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5.“OCUPAR, RESISTIR E PRODUZIR”: IMPLICAÇÕES DAS POLÍTICAS PÚBLICAS PNAE E PAA NOS ASSENTAMENTOS SANTO ANTÔNIO DOS CALMONS (BELA

5.1 Assentamentos de Santo Antônio dos Calmons (Bela Vista) e Eldorado do Pitinga

Recôncavo Baiano sempre foi marcado pela luta ao acesso à terra, e esta luta não se iniciou com o MST. A região já focos de resistência, como o assentamento rural espontâneo da Fazenda Gericó, organizado pela comunidade de agricultores – posseiros e o assentamento Santa Catarina, efetivado pelo INCRA, motivado por uma ocupação realizada por posseiros decorrente da desativação da Usina de Açúcar D. João, onde viviam há quase 30 anos. Com o fechamento do complexo agroindustrial iniciaram o processo de ocupação, neste caso, configurado com a permanência dos posseiros – ex- trabalhadores da fazenda – na área do imóvel rural.

Ao se conhecer o MST – Recôncavo, se depara com um processo histórico de 20 anos. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra chegou ao Recôncavo Baiano com sua ação política de transformadora, ocupando terras e trazendo novas oportunidades e condições de vida a moradores das periferias e a trabalhadores rurais alijados do seu meio de vida e trabalho. Destaca-se a grande quantidade de assentados que viviam na periferia da Região Metropolitana de Salvador (RMS) e nos municípios circunvizinhos a ela – locais onde foram organizados os trabalhos de base.

Em 1996 o MST chegou ao recôncavo baiano, inicialmente no município de Santo Amaro onde as ocupações de terra deram origem aos assentamentos Eldorado do Pitinga, Nova Suíça e Bela Vista. O MST ocupou as fazendas de devedores e sonegadores do Banco do Brasil e do Banco Econômico. As ocupações favorecidas pela conjuntura e pela pressão exercida pelo movimento, rapidamente foram efetivadas. Atualmente, a regional Recôncavo do MST tem assentamentos do municípios de Santo Amaro até Água Fria, espacializados em oito Projetos de Assentamentos.

Projetos de Assentamento de Reforma Agrária são parte conquista da terra realizada através da ocupação que é garantida pela Lei nº 4.504, de 30 de novembro 1964, em terras que não cumprem sua função social, desrespeitem a legislação ambiental ou tenha

trabalhadores em condições análogas à escravidão. Após a ocupação, o Estado fica responsável pela desapropriação e imissão de posse.

Tabela 10. PA´s Regional Recôncavo do MST – Bahia (2015)

Municípios PA´s Capacidade

(famílias) Área (ha) Santo Amaro 05 de maio (Nova Suíça) 100 1821,60

Santo Amaro Bela Vista 50 458,71

Santo Amaro Eldorado do Pitinga 80 437,00

Santo Amaro Paulo Cunha 120 1934,40

Santo Amaro Maju 29 521,80

São Sebastião do Passé Nova Panema 58 917,86

São Sebastião do Passé São Domingos (Itapetingui) 28 145,31 Água Fria Menino Jesus (Paracatu) 112 1301,00

TOTAL 8 PA´s 457 5603,28

Fonte: SILVA, J.G. Com base nos dados do INCRA, 2015.

O assentamento Bela Vista é fruto do “acampamento de escoamento” e foi a segunda ocupação no município. Era assim chamado pelo MST por se tratar de um tipo de acampamento temporário, sua finalidade era intermediar a mudança das pessoas de um acampamento para outro. Porém, os acampados começaram a criar laços com o local e decidiram lutar para que também se tornasse um assentamento. A ocupação se deu na Fazendo Santo Antônio dos Calmons, em novembro de 1996, e teve naquele período a participação de 250 famílias. O nome dado pelos assentados (Bela Vista) se deve à visão que se tem da Baía de Todos os Santos a partir do ponto mais alto do assentamento. Que pode-se ver na figura 7.

