• Nenhum resultado encontrado

Assédio moral coletivo

No documento Assédio moral no direito do trabalho (páginas 54-59)

Segundo Ramos e Galia84 (2012, p.175),

[...] o processo de assédio moral torna-se coletivo quando tal conduta ofende a esfera de valores da coletividade, ocasionando lesão extrapatrimonial a esta coletividade, ou seja, configurando o dano moral coletivo e, especialmente, o assédio moral coletivo, quando as atitudes e o comportamento perverso do agressor são direcionados a todos os subordinados de um determinado setor ou equipe, objeto de análise do presente trabalho.

No assédio moral coletivo ocorrem os mesmos tipos de abuso que caracterizam o assédio moral individual, com a diferença que no assédio moral coletivo só existe a modalidade vertical, ou seja, de alguém com cargo de chefia para os seus subordinados, e nesse tipo de assédio as agressões são sofridas por um grupo de empregados e não somente por um. Diante desse cenário, verifica-se um caso para a tutela coletiva desses trabalhadores, que ocorrerá mediante ação civil pública em que o titular da ação será o Ministério Público do Trabalho, cuja atuação será melhor exposta no próximo tópico do presente trabalho.

Sobre a tutela coletiva, Watanabe apud Cavalieri Filho (2010, p.341)85 afirma,

O primeiro passo importante da legislação brasileira no sentido da tutela dos interesses e direitos coletivos foi dado em 1985, com a edição da Lei da Ação Civil Pública (Lei nª 7.347), destinada à proteção do meio ambiente e do consumidor na dimensão dos bens indivisivelmente considerados. Posteriormente, a Constituição de 1988 sublinhou em diversos dispositivos a importância dos interesses coletivos. Mas foi o Código de Defesa do Consumidor que completou todo esse trabalho legislativo ao ampliar o âmbito de incidência da Lei da Ação Civil Pública, de modo a abranger todos os interesses difusos e coletivos, e ainda criando uma nova categoria de direitos ou interesses, individuais por natureza e tradicionalmente tratados apenas a título pessoal, mas conduzíveis coletivamente perante a justiça civil, em função da justiça comum, que denominou direitos individuais homogêneos. Depreende-se do acima exposto que a legislação sobre os interesses, leia-se direitos, difusos e coletivos, está melhor regulamentada no Código de Defesa do Consumidor Brasileiro, pois

84 RAMOS, Luis Leandro Gomes; GALIA, Rodrigo Wasem. Assédio moral no trabalho: O abuso do poder

diretivo do empregador e a responsabilidade civil pelos danos causados ao empregado-atuação do Ministério Público do Trabalho. Porto Alegre: livraria do advogado,2012.

este Código trata sobre o exercício da defesa coletiva, além de definir o que são interesses ou direitos difusos, interesses ou direitos coletivos e interesses ou direitos individuais homogêneos.

Segundo o parágrafo único do art.81 do Código de Defesa do Consumidor86,

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

I- interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;

II- interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;

III- interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.

O dano moral coletivo é a principal consequência judicial do assédio moral coletivo, e diante das definições dadas pelo Código de Defesa do Consumidor brasileiro, conclui-se que um grupo de trabalhadores vítimas de assédio moral ao buscar seus direitos devido aos abusos sofridos, será enquadrado no conceito de interesses ou direitos coletivos, pois se trata de um direito transindividual, ou seja, que atinge mais de um indivíduo, de natureza indivisível em que o titular é justamente o grupo de trabalhadores, que são ligados com a parte contrária por uma relação jurídica base, qual seja o contrato de trabalho, em que a parte contrária é o empregador. Portanto para a configuração do dano moral coletivo diante do assédio moral coletivo, o grupo deve ser avaliado como um todo, através da análise do subjetivismo do grupo, do interesse deste, de como as humilhações por parte do superior está afetando o ânimo desse grupo, a sua reputação, a autoestima da equipe como um todo.

Segundo Ramos e Galia87(2012,p.177),

Assim sendo, a reparabilidade do dano moral coletivo, especialmente, o assédio moral coletivo stricto sensu, não pode ter as mesmas premissas do dano moral tradicional, já que este, baseado no Código Civil, é dotado de cunho meramente patrimonialista e individualista, não vislumbrando, destarte, os valores transindividuais de um sentimento coletivo. Isso porque, a honra coletiva tem princípios próprios que não se confundem com os interesses pessoais, haja vista que leva em conta a carga de valores de uma comunidade como um todo, corporificando-se no momento em que se atestam os objetivos, as finalidades e a identidade de uma comunidade política.

