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ASSOCIAÇÕES DE CARVOEIROS COMO PARCEIROS DE PROJECTO

No documento PRODUÇÃO SUSTENTÁVEL DE CARVÃO VEGETAL (páginas 40-46)

4. QUADRO INSTITUCIONAL E SOCIAL E A PRODUÇÃO DE CARVÃO

4.2. ASSOCIAÇÕES DE CARVOEIROS COMO PARCEIROS DE PROJECTO

Qualquer um dos projectos propostos, para ser sustentável enquanto negócio que seja assegurado o fornecimento continuado e fluido de matéria-prima, para tal o acesso à matéria- prima e/ou parceiros locais é fundamental. Este objectivo pode ser assegurado por três vias. A primeira consiste em requerer uma licença de concessão florestal para explorar os recursos madeireiros de uma certa região (§4.1.2). Em geral, esta licença é fornecida para áreas de 1000- 100000ha e a investidores interessados em comercializar madeiras preciosas e semi-preciosas para exportação (1ª, 2ª e 3ª Classe). No entanto, a seguir esta opção é recomendável requerer a licença de concessão para explorar uma área rica em espécies de 4ª Classe, ou de Mopane em Gaza que sendo de 1ª Classe por contingências locais (§3.2.2).

Outra opção é negociar com operadores que já tenham uma licença de exploração de uma

concessão. Em Gaza há só um operador nestas condições, a Maderarte, que tem licença para

explorar 4000ha na região de Manjakase e 3000ha na região de Chibuto. É possível negociar com este operador para obter madeira de 4ª Classe na sua concessão, ainda que tal requeresse que o plano de maneio da Maderarte tivesse de ser actualizado para incluir a exploração deste recurso florestal (Entr. Mário Beca 2014). Existem de momento mais duas empresas que iniciaram junto da DPA de Gaza o processo para obter uma licença de concessão para a produção e exportação exclusiva de combustível lenhoso.

É também possível negociar com as 26 associações de carvoeiros (ACs) e os cerca de 384 carvoeiros independentes do sector privado que operam em Gaza. Embora haja várias associações, na tab. 4.3 apenas estão listadas as mais activas e ainda registadas na DPA ou no Serviços Distritais de Actividades Económicas (SDAE).

TABELA 4.3-Detalhes das Associações de Carvoeiros a operarem em Gaza [Fonte: DPA 2014].

# NOME DA ASSOCIAÇÃO DISTRITO ZONA DE EXPLORAÇÃO Nº DE MEMBROS

1 Chicualacuala B Chicualacuala Chicualacuala 53

2 Hitalhula Dingue Chicualacuala Dingue N/A

3 Hitalhula Varime-Mapuvule Chicualacuala Mapuvule 20

4 Kulh- Núcleo de Mabuiapanse Mabalane Mabuiapanse N/A

5 Kulh- Núcleo Nhone Mabalane Nhone 89

6 Kulhu- Núcleo de Niza Mabalane Niza N/A

7 Kulhuvuca Chitlavane Mabalane Nhatimamba N/A

8 Kulhuvuka- Núcleo de Djodjo Mabalane Djodjo 26

9 kulhuvuka- Núcleo de Dluze Mabalane Mabuiapanse N/A

10 Kulhuvuka- Núcleo de Chithavanine Mabalane Nhatimamba 32

11 Kulhuvuka- Núcleo Mavumbuque Mabalane Mavumbuque 86

12 Kulhuvuka-Núcleo de Macarale Mabalane Macarale N/A

13 Kulhuvuka-Núcleo de Nwamandzele Mabalane Nwamandzele 12

14 Ligomo Chicualacuala Ligomo 33

15 Mafacitela Chicualacuala Mafacitela 15

16 Marhave- Sungantcheca Chicualacuala Songantcheca 20

17 Mepuze Chicualacuala Mepuze 70

18 Mucachane Chicualacuala Mucachane N/A

19 Pfucane Litlatla Chicualacuala Litlatla 41

As ACs (tab. 4.3) estão localizadas maioritariamente nos distritos de Mabalane e Chicualacuala estrategicamente alinhadas com da estrada principal e linha de caminho de ferro que atravessa o distrito (fig. 4.3-4.4).

Figura 4.3- As áreas de produção das [Fonte:os Autores com dados da DPA de Gaza].

Figura 4.4- Detalhe da localização e dimensão da área de exploração das Associações de

Mucachane, Ligone e Mepuze [Fonte:Martins com Dados da DPA de Gaza].

