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RAÇA, COR OU

4.3 Estrutura Fundiária de Santo Amaro – BA

A estrutura fundiária é a concretização no espaço da forma como os grupos sociais se organizam em sociedade. Organizam-se para apropriarem-se de uma parte da natureza e produzirem espaço. (GERMANI, 2005, p. 13675)

Ao analisar a estrutura fundiária brasileira, verifica-se um padrão de distribuição de terras altamente concentrado. No Censo Agropecuário 2006, foram identificados 4.367.902 estabelecimentos da agricultura familiar, o que representa 84,4% dos estabelecimentos brasileiros. Este numeroso contingente de agricultores familiares ocupava uma área de 80,25 milhões de hectares, ou seja, 24,3% da área ocupada pelos estabelecimentos agropecuários brasileiros.

Estes resultados mostram uma estrutura agrária ainda concentrada no País: os estabelecimentos não familiares, apesar de representarem 15,6% do total dos estabelecimentos, ocupavam 75,7% da área ocupada. A área média dos estabelecimentos familiares era de 18,37 hectares, e a dos não familiares, de 309,18 hectares (CENSO AGROPECUÁRIO, 2006). No que se refere ao estado da Bahia, têm-se uma estrutura agrária igualmente concentradora, como pode-se ver na tabela a seguir:

Tabela 7. Número e área dos estabelecimentos agropecuários, 1985 a 2006 – Bahia

Área Total (ha)

1985 1996 2006

Estabelec. área Estabelec. área Estabelec. área

Até 10 424.528 1.442.426 401.734 1.373.887 436.390 1.369.883 10 a 100 263.003 7.976.506 251.752 7.534.252 264.546 7.802.582 100 a 1000 47.563 11.850.758 41.874 10.627.611 37.814 9.617.562 1000 e mais 3.780 12.161.703 3.563 10.307.151 3.414 10.390.532 Não declarado 132 - 203 - 19.364 - TOTAL 739.006 33.431.402 699.126 29.842.900 761.528 29.180.559 Fonte: IBGE, 2015

Os dados contidos nessa tabela muitas vezes não representam a realidade devido às falhas nos registros de terras, porém, apesar de ser levada em conta essa possível quantidade de terras nas mãos de arrendatários e posseiros, não documentadas e omitidas dos cadastros, ainda pode-se verificar um alto grau de concentração. É valido destacar a fragilidade destes dados, porém, “servem e podem ser utilizados não para precisar, mas para dar uma dimensão, uma ordem de grandeza do fenômeno como expressão da relação social em nossa sociedade” (GERMANI, 2010, p.276).

A compreensão desse processo de concentração fundiária nos leva a analisar o período de modernização agrícola, a implantação do modelo agroindustrial e as políticas nacionais de desenvolvimento debatidas anteriormente. Esse processo aumentou significativamente as desigualdades sociais no campo, alterando a base técnico- produtiva, através da introdução na agricultura de modernas tecnologias poupadoras de mão de obra, expulsando o camponês de sua terra e meio de vida. Pode-se afirmar que o alto grau de concentração fundiária na Bahia é um dos fatores que mais atrasa a modernização econômica desse estado, marcado pela forte migração no sentido campo- cidade, que contribui para o crescimento espontâneo das cidades e consequentemente o agravamento das tensões sociais na capital soteropolitana. Assim, de acordo com Martine (1990):

Tanto a mudança na escala de produção trazida pelo novo pacote tecnológico, como a tendência especulativa desencadeada pelo processo de modernização, serviram para acentuar ainda mais a concentração da propriedade da terra, afetando, também, as relações de produção no campo. (MARTINE, 1990, p. 7)

Em Santo Amaro, os dados não são muito diferentes dos da Bahia, vê-se também uma grande concentração fundiária, como apontado na figura a seguir, onde temos a evolução do IG do município desde a década de 1920 até o último censo agropecuário, realizado em 2006:

Figura 6:Evolução do Índice de Gini de Santo Amaro, BA, 1920 – 2006. Fonte: Projeto GEOGRAFAR, 2011.

