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ASSOCIAÇÃO DA ANCESTRALIDADE BIOGEOGRÁFICA AFRICANA COM FENÓTIPOS DE ASMA E ATOPIA EM CRIANÇAS

83 RESUMO

Asma e atopia são condições complexas, influenciadas pela interação entre fatores genéticos e ambientais. Iniquidades étnico-raciais têm sido extensamente relatadas para esses desfechos, com indivíduos de ascendência africana experimentado maiores prevalências, sobretudo em países desenvolvidos. Ademais, associações positivas entre a proporção de ancestralidade africana e asma e atopia foram previamente descritas, sendo hipotetizado que fatores genéticos subjacentes possam estar envolvidos. O presente estudo objetivou investigar a associação entre a proporção de ancestralidade individual africana e sintomas de asma, fenótipos de asma (asma atópica e não atópica) e atopia em crianças. Um estudo de corte transversal englobando 1190 indivíduos participantes do projeto Social Change

Asthma and Allergy in Latin America (SCAALA) - Salvador foi conduzido. A

ancestralidade biogeográfica africana foi estimada utilizando um painel de 370.539 SNPs genotipados ao longo do genoma. Níveis séricos de IgE específicos foram mensurados e testes de reatividade cutânea (SPT) realizados para os aeroalérgenos locais mais comuns. Informações sobre sintomas de asma foram obtidas pela aplicação do questionário do International

Study of Allergy and Asthma in Childhood (ISAAC). As associações entre a

proporção de ancestralidade individual africana e os desfechos investigados foram avaliadas através de modelos de regressão logística binária e politômica ajustados para variáveis sociodemográficas, ambientais, marcadores de infecções e fatores psicossociais. Cada aumento de 20% da proporção de ancestralidade individual africana foi negativamente associado com SPT positivo para pelo menos um aeroalérgeno (OR: 0,79; IC 95%: 0,66 - 0,96) e positivamente associado com sintomas de asma em indivíduos não atópicos (OR: 1,36; IC 95%: 1,01 - 1,84). Nós estimamos que 28,6% do efeito da ancestralidade africana sobre o SPT foi mediado por status socioeconômico e número de infecções, enquanto que 20,2% do efeito sobre sintomas de asma não atópica foi mediado por status socioeconômico e problemas comportamentais nas crianças. Nossos achados sugerem que a associação negativa da ancestralidade africana com atopia é provavelmente resultante de fatores ambientais e/ou sociais não observados que covariam com a ancestralidade. Já para a asma não atópica, putativas variantes genéticas de risco subjacentes à ancestralidade africana podem desempenhar algum papel.

INTRODUÇÃO

A asma e atopia são condições complexas resultantes da interação entre fatores genéticos, sociais e ambientais (1). Estima-se que 300 milhões de pessoas sejam afetadas pela asma no mundo, a qual está associada também com elevados custos de saúde através de atendimentos e hospitalizações (2, 3). A atopia, por sua vez, é um importante fator de risco para a asma alérgica e outras doenças, como eczema atópico, febre do feno e rinite alérgica (4). Desigualdades étnico-raciais para esses desfechos têm sido extensamente relatadas, principalmente em estudos conduzidos nos EUA e Europa (5-8). Interessantemente, embora esses estudos indiquem que a prevalência de asma e alergias é maior em indivíduos de ascendência africana vivendo em países desenvolvidos do que nos nativos daqueles países, uma menor prevalência desses desfechos é verificada nos países do continente africano comparativamente aos países desenvolvidos (9). Uma hipótese explicativa para esse aparente paradoxo é que indivíduos africanos ou com ancestralidade africana predominante teriam maior frequência de variantes genéticas que confeririam um padrão de reposta imunológica mais pró-inflamatório, como consequência do processo de adaptação evolutiva dos ancestrais africanos a um ambiente com alta carga de patógenos, sobretudo infecções helmínticas (10, 11). A diminuição da exposição a esses agentes infecto-parasitários resultante de melhores condições de higiene e da adoção de estilo de vida ocidentalizado faria com que essas variantes genéticas pró-inflamatórias previamente protetoras contra infecções atuassem como fatores de risco para o desenvolvimento de asma e alergias (12-14). Essa hipótese encontra respaldo em estudos de genética evolutiva que indicam que as infecções por patógenos atuaram como principal força seletiva para a composição genética das populações humanas atuais (15) e que vários genes submetidos à seleção dirigida por infecções helmínticas estão também envolvidos na susceptibilidade a asma (16). Ademais, diferentes estudos têm relatado um maior risco para asma e atopia com o aumento da proporção de ancestralidade individual africana (17-19).