Cada AC possui uma licença simples de exploração de 500ha (fig. 4.5) e estão autorizados por lei a extrair por ano 1000 esteres (1m3) de madeira ou 1000 sacos de carvão de 75kg cada em 5 anos, ou seja, estima-se que no total as ACs operavam em 2014 com cerca de 20106.90ton de lenha por ano de forma legal. Os produtores privados, cada um na posse de licenças simples em tudo iguais às das ACs, operam com 282159.38ton de lenha por ano (tab. 4.4), quantidade que

poderia também ser usada pelo projecto. Tal como os representantes das ACs os produtores privados também vêm vantagens em participar no projecto. A biomassa produzida por ambos poderia ser usas em qualquer um dos projectos.

TABELA 4.4-Resumo da capacidade de produção de biomassa florestal por agente (Associações de Carvoeiros ou Carvoeiros privados) na Província de Gaza [Fonte: DPA 2014].

ENTIDADE DISTRITO Nº DE AGENTES [Associações] [Privados] ÁREA TOTAL CONCESSÃO [ha] Nº DE ESTERES LENHA DISPONÍVEL1 [1000kg] Associações De Carvoeiros Mabalane 12 6000 12000 8936.40 Chicualacuala 13 7000 14000 10425.80 Guijá 1 500 1000 744.70 TOTAL ASSOCIAÇÕES 26 13500 27000 20106.90 Carvoeiros Independentes Privados Guijá 17 8000 17000 12659.90 Chibuto 11 5078 9500 7074.65 Chigubo 147 73355 144190 107378.29 Mabalane 192 63227 192200 143131.34 Chicualacuala 15 7500 15000 11170.50 Massangena 2 1000 1000 744.70 TOTAL PRIVADOS 384 158160 378890 282159.38

NOTA: 1- considera-se o volume de 1 estere igual a 1m3, a densidade do Mopane como 1064kg/m3 e aplica-se um factor correctivo de 0.7 (Entr. Mário Falcão 2014).

Regressando à tab. 4.3, os números ai avançados de membros foram confirmados na DPA mas nas entrevistas com grupos focais os números avançados foram distintos. No caso da Kulhuvuka, uma associação mãe de vários núcleos, foi afirmado que a associação teria cerca de 1410 membros carvoeiros. Não ficou muito claro se este número também incluía funcionários de membros ou contratados provisórios. Estas associações gozam to estatuto de "associações de benefício público", uma espécie de cooperativas do sector sem fins lucrativos. A criação das ACs (muitas por iniciativa da DPA) tinha como objectivo tentar incutir algum grau de formalismo na produção de carvão usando actores locais. Neste esquema as ACs teriam um papel de regulador do sector ao nível local, favorecendo as comunidades e carvoeiros locais, agindo como frente comum em assuntos do interesse dos associados e controlando os limites impostos junto dos seus associados. As ACs serviriam então como interlocutor privilegiado da DPA ou SDAE e possivelmente como recipiente de fundos relacionados com o carvão, maneio florestal e maneio comunitário de recursos naturais. Em termos de organigrama interno, com pequenas variações, todas as ACs tem um presidente, um ou mais vice-presidentes com ou sem pelouro, um tesoureiro e algumas também têm secretário-geral. Por regra as ACs também possuem uma assembleia-geral entre membros e encontros locais e regionais entre presidentes

de ACs. Obter informação escrita das actividades, contas ou projectos destas ACs não é tarefa fácil. O elevado grau de iliteracia (§3.3), as longas distancias a percorrer em caso de reunião, a falta de transporte e pura falta de prática parecem ser as razões para a presente situação. De qualquer modo, na ausência de memória institucional, as ACs ficam assim dependentes de alguns actores chave, normalmente do presidente. Nestas situações fica complicado distinguir a AC do seu presidente e abre-se espaço a comportamentos pouco democráticos, e mesmo de abuso de posição em algumas zonas. Por outro lado não ficou muito claro qual o poder que as ACs têm sobre os seus associados. Em muitos momentos a as ACs parecia uma forma de legitimar e formalizar relações de poder pré-existentes ao mesmo tempo que permitiam aos seus membros acesso rápido e legal às desejadas licenças. Noutros locais, particularmente nos mais remotos, com uma rede social mais densa ou onde a produção de carvão ainda não chegou de forma permanente e intensa as ACs e os seus lideres parecem estar a ter um papel forte na regulamentação da actividade e na salvaguarda das comunidades e floresta locais. Saber se as ACs poderiam dar um suporte institucional aos projectos propostos por este trabalho é uma das questões mais prementes a ser resolvida no caso de uma eventual proposta de NAMA já que algumas das propostas requerem (de forma implícita e explicita) a participação das comunidades locais, do sector privado local e, em todo o momento, de carvoeiros. Nesse sentido, a solução parece passar pelo gradual, mas honesto, envolvimento e participação responsável das ACs no processo de decisão dos projectos. Esta iniciativa já mostrou que com a facilitação adequada e as ferramentas próprias é possível realizar design participado de projectos e sistemas de bioenergia de qualidade, o próximo passo passa por mostrar que o mesmo esquema pode ser usado para implementar projectos e desenhar NAMAs.

