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Origem: do governo Vargas ao “Bolsa Família”

Baseando-se no ideal liberalista de David Ricardo no século XIX, com a publicação de “Princípios da política pública e tributações”, fundamentando o ideal de salário mínimo – mínima remunera- ção necessária para a subsistência individual de um operário –, o governo de Getúlio Vargas, além de formalizar o salário mínimo no país, com o badalado, até hoje, Código de Leis Trabalhistas (CLT) nacional, criou o salário família, uma espécie de “salário extra” para o trabalhador pobre com mais de três filhos, incentivando-o, naquele contexto para um crescimento da natalidade, bem como a melhoria da qualidade de vida; sendo a base para o assistencialismo nacional.

As transformações econômicas, políticas, sociais e culturais que ocorreram ao longo dos últimos anos – nas quais se deram o pro- cesso de industrialização e de urbanização da sociedade brasileira – resultaram na expansão das cidades, no aumento demográfico e no aprofundamento da situação social. Assim, elevações das taxas de pobreza, do desemprego, da falta de moradia, entre outras,

colocaram em evidência a questão social e o papel do Estado. Nas palavras de Pochmann (2005, p.23): “(...) construiu-se um país para poucos, em que a maior parte das transformações ocorridas acon- teceu sem mudanças de natureza estrutural, bloqueando a inclusão social plena.”

Isso apontou para a necessidade de criação de um plano de investimentos em que se amenizassem os efeitos catastróficos da urbanização. Assim, nasceu, no governo de Fernando Henrique Cardoso, o Sistema Brasileiro de Proteção Social (SBPS), intensi- ficando a responsabilidade estatal em estruturar um conjunto de políticas e programas, especificamente os das áreas sociais, com o objetivo de garantir a universalização dos direitos sociais plenos, elevando, por consequência, os indicadores sociais do país.

A partir deste sistema, o assistencialismo no Brasil foi reinven- tado, partindo para uma etapa de ações mais enfáticas e contínuas, visando à diminuição da grande discrepância social, intensificada no Brasil ao longo dos anos 80 e 90. Logo, o Governo Federal, lançou em 2001, o projeto de expansão nacional do programa de assis- tência social, já implementado na cidade de Campinas-SP, desde 1994, baseado em quatro “bolsas” de amparo e redistribuição de renda, visando o melhoramento dos indicadores sociais e a garantia da subsistência da população, a saber: o “Bolsa Escola”, valor pago pelo Ministério da Educação às mães que tivessem filhos em idade escolar; o “Vale Gás”, pago pelo Ministério de Minas e Energia às famílias autodeclaradas carentes, para a aquisição do gás de cozi- nha; o “Cartão Alimentação” e o “Bolsa Alimentação”, pagos pelo Ministério da Saúde às famílias em situação de desamparo social.

Embora inovadora, a política encontrou os seus vícios. A falta de condicionalidades e a participação integrada de vários ministé- rios tornou o promissor projeto um tanto desorganizado. Apesar

disso, manteve-se a proposta temporária da política assistencialista, já que todas estas bolsas possuíam tempo pré-definido de duração.

A partir de 2004, assegurado pela Lei 10.834, durante o governo Lula, o programa assistencial brasileiro ganhara uma nova roupa- gem, passando, agora unificado, a denominar-se Bolsa Família.

O Bolsa Família consiste em uma renda mensal disponibilizada pela União às famílias autodeclaradas em grau de miserabilidade (com renda familiar per capita inferior a cento e quarenta reais). O benefício varia de acordo com o número de crianças na família e para que o auxílio seja recebido, a família deve cumprir uma série de condicionalidades formada por três procedimentos básicos: as crianças devem estar frequentando a escola regularmente (com fre- quência superior a 85% ao mês, no caso daquelas, entre 0 e 16 anos, e de 75% para os jovens entre 16 e 17 anos); ter acompanhamento regular no posto de saúde (ao menos duas vezes por ano) e ter as vacinações em dia; além de, a cada dois anos, retornar à sede do programa em sua cidade para, novamente, autodeclarar a sua renda familiar. É preponderante ressaltar que a auto declaração de renda é pautada em um artifício legal, conforme prevê o artigo 4°, inciso III, da carta magna nacional: “autodeterminação dos povos”.