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Contudo, a ancestralidade biogeográfica atua como um proxy não apenas para variantes genéticas, mas também para fatores socioeconômicos, ambientais e psicossociais que são desigualmente distribuídos entre os grupos étnico/raciais e que afetam decisivamente o status de saúde dos indivíduos (20, 21). Desse modo, estudos que busquem avaliar a associação entre a ancestralidade biogeográfica e asma e atopia devem levar em conta a influência desses importantes determinantes não genéticos que covariam com a ancestralidade. Nesse aspecto, o projeto SCAALA-Salvador (22) ocupa uma posição privilegiada, por dispor de uma série de informações relativas a status socioeconômico, variáveis ambientais, marcadores de infecções e fatores psicossociais numa coorte de crianças e adolescentes de um grande centro urbano do nordeste do Brasil, que apresenta uma marcante contribuição ancestral africana e uma das maiores prevalências de sintomas de asma registradas no mundo (23, 24). Além disso, como parte integrante do consórcio EPIGEN-Brasil, os indivíduos da coorte do SCAALA-Salvador possuem também dados de varredura genética em larga escala, permitindo estimar acuradamente a ancestralidade biogeográfica individual com base em milhares de marcadores amostrados ao longo do genoma (25).

Embora a associação entre a ancestralidade africana e asma tenha sido previamente reportada em outros estudos, a relação da ancestralidade africana com diferentes fenótipos de asma (asma atópica e asma não atópica) não foi avaliada até o presente momento. Essa investigação é importante uma vez que os fatores de risco e os mecanismos imunológicos implicados na asma atópica e não atópica provavelmente são distintos entre si (26-28). Ademais, de nosso conhecimento, nenhum estudo até o presente buscou avaliar os efeitos indiretos (mediação) de fatores socioeconômicos, ambientais e psicossociais na associação entre a ancestralidade africana e fenótipos de asma e atopia. Uma vez que o status socioeconômico mais baixo e variáveis indicadoras de condições ambientais e psicossociais mais precárias afetam o risco de atopia e asma em nossa população (26, 29, 30), é razoável supor que parte do efeito da ancestralidade africana sobre esses desfechos possa ser mediado por tais fatores.

Assim, o presente estudo buscou investigar a associação da ancestralidade individual africana com sintomas de asma, fenótipos de asma e atopia numa população urbana e altamente miscigenada da América Latina, levando em consideração a influência de fatores socioeconômicos, ambientais e psicossociais conhecidamente associados a esses desfechos e que covariam com a ancestralidade. Além disso, objetivou-se também quantificar a proporção do efeito da ancestralidade africana sobre esses diferentes desfechos que é mediada por status socioeconômico (renda familiar e escolaridade materna), carga de infecções e fatores psicossociais (problemas comportamentais nas crianças).

METODOLOGIA

Desenho e população de estudo

Estudo de corte transversal que incluiu 1190 de 1445 crianças acompanhadas no programa SCAALA (Social Change in Asthma and Allergies

in Latin America) - Salvador. Foram excluídas 255 crianças que apresentaram

dados faltantes para as variáveis analisadas. A cidade de Salvador, localizada na região nordeste do Brasil, possui uma população de 2,6 milhões de habitantes, dos quais mais de 80% são autodeclarados pardos ou pretos segundo último censo do IBGE em 2010. A população de estudo compreende uma coorte recrutada em 24 microáreas de bairros pobres distribuídos ao longo da cidade, originalmente acompanhada para avaliar o impacto de um programa de saneamento nas condições de saúde das crianças quando essas estavam com idades entre 0-4 anos (22). Os dados avaliados no presente estudo foram obtidos entre os anos de 1999 e 2005, sendo que as informações relativas aos sintomas de asma nas crianças, assim como as principais variáveis sociodemográficas e ambientais, foram coletadas por meio de questionários aplicados aos pais ou responsáveis no ano de 2005, quando essas tinham entre 4- 11 anos de idade. Variáveis referentes a fatores psicossociais

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esclarecido foi assinado pelos pais ou responsáveis de cada uma das crianças e o estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Saúde Coletiva da UFBA, sob número de registro 003-05/CEP-ISC.

Instrumentos e coleta de dados

Para a identificação de sintomas de asma, história familiar de alergias e exposição a alérgenos no ambiente utilizou-se o questionário traduzido e adaptado do International Study of Asthma and Allergy in Childhood (ISAAC), o qual tem sido validado internacionalmente (22) e também no Brasil (31).