Conclui-se que no assédio moral coletivo, se afeta a autoestima de um grupo como um todo, humilha-se não somente os sentimentos de uma pessoa, mas os de um conjunto de pessoas em

86 BRASIL. Vade Mecum. 10 ed. São Paulo: Rideel,2010,p.581. 87

RAMOS, Luis Leandro Gomes; GALIA, Rodrigo Wasem. Assédio moral no trabalho: O abuso do poder

diretivo do empregador e a responsabilidade civil pelos danos causados ao empregado-atuação do Ministério Público do Trabalho. Porto Alegre: livraria do advogado,2012.

sua totalidade, o grupo diante das ofensas do opressor sente-se derrotado, desestimulado, injustiçados diante da perseguição em massa.

Por fim, cito jurisprudência88 do Tribunal Superior do Trabalho, sobre assédio moral

coletivo e o respectivo dano moral coletivo,

No caso, tendo o Regional consignado, de forma clara, os procedimentos adotados pelo Reclamado, no sentido de restringir a utilização de sanitários e as saídas para beber água, bem como de cronometrar o tempo de trabalho dos seus empregados, todos com o intuito de controlar os patamares de produção, bem como descrito algumas das situações constrangedoras a que eram submetidos os empregados da Empresa, restou configurado o dano moral discutido nos autos, por ter o Reclamado efetivamente atentado contra a integridade psíquica dos Reclamantes e tê-los submetido a constrangimento.

5.4.1 A atuação do Ministério Público do Trabalho no assédio moral coletivo

Segundo o art. 129 da Constituição Federal de 198889:

Art.129. São funções institucionais do Ministério Público: [...]

III- promover o inquérito civil público e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.

[...].

Portanto, o papel do Ministério Público é a defesa dos interesses difusos e coletivos, e no caso específico do Ministério Público do Trabalho a defesa é dos interesses difusos e coletivos dos trabalhadores, que ocorre através das procuradorias regionais do trabalho.

Segundo Ramos e Galia90 (2012,p.180),

[...] Uma das atribuições do Ministério Público do Trabalho é justamente perseguir modelos de relações de trabalho que valorize a dignidade da pessoa humana, relação essa que indubitavelmente não se compatibiliza com as relações de trabalho que incentivam ou não previnam a prática do assédio moral no ambiente laboral.

É através da ação civil pública que o Ministério Público do Trabalho exerce sua função de defesa dos direitos coletivos dos trabalhadores, lembrando, como exposto no tópico anterior, que no caso de interesses de grupos de trabalhadores, trata-se de acordo com a definição dada pelo

88

Recurso de Revista nº 1186/2007-004-20-00, min-relator: Ives Gandra Martins Filho, publicado em 13.05.2009.

89

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988, atualizada até a Emenda Constitucional nº 62, de 9 de dezembro de 2009. 16. ed. São Paulo: Rideel, 2010.

85RAMOS, Luis Leandro Gomes; GALIA, Rodrigo Wasem. Assédio moral no trabalho: O abuso do poder

diretivo do empregador e a responsabilidade civil pelos danos causados ao empregado-atuação do Ministério Público do Trabalho. Porto Alegre: livraria do advogado,2012.

Código de Defesa do Consumidor, de interesses ou direitos coletivos, pois se trata de direito transindividual indisponível, cujo titular desse direito é o grupo de trabalhadores ligados pela parte contrária, no caso o empregador, por uma relação jurídica base, qual seja, a relação de emprego.

A Lei Complementar91n.75, dispões em seu art.83 sobre a competência do Ministério

Público do Trabalho:

Compete ao Ministério Público do Trabalho no exercício das seguintes atribuições juntos aos órgãos da Justiça no Trabalho:

[...]

III- promover a ação civil pública no âmbito da Justiça no Trabalho, para defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais garantidos constitucionalmente.

Sem dúvidas, a prática de assédio moral coletivo fere a dignidade da pessoa humana do trabalhador, através da lesão a direitos fundamentais e sociais garantidos constitucionalmente a este, como por exemplo, o direito a um meio ambiente de trabalho equilibrado, à honra, à imagem, à intimidade, entre outros e é papel do Ministério Público do Trabalho exercer a defesa do grupo de trabalhadores que estão rotineiramente sofrendo abusos, ofensas, humilhações por parte de seus superiores. É normalmente através de denúncias e fiscalizações que o Ministério Público do Trabalho inicia suas atividades de tutela dos interesses coletivos dos trabalhadores.

Os meios de defesa do Ministério Público em relação aos direitos coletivos dos trabalhadores dividem-se em duas fases: fase pré-processual e fase processual.

A fase pré-processual inicia-se normalmente com o inquérito civil, que segundo Ramos e

Galia92 (2012, p.183),

Trata-se do conjunto de atos destinados a apurar a ocorrência de determinados fatos a fim de esclarecer todas as circunstâncias com eles relacionadas, tais como, o início, os seus desdobramentos e como terminaram, salientando que o vocábulo inquérito provém do verbo latino quaeritare, que significa investigar.