O processo de desapropriação e imissão de posse se deu de forma célere, porém conflituosa, com despejos violentos e reintegração de posse a favor da Empresa Agrícola Cantagalo S/A, propriedade de um devedor do Banco do Brasil. O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), conforme prevê artigo 184 da Constituição Federal, desapropriou a Fazenda Santo Antônio dos Calmons, ocupada em 20 de outubro de 1996 pelos trabalhadores rurais e o PA foi criado em 30 de dezembro de 1997. O valor

pago pelo imóvel foi R$ 262.923,64, sendo R$151.400,10 referentes às benfeitorias encontradas e R$ 111.523,54 referentes ao valor da terra.

Figura 7: Vista do Assentamento Bela Vista Foto: SILVA, J.G., 2015.

A área total do assentamento é de 458,71 ha assim distribuídos: 50 lotes, sendo 21 lotes no solo massapê e 29 lotes no solo tabuleiro; uma área coletiva (56,71ha) que compreende a agrovila e as áreas de cultivo (pasto, mandioca, sabiá, cana), e uma área de preservação ambiental definida pelo INCRA, com o tamanho de 62ha. Os assentados contam que a fazenda por eles ocupada estava há muito tempo abandonada, devido a dívidas do dono, e caracterizava-se pela plantação de cítricos e mamão, o que é apontado como o motivo para que, desde o início da ocupação, a terra apresentasse um alto grau de esgotamento, o que foi um problema para a produção.

Atualmente, 19 casas (86 pessoas) estão ocupadas e isso se dá devido ao fenômeno de evasão sobre o qual é possível inferir, a partir dos questionários, que grande parte resulta da migração campo-cidade feita pelos jovens, que trabalham ou estudam fora dos assentamentos.

Uma das principais marcas do perfil de assentados do Bela Vista é a grande quantidade de pessoas com mais de 60 anos, que atualmente é de 17% (15), dentre

estes, 9 mulheres e 6 homens. Esse fenômeno de envelhecimento da população do assentamento é causado por diversos fatores que serão debatidos, porém, já pode-se afirmar que há um grande êxodo de jovens em busca de trabalho e estudos nas cidades grandes e médias. Vê-se ainda no gráfico a seguir que 43% dos assentados estão concentrados entre as faixa etária a partir de 40 anos, e isso demonstra uma necessidade de políticas públicas setoriais que envolvam os jovens no processo produtivo ou em alternativas de geração de emprego e renda, pensando fundamentalmente na efetividade da realização da reforma agrária no Brasil, que por muitas vezes, se mostra equivocada, já que as terras distribuídas são abandonadas com certa frequência. O gráfico a seguir mostra a classificação etária do ABV:

Figura 8: Classificação etária do Assentamento Bela Vista, 2015. Fonte: SIVA, J. G. 2015.

Nos dias de hoje, a produção do assentamento é realizada tanto na área coletiva, como nos lotes. Os lotes são utilizados, principalmente, para produção de quiabo e mandioca e a área coletiva tem uma maior diversidade, com muitas árvores frutíferas, milho e feijão em regime de consórcio, mandioca, aipim e tomates. Os quintais também são produtivos, onde, em sua grande maioria, as mulheres são responsáveis pela produção de hortaliças e pela criação de pequenos animais como aves e suínos.

em funcionamento, depois de momentos de desregulamentação causado por dívidas, e representa os assentados junto ao INCRA e os órgãos financiadores. A APRBV aglutina hoje associados dos assentamentos Eldorado do Pitinga e do Bela Vista e é a associação responsável pelo intermédio de ambos os assentamentos com o mercado institucional da prefeitura de Santo Amaro, a qual vendem alimentos de forma direta a partir do PNAE e do PAA.