A discriminação racial reportada foi mensurada através da aplicação do instrumento "Experiência de Discriminação" desenvolvido por Nancy Krieger (32). O questionário de discriminação racial foi aplicado a adultos responsáveis pelas crianças. Esse instrumento é composto por 17 itens de discriminação racial contendo respostas organizadas em quatro dimensões: a situação em que a discriminação aconteceu, a resposta dada ao tratamento injusto, preocupação com as questões raciais e questões globais. O instrumento foi submetido a processos de tradução e avaliação semântica e conceitual. As propriedades psicométricas demonstraram parâmetros adequados para a utilização em nossa população (33). A classificação dos pais ou responsáveis em relação ao perfil de discriminação racial foi realizada através da análise de classes latentes (LCA), conforme descrito anteriormente (33). A variável foi codificada como 0 para aqueles classificados como menos expostos a discriminação e 1 para os mais expostos.

O instrumento Self Reporting Questionnaire (SRQ-20) foi utilizado para avaliar a saúde mental dos pais ou responsáveis pelas crianças. Trata-se de um instrumento desenvolvido pela Organização Mundial da Saúde e que foi previamente validado para a população brasileira (34). Ele é composto por 20 perguntas com respostas dicotômicas (sim/não), que se referem à presença ou ausência de sintomas de depressão, ansiedade e distúrbios somáticos no mês anterior. Um ponto de corte de 8 respostas positivas foi estabelecido para a definição de casos suspeitos de distúrbios psiquiátricos menores, uma

condição que, embora não caracterizando um diagnóstico psiquiátrico, indica um grau significativo de sofrimento psíquico.

Problemas comportamentais nas crianças relatados pelos pais ou responsáveis foram mensurados por meio do instrumento CBCL (Child

Behavior Checklist), o qual foi apropriadamente traduzido e validado para a

população brasileira (35). Esse instrumento contém um total de 118 descrições englobando 8 subclasses de problemas comportamentais que são avaliadas de acordo com a sua apresentação e frequência nos últimos seis meses, usando- se 0 para "nunca", 1 para "às vezes presente" e 2 para "sempre presente". Para fins de análise, no presente estudo a presença de problemas comportamentais foi dicotomizada usando o valor de escore de 64 como ponto de corte, acima do qual os indivíduos foram considerados positivos para problemas comportamentais, conforme descrito anteriormente (30).

Um questionário sociodemográfico foi empregado para avaliar a natureza do contexto sócio-ambiental da criança através de variáveis como escolaridade materna, renda familiar, condições de saneamento básico e habitação, exposição à sujidade e características demográficas. Infecções (ou exposição prévia a patógenos) foram definidas pela presença de resultados positivos em testes sorológicos para IgG para 7 patógenos (Toxocara spp, T.

gondii, H. pylori, e os vírus EBV, hepatite A, Herpes simplex, Herpes zoster) e a

presença de ovos de helmintos intestinais nas amostras de fezes (A.

lumbricoides e T. trichiuris). Utilizou-se um limiar de 3 infecções ou menos para

distinguir carga de infecção leve de pesada, como relatado anteriormente (29).

Exposição principal

A proporção de ancestralidade africana individual foi estimada como descrito previamente (25). Brevemente, em virtude do padrão de miscigenação da população brasileira entre europeus, africanos e ameríndios, empregou-se um modelo tri-hibrido nas análises não supervisionadas realizadas no software ADMIXTURE (36). Como painéis externos (pseudoancestrais) foram utilizadas

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nativo-americanos do projeto Diversidade do Genoma Humano (HGDP) (38). Um total de 370.539 SNPs comuns às amostras dos projetos HapMap, HGDP e à população de estudo foram utilizados para as estimativas de ancestralidade individual.

Desfechos

A ocorrência de sintomas de asma nas crianças foi definida como a presença de sibilo nos últimos 12 meses em adição a uma das seguintes condições: diagnóstico clínico de asma alguma vez na vida, sibilo após fazer exercícios físicos nos últimos 12 meses, 4 ou mais episódios de sibilos nos últimos 12 meses e despertar à noite por causa de sibilos nos últimos 12 meses.