O inquérito civil é um processo administrativo em que são apurados os fatos, oriundos de uma denúncia ou de uma investigação, e pode servir como base para uma ação civil pública, lembrando que o inquérito civil não é pressuposto para o ajuizamento desta ação. Por ter natureza inquisitória, o inquérito civil não admite contraditório e nem ampla defesa, pois se trata, como já exposto, de uma investigação e não de um documento com intuito acusatório. Nesse sentido Mazzili

91 BRASIL. Vade Mecum. 10 ed. São Paulo: Rideel,2010,p.1104. 92

RAMOS, Luis Leandro Gomes; GALIA, Rodrigo Wasem. Assédio moral no trabalho: O abuso do poder

diretivo do empregador e a responsabilidade civil pelos danos causados ao empregado-atuação do Ministério Público do Trabalho. Porto Alegre: livraria do advogado,2012.

apud Ramos e Galia93 (2012, p.184), “O inquérito civil é procedimento investigatório não contraditório; nele não se decidem interesses nem se aplicam sanções; antes, ressalte-se sua informalidade”.

Outro possível meio de defesa dos interesses coletivos dos trabalhadores na fase pré-

processual é o termo de ajustamento de conduta que segundo Moraes apud Ramos e Galia94 (2012,

p.185),

Entende-se como termo de ajustamento de conduta ou compromisso de ajustamento o ato jurídico processual ou extraprocessual pelo qual a pessoa física ou jurídica que esteja a lesar os bens jurídicos tutelados por essa lei assume, perante um órgão público legitimado para a propositura da ação civil pública ou coletiva, sua inequívoca vontade de ajustar-se às exigências estabelecidas em lei, de restabelecer o status quo ante, afetado por ato comissivo ou omissivo considerado ilícito, manifestação essa com eficácia de título executivo extrajudicial (art.585, II, do CPC) quando feita anteriormente ao ajuizamento da demanda ou quando não submetida ao crivo do juiz, pois, se o foi, o título será considerado judicial ( art.475-N, III, do CPC).

Adaptando o conceito para a tutela dos direitos coletivos trabalhistas, trata-se de um ajustamento da conduta da pessoa jurídica para que esta efetivamente se disponha a cumprir os ditames da lei, caso esteja comprovadamente praticando atos ilícitos para com os seus empregados. Trata-se de um título executivo extrajudicial, que será prestado perante o Ministério Público do Trabalho, pois quando existe uma demanda trabalhista e a empresa só assume o compromisso de assinar esse termo de ajustamento perante o juiz, será um título executivo judicial.

Segundo Ramos e Galia95 (2012, p.186),

Hodiernamente, o Ministério Público do Trabalho tem utilizado o Termo de Ajuste de Conduta (TAC) para coibir as práticas de assédio moral e outras práticas discriminatórias no ambiente de trabalho, administrativamente, buscando suspender tais práticas, antes de ingressar com a Ação Civil Pública.

Por fim, na fase processual o instrumento de defesa utilizado é a ação civil pública, que

segundo Nascimento(2008,p.424)96,

A ação civil pública, cujo qualitativo civil não deve confundir, é processo impulsionado pelo Ministério Público quando se faz necessária a defesa do interesse público, o que pode ocorrer, na esfera trabalhista, diante de interesses que não sejam meramente coletivos, mas que transcendem os limites de uma categoria para se tornar pretensão de toda a sociedade. Trata-se de um processo, cujo titular competente da ação é o Ministério Público (art.129, III, CF/88), e no caso da tutela dos direitos coletivos dos trabalhadores, é o Ministério Público do Trabalho, que através da ação civil pública defenderá os interesses coletivos dos trabalhadores,

93RAMOS, Luis Leandro Gomes; GALIA, Rodrigo Wasem. Assédio moral no trabalho: O abuso do poder

diretivo do empregador e a responsabilidade civil pelos danos causados ao empregado- atuação do Ministério Público do Trabalho. Porto Alegre: livraria do advogado,2012.

94

Ibid; p.185. 95 Ibid;p.186. 96

quando forem desrespeitados os direitos sociais, ou seja, os direitos trabalhistas garantidos constitucionalmente àqueles.

Encerro o tópico com a análise da atuação do Ministério Público do Trabalho feita por

Ramos e Galia97 (2012, p.187),

Assim sendo, a atuação do Ministério Público do Trabalho, quer seja através dos Termos de Ajuste de Conduta (TAC), quer seja através da Ação Civil Pública, se faz necessária cada vez mais na coibição do assédio moral e outras tanta práticas discriminatórias existentes na atual organização do trabalho, cujas iniciativas desta instituição tem avançado significativamente para a diminuição dos casos, bem como a inibição de novos casos, garantido, assim, a valorização da dignidade e dos direitos sociais dos trabalhadores conquistados a custa de tantas lutas históricas e, felizmente, positivados na Constituição Federal, a qual busca um Estado Democrático de Direito pautado nos princípios da dignidade da pessoa humana, da isonomia e, sobretudo, da solidariedade.

No documento Assédio moral no direito do trabalho (páginas 54-59)