretiva 2002/73/CE ressalva esse aspeto no seu considerando 8: “O assédio relacionado com o sexo e o assédio sexual são contrários ao

180 Cfr. I

69 princípio da igualdade de tratamento entre mulheres e homens. É por conseguinte conveniente definir estes conceitos e proibir estas formas de discriminação. Para o efeito, deve ser realçado que estas formas de discriminação ocorrem não só no local de trabalho, mas também no contexto do acesso ao emprego e à formação profissional, e durante o emprego e a atividade profissional”.

A referência ao “comportamento indesejado” é, no nosso entender, mais uma dificuldade para a vítima, pois terá de fazer prova direta de que não desejou aquela conduta por parte do assediador. Ainda que na situação em concreto o carater indesejado seja sempre ponderado, poder-se-ia presumir no assédio sexual tal requisito. Já no assédio como violação de género a lei exige corretamente que a ilicitude seja demarcada com o caráter indesejado demonstrado pela vítima, pois em causa estão situações mais vulgares e menos graves, feitas por vezes em modo de brincadeira.

O “caráter sexual” enunciado na norma em análise aponta agora positivamente para a necessidade de caraterizar a situação como uma perseguição motivada pelo sexo, visto como relação íntima sexual, o que vai de encontro à noção de assédio sexual da Diretiva 2002/73/CE.

O nosso ordenamento aponta ainda de forma assertória para as várias modalidades objetivas (ou comportamentos) do assédio sexual no trabalho: verbal, não-verbal ou física.

Também merece louvor o nosso conceito de assédio sexual ir de encontro uma vez mais à Diretiva acima referida, pois caminha no sentido de romper ligações como os dois tipos clássicos de assédio sexual, por chantagem e por intimidação, enveredando por uma noção que se focaliza na subjetividade/intencionalidade do sujeito ativo ou na sua objetividade/resultado. Assim, não é necessário haver abuso de poder para ocorrer assédio subjetivo, bastando que se prove a intenção do assediador em prejudicar em particular uma pessoa, mesmo sem resultado”181, “admitem-se ambos os tipos de assédio se, àquele

objetivo, acrescer uma concretização e um resultado prejudicial, sendo, aí, a atitude do assediador mais censurável e grave. Mas pode acontecer também só o resultado sem a

181 I

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intenção, o assédio objetivo”182. O abuso de poder desta forma consubstancia “apenas” uma

forma de agravamento do comportamento do sujeito ativo.

Outo aspeto positivo é que o nosso Código, tal como a Diretiva supra citada, refere apenas a necessidade do comportamento resultar na ofensa à dignidade de uma pessoa, abarcando assim as vítimas de assédio que assistem de forma não intencional a comportamentos de natureza sexual no local de trabalho, praticados por outras pessoas, mas que ofendem a sua dignidade ou lhes cria um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador como refere o art. 29.º, n.º 2.

Tal como no assédio moral não se prevê a existência de uma providência cautelar nestas situações, todavia o art. 29.º, n.º 4 prevê que a violação da norma faz incorrer a pessoa numa contraordenação muito grave e, adicionalmente, por força do art. 29.º, n.º 3, aplica-se o art. 28.º no caso do assédio discriminatório.