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4 CATEGORIAS DE ASSIMILAÇÃO PSÍQUICA

4.1 ASSIMILAÇÃO E ACOMODAÇÃO

Já no começo deste capítulo, será importante tomarmos contato com as conceituações que tentaremos nos aprofundar adiante. Para entendermos a importância e o significado de funções biológicas das mais gerais, vejamos como Piaget explica o conceito de assimilação:

Quer se trate do pensamento que, graças ao juízo, faz entrar o novo no já conhecido, reduzindo assim o Universo às suas próprias noções, quer se trate da inteligência sensório-motora que estrutura igualmente as coisas que percebe reconduzindo-as aos seus esquemas, nos dois casos a adaptação intelectual comporta um elemento de assimilação, quer dizer, de estruturação por incorporação da realidade exterior às formas devidas à actividade do sujeito. Quaisquer que sejam as diferenças de natureza que separam a vida orgânica (a qual elabora materialmente as formas, e assimila-lhes as substâncias e as energias do meio ambiente), a inteligência prática ou sensório-motora (que organiza os actos e assimila ao esquematismo destes comportamentos motores as situações que o meio oferece) e a inteligência reflexiva ou gnóstica (que se contenta em pensar as formas ou em construí-las interiormente para lhes assimilar o conteúdo da experiência), tanto umas como as outras se adaptam assimilando os objectos ao sujeito. (Piaget, 1936, p. 19-20).

Vejamos também como entende a acomodação:

Também não podemos ter dúvidas de que a vida mental seja, simultaneamente, uma acomodação ao meio ambiente. A assimilação [...] incorpora os elementos novos nos esquemas anteriores, [e] a inteligência modifica imediatamente estes últimos para adaptá-los aos novos dados, [...] este trabalho de acomodação só é possível em função do processo inverso de assimilação. (Ibid., p. 20).

Vejamos ainda como integra os conceitos de equilibração, adaptação, auto-regulação, etc: Resumindo, a adaptação intelectual, como qualquer outra, é uma equilibração progressiva entre um mecanismo assimilador e uma acomodação complementar. (Ibid., p. 20).

[...] por ocasião de cada construção parcial e de cada passagem de um estádio ao seguinte: é um processo de equilibração, não no sentido de

simples equilíbrio de forças, como em mecânica, ou de aumento de entropia como em termodinâmica, mais no sentido, hoje preciso, graças à cibernética, de auto-regulação, isto é, de seqüência de compensações ativas do sujeito em resposta às perturbações exteriores e de regulagem ao mesmo tempo retroativa (sistemas de anéis ou feedbacks) e antecipadora, que constitui um sistema permanente de tais compensações. (Piaget, 1967b, p. 134).

Agora trata do princípio fundamental de Construção, da organização biológica como a relação indissociável entre conservação e transformação:

[...] uma organização [contém] dois princípios correlativos, um de conservação através das transformações e outro de construção transformadora ligada à equilibração que assegura a conservação. (Piaget, 1967, p. 157).

Se a adaptação é um caso em que existe equilíbrio entre assimilação e acomodação e se, a acomodação é uma função complementar à primeira, por qual motivo tratamos de vários tipos gerais de assimilação e não os denominamos princípios de adaptação? Porque existem assimilações desadaptativas. As dinâmicas de assimilação compõe-se de uma classe mais geral, que pode acompanhar-se de acomodações menos ou mais equilibradoras ou harmonizadoras. Mas o leitor deve notar que, quando tratamos de assimilações, estamos falando dos diversos casos possíveis: os fortemente desadaptativos, os bastante adaptativos e seus intermediários. Enfim, optamos por detalhar os processos de assimilação, pois se pretende, aqui, abranger uma maior amplitude das dinâmicas psicológicas. É a necessidade de compreensão mais profunda de totalidades sistêmicas que nos leva a esta forma de abordagem.

Será interessante, portanto, dar agora o exemplo de um processo de assimilação desadaptativa. Se um organismo é capaz, por exemplo, de assimilar substâncias tóxicas, (fumaça,

venenos, etc) isto se refere a assimilações patogênicas. O mesmo se dará ao que denominaremos adiante por assimilações psicológicas deformantes e traumáticas.

Se estamos tentando nos aprofundar conceitualmente na diversidade dos tipos de assimilação, notemos o quanto isto se fundamenta na própria teoria piagetiana:

[...] parece claro que o encaixamento classificador, embriológico e genético dos caracteres prolonga-se naquilo que se poderia chamar uma classificação em ação no próprio mecanismo das trocas fisiológicas com o meio, e isto em função direta da diversidade das estruturas e das formas especializadas de assimilação que as sustentam. (Ibid., p. 188).