A foto a seguir é de uma das leiras de hortaliças da horta coletiva do Assentamento Bela Vista, onde está se produzindo coentro, de forma agroecológica, esse é um dos produtos vendidos tanto na pista em frente ao assentamento, como na feira de Santo Amaro.

Figura 9: Horta Coletiva do Assentamento Bela Vista, Santo Amaro - BA Foto: SILVA, J.G., 2015.

O assentamento Eldorado do Pitinga foi fruto da terceira ocupação do município, em 17 de março de 1997, e tem esse nome em homenagem aos sem-terras assassinados em Eldorado dos Carajás em abril de 1996. Aproximadamente 70 famílias participaram da ocupação, muitas delas remanescentes das ocupações dos PA´s Bela Vista e 05 de maio (Nova Suíça). A área pertencia, bem como o PA Bela Vista, ao Econômico Agropastoril

Industrial S/A, devedor do Banco do Brasil, fator que acelerou o processo de desapropriação, sendo o PA criado em 31 de dezembro de 1997.

A área do assentamento é de 437,00 hectares e capacidade para 80 famílias, os lotes têm uma média de 10 hectares e, atualmente, 32 casas estão ocupadas, totalizando 146 pessoas, entre as quais, têm-se 82 mulheres e 64 homens, neste, há uma grande rotatividade de assentados, poucos são os que estavam no período da ocupação, o que traz a necessidade de pesquisar mais a fundo a questão da dinâmica migratória, que será debatida no próximo subcapítulo. Destaca-se também uma presença maior de jovens, como pode-se ver no gráfico de classificação etária a seguir:

Figura 10: Classificação etária do Assentamento Eldorado do Pitinga Fonte: SILVA, J.G., 2015

Salienta-se que a produção é feita de forma coletiva e individual, contando com uma grande variedade de culturas, mas sobressai-se a produção da mandioca, processada na casa de farinha. Ambos os assentamentos estão localizados nas margens da BA – 422, onde parte da produção é comercializada, para além do mercado institucional, destaca-se também a venda na feira de Santo Amaro, vista nas fotos seguintes:

Figura 11: Feira de Santo Amaro, Bahia

Foto: SILVA, J.G., 2015

No PA Eldorado do Pitinga não foi realizado o PDA (Plano de Desenvolvimento Agrícola), ficando o planejamento sob responsabilidade dos assentados com o auxilio da Cooprarecon, que buscou financiamento individual e investimento cooperativo. Porém todo crédito foi perdido devido à falta de assistência técnica. Gerando muito endividamento, obrigando os assentados a buscarem estratégias de sobrevivência alternativas à agricultura, como o assalariamento nas cidades do entorno.

As escolas de ambos os assentamentos atendem aos estudantes de ensino fundamental e educação de Jovens e Adultos no turno noturno, isso faz com que os estudantes, para que continuem sua formação escolar precisem buscar escolas na sede do município.

Outro aspecto importante a ser destacado é a grande quantidade casas com mulheres chefes de família, isso revela um maior êxodo entre os homens, questão que expressa a divisão sexual do trabalho. À medida que as mulheres são as principais executoras pelos trabalhos referentes à esfera da reprodução, o trabalho doméstico e de cuidados, são elas as maiores responsáveis pelos processos de ocupação e luta por permanência na terra conquistada.

Figura 12: Classificação de sexo nos assentamentos Bela Vista e Eldorado do Pitinga Fonte: SILVA, J.G., 2015

A espacialização dos assentamentos, vista no mapa a seguir, é importante para compreendermos a sub-utilização de alguns dos lotes, já que a agrovila fica em um lado da BR-420 e parte dos lotes ficam do outro lado, dificultando o acesso para que se utilize a terra.

Bela Vista Eldorado do Pitinga 0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 Homes Mulheres A S S E N T A D O S

Figura 13: Mapa de Localização dos PA's Bela Vista e Eldorado do Pitinga Fonte: SILVA, J.G. 2015.