A figura, assim como a tabela abaixo, demonstra a evolução do IG, onde se vê uma ligeira estabilização do índice entre as décadas de 1940 e 1960, e o início de um aumento progressivo a partir da década de 1970. Esse aumento é reflexo da modernização agrícola, que faz parte de um pacto conservador feito pelo Estado entre a burguesia nascente e a latifundiária, onde se determinou que a modernização da economia brasileira avançaria através da industrialização, mas manteria a estrutura fundiária arraigada em grandes propriedades rurais, caracterizando, assim, aquilo que Lênin (2002, p.29) chamou de caminho tipicamente prussiano. Ou seja, a modernização conservadora modifica as formas de produzir, porém mantém ou piora a estrutura fundiária, dando possibilidades de maior concentração de terras e maior exclusão dos trabalhadores e trabalhadoras. O IG de Santo Amaro assim como o da Bahia, demonstra essa evolução.

Tabela 8. Evolução do Índice de Gini de Santo Amaro, BA, 1920 a 2006.

ANO ÍNDICE DE GINI

1920 0,979 1940 0,735 1950 0,781 1960 0,777 1970 0,871 1975 0,884 1980 0,907 1985 0,915 1996 0,872 2006 0,911

Fonte: IBGE, 2011. Adaptado pela autora (2016).

A concentração de terras em Santo Amaro não pode ser explicada apenas considerando o processo de colonização estruturado em bases monopolistas. A inexistência de uma Reforma Agrária e a perpetuação do monopólio da terra deve ser percebido através dos diferentes marcos da história agrária do Brasil e do hibridismo da classe burguesa com a classe latifundiária, empenhada em manter a desigual distribuição de terras.

Tabela 9.Número e área dos estabelecimentos agropecuários, 1985 a 2006 – Santo Amaro

Área Total (ha) 1985 1996 2006

Estabelec. Área (ha) Estabelec. Área (ha) Estabelec. Área (ha)

Até 10 1692 2952 582 1377 735 1806 10 a 50 152 3707 98 2189 114 2205 50 a 100 40 2881 13 799 18 1229 100 a 1000 51 13422 41 10771 37 10864 1000 a 10000 10 18510 1 x 4 x TOTAL 1945 41472 735 15136 908 16104

Fonte: IBGE, 2011. Adaptado pela autora (2016).

O módulo fiscal6 é do município de Santo Amaro é 30 ha. Na tabela anterior vemos

que há um grande número de camponeses que têm menos de um módulo fiscal, o que limita suas condições de vida, já que a terra é um elemento indispensável para a produção e reprodução da vida camponesa. A forma que ela é distribuída e apropriada determinam as relações que compõem a questão agrária.

Esses pequenos estabelecimentos, fruto da luta e resistência camponesa, abrigam numerosa quantidade de camponeses, que junto às pequenas propriedades são responsáveis pela maior quantidade de produção de alimentos no estado. Essa realidade contraria a lógica de que as grandes propriedades são responsáveis pela maior produção agrícola no país.

Oliveira (2003) afirma que além das pequenas propriedades serem responsáveis pela maior quantidade de produção de alimentos, também são responsáveis pela maior geração de renda, desmoronando mais um mito que associa as grandes propriedades a alta produtividade e lucratividade.

6Módulo fiscal é um conceito introduzida pela Lei nº 6.746/79, que altera o Estatuto da Terra (Lei 4.504/64),

A estrutura fundiária de Santo Amaro é marcada por um lado, pela presença de minifúndios que não absorvem a totalidade da mão de obra familiar disponível e, por outro, pela concentração de terra, gerando um grande número de demandantes de terra e trabalho. A exclusão social possibilita as condições objetivas para o crescimento e desenvolvimento do MST, que se dá através da ocupação de terra e da consolidação do assentamento.

A concentração fundiária levou o campesinato a um processo de resistência que possibilitou o acesso à terra, e por isso encontra-se na região do Recôncavo Baiano um grande contingente de camponeses organizados em diferentes movimentos sociais, como o MLT (Movimento de Luta pela Terra), MTD (Movimento dos Trabalhadores por Direitos) e o MST.

De maio de 2011 a abril de 2015, 104 famílias de agricultores familiares do município tiveram o acesso a serviços de ATER garantido por meio de chamadas públicas para seleção de instituições especializadas na prestação desses serviços, contratadas com recursos do Ministério do Desenvolvimento Agrário.

5.“OCUPAR, RESISTIR E PRODUZIR”: IMPLICAÇÕES DAS POLÍTICAS PÚBLICAS