Os testes cutâneos (SPT, do inglês Skin Prick Tests) foram realizados no antebraço direito de cada uma das crianças usando extratos padronizados (ALK-Abello, São Paulo, Brasil) de Dermatophagoides pteronyssinus, Blomia

tropicalis, Blattella germanica, Periplaneta americana, fungos e pelos de gato e

de cachorro. Soluções salina e de histamina a 10 mg /mL foram utilizadas como controles negativos e positivos, respectivamente. As reações foram lidas após 15 minutos, e um tamanho de pápula média de pelo menos 3 mm maior do que a induzida pelo controle negativo foi considerado como resultado positivo.

A determinação das concentrações séricas de IgE específico para D

pteronyssinus, B tropicalis, B germânica e P americana foi realizada pelo uso

do ensaio ImmunoCAP (Phadia Diagnósticos AB, Uppsala Suécia). Crianças com uma concentração de IgE específico para qualquer um dos aeroalérgenos maior ou igual a 0,70 kU/L foram consideradas como tendo resultado positivo.

Os fenótipos de asma atópica e não-atópica foram definidos pela presença de sintomas de asma, conforme definido acima, na presença ou ausência, respectivamente, de um resultado positivo para SPT e/ou IgE específico para pelo menos um dos aeroalérgenos testados.

Covariáveis

As covariáveis consideradas no presente estudo foram: sexo e idade da criança, escolaridade materna, renda familiar, asma parental, frequência a creche alguma vez na vida, presença reportada de roedores no domicílio, exposição a mofo no domicílio, pavimentação da rua, presença de água encanada no domicílio, carga de infecção por patógenos, infecção por T

trichiuri até os 3 anos de idade, discriminação racial reportada pelos pais ou

responsáveis, transtornos psiquiátricos menores nos pais ou responsáveis e problemas comportamentais nas crianças. A maioria dessas variáveis tem sido associada com asma e atopia em diferentes estudos e são também associadas com a proporção de ancestralidade individual africana, conforme demonstrado no artigo 2. Por esse motivo, elas foram selecionadas como potenciais confundidores para as análises multivariadas.

Análises estatísticas

As associações entre a proporção de ancestralidade africana individual e os desfechos sintomas de asma, SPT e IgE específico para aeroalérgenos foram analisadas por meio de modelos de regressão logística binária multivariados. A associação da ancestralidade africana com os fenótipos de asma atópica e não atópica, por sua vez, foi analisada através de regressões logísticas politômicas multivariadas, conforme descrito anteriormente (26). As variáveis nominalmente associadas com os desfechos investigados foram introduzidas nos modelos multivariados utilizando o método backward, mantendo-se nos modelos finais as variáveis que permaneceram estatisticamente significantes. Variáveis usualmente referidas na literatura de asma e atopia como potenciais confundidores, além de sexo e idade, também foram mantidas nos modelos finais, independentemente da significância estatística. Medidas de Odds Ratio (OR) e seus respectivos intervalos de confiança de 95% foram calculados para mensurar a chance dos desfechos

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africana. Análises de mediação foram realizadas no módulo KHB do Stata (39) para avaliar em que extensão o efeito da ancestralidade africana sobre o SPT é explicada por fatores socioeconômicos e pela carga de infecções, e quanto do efeito da ancestralidade africana sobre a asma não atópica é explicado por status socioeconômico e problemas comportamentais nas crianças. O método KHB permite a comparação dos coeficientes de regressão estimados a partir de modelos não lineares aninhados, sendo o efeito indireto expresso como a diferença proporcional percentual do coeficiente de regressão da variável preditora (ancestralidade individual africana) nos modelos reduzido (sem mediadores) e saturado (condicionado pelos mediadores). Todas as análises estatísticas foram realizadas no Stata versão 12.0 (Stata Corporation, College Station, Texas, EUA).

RESULTADOS

Do total de crianças analisadas, 54,5% eram do sexo masculino, 37,9% eram menores de 5 anos, 34,5% tinham entre 6 e 7 anos e 27,6% tinham entre 8 e 11 anos. A maioria das mães (77,8%) estudou no máximo até o segundo grau incompleto e para 83,5% das crianças a renda familiar média foi igual ou inferior a 2 salários mínimos. A asma parental foi reportada por 13,4% dos entrevistados. A presença de mofo no domicílio foi de 68,7%, enquanto que 19,4% e 75,3% das crianças residiam em domicílios que nunca tiveram acesso a água encanada e pavimentação da rua ou, no máximo, tiveram em apenas um dos períodos considerados, respectivamente. A presença reportada de roedores no domicílio foi de 56,5% e 15,8% das crianças frequentaram creche em algum momento de suas vidas. A prevalência de carga pesada de infecção foi de 41,8% e 12,9% das crianças tiveram infecção por T. trichiura até os três anos de idade. Em relação às variáveis psicossociais, 36,8% dos pais apresentaram sintomas de transtornos psiquiátricos menores e a frequência de discriminação racial reportada pelos pais ou responsáveis foi de 8,5%, enquanto que 36,0% das crianças foram classificadas como tendo problemas comportamentais.