Outra questão levantada na consideração das ACs como parceiros institucionais e operacionais locais era saber se as ACs seriam capazes de melhorar ou ampliar o seu potencial e capacidade. Acreditamos que esta questão está muito dependente do interesse que os projectos gerarem nas ACs e seus membros, ou, de outro modo, se os projectos serão capazes de gerar uma onda positiva de aceitação social seguida de envolvimento activo nos projectos.

O carvão tem trazido, pelo menos para alguns carvoeiros, imensas melhorias na qualidade de vida (Entr. Sophia Baumer 2014). Um estudo recente realizado por um dos autores revelou que no distrito de Mabalane, o carvão é a primeira actividade geradora de renda, e é tida como uma actividade apetecível apesar de todos os custos físicos que requer. Por outro lado muitos carvoeiros começam a entender o carvão para lá de uma estratégia de geração de renda, mas sim como um negócio ao qual podem associar outros, numa estratégia de integração ou financiamento mútuo. Em particular há muito interesse em tecnologias mais eficientes que possam rentabilizar melhor o esforço depositado na realização do forno. Além do argumento

económico os carvoeiros também vêm vantagens em participarem no projecto com a poupança de tempo que pode ser usado noutras actividades: "[participando no projecto] fica mais fácil para nós porque vai reduzir o tempo necessário para fazer o forno e tomar conta dele, e assim podemos aproveitar para fazer agricultura e outras actividades económicas" (Entr. Madliwa Hochane 2014). Apesar de todo este interesse é importante contextualizar o entusiasmo. É muito raro ouvir argumentos ambientais, ecológicos ou de estratégia a longo prazo nas conversas com os membros ou dirigentes das ACs. O interesse é sempre bastante oportunista e focado no ganho imediato. Em si, não é um defeito, no entanto os projectos propostos requerem algum grau de empenhamentos, dedicação e apresentam planos de negócios que não são de ganho imediato (e.g. os briquetes) e isso pode causar frustração e desmobilização. O mesmo se passa com a tecnologia. O primeiro impulso é sempre de curiosidade e interesse, porque acredita-se que uma máquina pode sempre trazer benefícios, nem que seja algum estatuto pessoal. No entanto os carvoeiros e seus pares, não são de tomar muitos riscos ou de serem pioneiros se não tiverem uma experiencia prática verdadeiramente reveladora. Há dois aspectos a considerar na genuinidade do apoio social e pratico aos projectos. O primeiro é político. Muitos dos carvoeiros são, ou tem laços com, as autoridades politicas locais. O entusiasmo inicial e participação nas reuniões pode ser sempre parte do "charme" para investimento e não reflector um genuíno interesse de participar pro-activamente. O segundo aspecto é o alcoolismo. Existe nas áreas visitadas, uma forte incidência deste problema social. Não é incomum, particularmente com carvoeiros assalariados, que sóbrios declarem interesse, e ébrios declarem interesse em serem pagos por participarem.

Deste modo embora haja um reconhecido interesse e, em muitos, real interesse, deverá haver sempre alguma forma de verificar o empenho e proporcionar oportunidades e experiencias "faça-você mesmo". A ideia é ir seleccionando os actores locais que partilham as mesmas ideias que o projecto ao mesmo tempo que são envolvidos, i.e., assumem riscos, no modelo de negócio e na implementação dos projectos. Este envolvimento deve ser feiro de forma gradual e sempre usando a tecnologia como ferramenta de diálogo e troca de conhecimento. A implementação de pequenos projectos tecnológicos em que se promove o experimentalismo e a troca mútua de ideias parece ser o caminho a seguir.

Uma situação semelhante ocorre com as comunidades carvoeiras. É notório, pelo menos a nível físico, notórias melhorias com a vinda do carvão. Pequenos negócios ganham vida e aumenta o número de motas. O carvão é, em muitas zonas, o único emprego não-agrícola, e provavelmente mais bem pago. Por isso qualquer projecto que venha é sempre bem-vindo, mas nem sempre esse entusiasmo acompanha o empenho e dedicação.

Convém ainda referir que para além das categorias de agentes de produção mencionados acima (ACs e Provados) existem outras formas de classificar os intervenientes locais na produção de carvão. Existem por exemplo carvoeiros ocasionais que não possuem licença de todo, e que podem optar por a "alugar" ou simplesmente produzir carvão sem licença.

No documento PRODUÇÃO SUSTENTÁVEL DE CARVÃO VEGETAL (páginas 40-46)

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