O conceito de “assimilação” vai ganhando detalhamentos no curso da obra de Piaget, pois a categoria geral exige o discernimento de suas partes. Assim é que Piaget trata de “simbolização” como sinônimo de “assimilação simbólica”. A categoria geral das “assimilações” contém as mais primitivas (como as sensório-motoras); as mais desenvolvidas, como as representativas, operatórias, etc e as conscientes e as inconscientes. Vejamos o que Piaget diz, como exemplo valioso para nós, inclusive na explicitação da participação de afetos integrados às funções cognitivas:

Diremos então que há símbolo consciente ou primário (dizemos símbolo primário e não assimilação primária, porque existem assimilações muito mais primitivas, tais como as do polegar ao seio materno, mas que não são simbólicas, por falta de representação). Ora, observa-se muitas vezes, no jogo, [brincar] a existência de símbolos dos quais a significação não é compreendida pelo próprio sujeito. Por exemplo, uma criança tornada ciumenta pelo nascimento de um irmãozinho e brincando por acaso com duas bonecas de tamanho desigual, fará partir a primeira para bem longe, em viagem, enquanto que a maior ficará com sua mãe; supondo que o sujeito não compreende que se trata de seu irmão mais novo e de ele mesmo, diremos então que há símbolo inconsciente ou secundário. [...] Notemos de início, que existem todos os intermediários entre as assimilações simbólicas conscientes e inconscientes. É esse o caso, em particular, no domínio dos jogos [das brincadeiras] de liquidação ou de compensação, isto é, daqueles que preenchem uma função afetiva precisa e não somente a de satisfazer o

eu em geral. Por exemplo, quando J. (obs. 86), para liquidar uma machucadura que lhe fiz involuntariamente, reproduz a cena invertendo os papéis, sabe bem o que faz e o simbolismo é primário. (Piaget, 1945, p. 220).

A terminologia “integral” aparece novamente neste momento em que tomar contato com a variedade de formas de assimilação identificadas por Piaget:

No total, o pensamento simbólico inconsciente obedece às leis do pensamento integral, do qual ele constitui uma simples forma extrema, prolongando a do jogo [brincar] simbólico na direção da assimilação pura. (Ibid., p. 274).

A idéia de “assimilação pura” também nos importa, aqui, como exemplo destas pormenorizações e integrações piagetianas de aspectos afetivos e cognitivos: Também o símbolo servirá menos à expressão dos pensamentos impessoais, da 'linguagem intelectual', que à dos sentimentos e experiências vividas e concretas, que à 'linguagem afetiva'.” (Ibid., p. 218).

[O brincar] constituindo [...] simplesmente, durante as fases iniciais, o pólo de condutas definido pela assimilação (ao passo que a imitação se orienta para o pólo definido pela acomodação), quase todos os comportamentos que estudamos a propósito da inteligência (N.I. e C.R.) são suscetíveis de se converter em jogo [brincadeira], uma vez que se repitam por assimilação pura, isto é, por simples prazer funcional. (Ibid., p. 117).

Ainda dentre os vários tipos possíveis de assimilação, enfatizemos Piaget apresentando a idéia de “assimilação inconsciente”:

[...] se todas as transições se dão assim entre a assimilação inconsciente e a adaptação consciente, segundo o mecanismo assimilador se encontre em equilíbrio mais ou menos completo e móvel com a acomodação às realidades novas, segue-se uma série de conseqüências no que concerne ao pensamento afetivo, ou seja, a maneira pela qual o indivíduo compreende suas relações com os outros, assim como seus próprios sentimentos. (Ibid., p. 269-270).

No domínio das noções biológicas as aderências subjetivas serão, por exemplo, as assimilações inconscientes ou desejadas de dados orgânicos a esquemas tirados da introspecção [...] e as prenoções poderão ser, entre outras, esquemas atomistas, coercitivos no começo de toda investigação, antes que se chegue às idéias de totalidade organizada. (Piaget, 1967, p. 80).

Esta noção piagetiana de “pensamento afetivo” é uma de suas expressões que dão base a estas nossas buscas de criação de um Construtivismo Integrativo, compreendendo o que temos denominado Esquemas Integrais. Um esquema integral é, portanto, o conjunto formado por um esquema cognitivo (organizado por estruturas cerebrais particulares, por exemplo, as de linguagem, de raciocínios operatórios, etc) em consonância com esquemas afetivos (aqueles que ocorrem em subsistemas específicos, como o límbico, etc).

A partir destes detalhamentos feitos pelo próprio Piaget, propomos a diferenciação de outros tipos de assimilação e de esquemas.