As análises multivariadas da associação entre a proporção de ancestralidade biogeográfica africana e os diferentes desfechos investigados são apresentadas na Tabela 1. Nos modelos ajustados para o sexo e a idade das crianças o aumento da proporção de ancestralidade individual africana foi negativamente associado com IgE específico >0,70 kU/L para pelo menos um aeroalérgeno (OR: 0,84; IC 95%: 0,70 - 0,99), SPT positivo para pelo menos um aeroalérgeno (OR: 0,71; IC 95%: 0,59 - 0,85) e positividade para ao menos um desses marcadores de alergia (OR: 0,80; IC 95%: 0,68 - 0,95). Uma associação positiva, por outro lado, foi observada entre a proporção de ancestralidade africana e a ocorrência de sintomas de asma (OR: 1,23; IC 95%: 1,01 - 1,49). Nas análises ajustadas para potenciais confundidores da associação entre a ancestralidade africana e esses desfechos, contudo, apenas os resultados para SPT positivo (OR: 0,79; IC 95%: 0,66 - 0,96) e positividade para sIgE e/ou SPT (OR: 0,84; IC 95%: 0,71 - 0,99) permaneceram estatisticamente significantes, enquanto que para sintomas de asma (OR: 1,15; IC 95%: 0,93 - 1,42) e sIgE (OR: 0,87; IC 95%: 0,73 - 1,04) as associações perderam significância estatística.

Na Tabela 2 são apresentados os resultados da regressão politômica para o desfecho fenótipos de asma. Nas análises ajustadas para sexo e idade o aumento da proporção de ancestralidade africana foi positivamente associado com sintomas de asma em indivíduos não atópicos (OR: 1,47; IC 95%: 1,10 - 1,95). Essas associações permaneceram estatisticamente significantes após ajustes para potenciais confundidores (OR: 1,36; IC 95%: 1,01 - 1,84). Por outro lado, nenhuma associação significante foi observada entre a ancestralidade africana individual e sintomas de asma em indivíduos atópicos.

Análises de mediação foram conduzidas para quantificar a proporção do efeito total da ancestralidade africana sobre o SPT mediada pela renda mensal familiar e número de infecções (Figura1 A), como também a proporção do efeito total da ancestralidade africana sobre sintomas de asma em não atópicos mediada através da escolaridade materna e problemas comportamentais nas

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infecções. Já para sintomas de asma em não atópicos observou-se uma menor proporção do efeito indireto, com apenas 20,2% do efeito total da ancestralidade africana sendo explicado pela escolaridade materna e problemas comportamentais nas crianças.

DISCUSSÃO

No presente estudo nós relatamos uma associação negativa entre a ancestralidade individual africana e atopia e descrevemos, pela primeira vez, a associação entre ancestralidade africana e fenótipos de asma, verificando uma relação positiva com asma não atópica. De nosso conhecimento, esse é o maior e um dos primeiros estudos a investigar a associação entre a ancestralidade individual africana e sintomas de asma, fenótipos de asma e atopia numa população da América Latina.

Associações positivas e significantes entre a proporção de ancestralidade biogeográfica africana e asma independente do status de atopia foram previamente reportadas para populações afro-americanas (17, 40), caribenhas (19, 41) e grupos latinos dos EUA (18). Em nossa população, nos modelos ajustados para sexo e idade apenas, uma associação positiva entre a ancestralidade individual africana e sintomas de asma também foi observada. Contudo, essa associação não se manteve significante nas análises multivariadas, o que está em concordância com o relatado por outros autores (42, 43). Além disso, nossos resultados demonstram a importância de se considerar o impacto de potenciais confundidores na análise de associação entre ancestralidade e asma, uma vez que ajustando unicamente para a idade e sexo, como feito em outros estudos (17, 41), uma associação significante e provavelmente resultante de confundimento residual foi observada. Vale ressaltar, contudo, que a ancestralidade africana foi independentemente associada com o risco de asma em estudos que consideraram a influência de status socioeconômico (19) além de variáveis relacionadas a exposições ambientais diversas no período pré-natal e primeira infância (40). Ademais, no maior estudo conduzido até o momento e que além do status socioeconômico

levou em consideração o impacto de exposições ambientais e de fatores