Essa renda é destinada, sobretudo, para a alimentação das famílias carentes e, somado a isso, a condicionalidade para que as crianças frequentem a escola e tenham as vacinações em dia é uma forma de combater o trabalho infantil, a mortalidade infantil e o analfabetismo. Atualmente o Bolsa Família integra a estratégia do plano Brasil sem Miséria, que tem por objetivo assegurar o direito humano à alimentação adequada, promovendo a segurança ali- mentar e nutricional, contribuindo para a erradicação da extrema pobreza e para a conquista da cidadania pela parcela da população mais vulnerável. A coordenação de programas complementares tem por objetivo o desenvolvimento das famílias beneficiadas, de modo

que estes consigam superar a vulnerabilidade à pobreza. O cadastro e a administração desse programa social são centralizados no MDS, auxiliando no controle e na fiscalização do mesmo.

O Bolsa Família nasce, portanto, com o mesmo propósito de seu precursor: a melhoria na qualidade de vida e o estímulo à natali- dade, acrescido ainda de novos propósitos e efeitos sócio-políticos, que serão abordados adiante.

Constitucionalidade

No que se concerne à constitucionalidade, adota-se como pontapé inicial o artigo 6° da Carta Magna nacional, bem como os artigos 3º, 203 e 204, todos da Constituição Federal de 1988, fazendo-se, portanto, um paralelo da função destes com a sua efeti- vidade, aflorada no maior programa de assistência social do Brasil: o “Bolsa Família”.

Em relação ao Art. 6°, referente aos direitos sociais, é possível inferir que o direito à assistência aos desamparados é, para estes cidadãos, o elemento de partida para assegurar todos os demais direitos. Sem a assistência adequada, em nenhum momento se poderá assegurar a efetividade das demais garantias a essa popula- ção, especialmente a alimentação e a saúde, haja vista seu objetivo de “garantir às pessoas sem meios de sustento condições básicas de vida digna e cidadania, cumprindo também o objetivo constitucio- nal de erradicação da pobreza (...)”.

São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o traba- lho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (BRASIL, 1988).

Consagrando, dessa forma, um Estado solidário e preocupado com o bem estar dos seus cidadãos, o artigo supracitado asse-

a sobrevivência digna dos indivíduos em grau de desamparo desta sociedade.

No artigo 3º, que estabelece os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil. É necessário destacar os incisos III e IV:

Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

III- erradicar a pobreza e a marginalização e redu- zir as desigualdades sociais e regionais;

IV- promover o bem estar de todos, sem precon- ceitos de origem, raça, cor, idade e qualquer outras formas de discriminação;” (BRASIL, 1988).

No inciso III, está exposto como objetivo fundamental à erradi- cação da pobreza e da marginalização e à redução das desigualdades sociais e regionais. Nesse contexto, aparece o objeto de estudo (Bolsa Família) como um meio para alcançar esse objetivo. E no inciso IV se tem o objetivo de promover o bem estar de todos, sem nenhum tipo de preconceito nem discriminação. Dessa forma vê-se que esse objetivo fundamental ainda está engatinhando, haja vista que, a discriminação ainda é muito visível em nossa sociedade.

Segundo o artigo 203; que está exposto da seguinte forma:

A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:

II-amparo às crianças e adolescentes carentes; III- promoção da integração ao mercado de traba- lho. (BRASIL, 1988).

Tal preceito constitucional é a grande chave da crítica apontada neste presente exposto, a ser abordada adiante.

Por fim, o artigo 204, em seu inciso I, aponta que as ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, ou seja, com o dinheiro de todos os contribuintes, tendo por diretrizes a descentralização político-administrativa e a participação popular.

As ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art. 195, além de outras fontes, e organizadas com base nas seguintes diretrizes:

I - descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal e a coordenação e a execução dos respec- tivos programas às esferas estadual e municipal, bem como a entidades beneficentes e de assistên- cia social. (BRASIL, 1988).