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a Astrologia e as Dimensões do Ser

categórico: "se ele não se vir"... isto é, se ele jamais se contemplar, se não admirar sua própria imagem, poderá viver um longo tempo...

Mas, como isso é impossível, um dia, Narciso, voltando sedento de uma caçada, debruçou-se sobre o espelho das águas de uma límpida fonte e, pela primeira vez, viu-se refletido... Extasiado com a própria imagem, não mais pôde afastar-se dali e, tentando mergulhar na ilusória busca de si mesmo e agarrar-se à sua deslumbrante figura, mergulha demais nas águas da fonte e morre precocemente... o que é relatado, magistralmente, nos versos de Ovídio, em Metamorfoses, III, 414-428:

... "Admira tudo quanto admiram nele. Em sua ingenuidade deseja a si mesmo.

A si próprio exalta e louva. Inspira ele mesmo os ardores que sente. E uma chama que a si próprio alimenta.

Quantos beijos lançados às ondas enganadoras! Para sustentar o pescoço ali refletido, quantas vezes Mergulhou inutilmente suas mãos nas águas.

O mesmo erro que lhe engana os olhos, acende-lhe a paixão. Crédulo menino, por que buscas, em vão, uma imagem fugitiva?

O que procuras não existe. Não olhes e desaparecerá o objeto de teu amor. A sombra que vês é um reflexo de tua imagem.

Nada é em si mesma: contigo veio e contigo permanece. Tua partida a dissiparia, se pudesses partir...

Inútil: sustento, sono, tudo esqueceu.

Estirado na relva opaca, não se cansa de olhar seu falso enlevo, E por seus próprios olhos morre de amor."

Procuraram seu corpo e nada encontraram; em seu lugar, nasceu uma singela flor amarela, circundada de pétalas brancas — o narciso.

O final trágico dessa história é a descoberta de que sua paixão é um auto-amor, um amor pelo sujeito da ação e não pelo objeto, em que não há o outro, o que resulta numa "reflexão patológica".

Duas palavras poderiam ser detalhadas porque estão em relevo nesse mito de significados solares específicos: os vocábulos espelho e refletir, ambos inerentes à luz solar e decorrentes de sua atuação.

Seguindo ainda as aulas do "enciclopédico" Junito Brandão, que reuniu magníficas interpretações de Freud, Jung, Carlos Byington e outros, eis uma síntese das idéias-chave:

Refletir — do verbo "reflectere" é formado do prefixo re = novamente, e

flectere = curvar-se, que, etimologicamente, significa inclinação e/ou voltar

para trás. O termo reflexão, segundo Jung, "não deve ser entendido como simples ato de pensar, mas como uma atitude...", "a reflexão é um ato espiritual de sentido contrário

ao desenvolvimento natural, isto é, deter-se, procurar lembrar-se do que foi visto, colocar-se em relação a um confronto com aquilo que acaba de ser presenciado, portanto, uma tomada de consciência."

Donde se conclui que, quando Narciso se viu refletido no espelho das águas, enfrentou um perigo, prendeu-se a sua "imago", deteve-se petrificado porque não compreendeu o que via e deixou-se levar pelo que era uma "reflexão patológica". Tornou-se prisioneiro do tabu da vaidade e do excessivo auto-amor, o que Jung chamou de "instinto de reflexão" — quando a libido cessa de mover-se em direção ao outro e sofre uma psiquização ou atividade endo-psíquica". E, assim, o jovem grego permaneceu frio, auto-suficiente, indiferente aos amores que despertava entre deusas, ninfas e mortais. Vivendo ou morrendo, a partir daí, em total solipsismo.*

Espelho — do latim "speculu". Fig. Imagem, representação, reflexo.

"Mas afinal que é o espelho? Peguemos um espelho. Olhando-o, captamos dele a nossa imagem. Atentemos à imagem: podemos achar que nos corresponde, mas a imagem não é o que somos. Portanto, espelho é o lugar a partir do qual, especulando, colhemos o que somos e o que não somos". (Um enfoque neoplatônico de espelho do Professor Manuel Antônio de Castro.)

Segundo uma lenda dos índios peles-vermelhas, "o homem nunca se vê como realmente é, simplesmente porque ele está atrás de sua própria face". Portanto, ninguém conhece sua verdadeira figura, pois o que aparece refletido no espelho é a sua auto-imagem, porém, invertida.

Em face do exposto, o espelho é um símbolo muito rico e pode funcionar, nos seres menos evoluídos, como um convite um tanto sinistro para contemplar- se, maravilhar-se e enamorar-se de seu reflexo, confundindo auto-estima e amor- próprio com um excessivo narcisismo, gerador da faceta mais sombria e negativa do Sol — o "EGO Solar" problematizado. Essas criaturas desviam a luz e o amor, retroagindo para um endeusamento patológico do ego, incompatível com a natureza expansiva e generosa do Sol.

De tudo isso, conclui-se que a imagem refletida dos "Narcisos", nos espelhos da vida, continua bem viva entre nós e, principalmente, naqueles embevecidos consigo mesmos — indivíduos narcisistas que, na linguagem milenar da Astrologia, são apenas seres ofuscados pelo uso descomedido da luz do Sol.

..."O termo narcisismo é usado na psicologia para descrever a pessoa que é

incapaz de se relacionar com outra pessoa que não ela mesma. Isso costuma resultar de uma criação em que a criança é mimada e paparicada, mas nunca é realmente vista como um indivíduo e, portanto, nunca aprende a se ver como é..."

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Astrologia e as Dimensões do Ser

..."Esse mito nos adverte para o fato de que essa obsessão consigo mesmo pode levar à estagnação e à perda de todo o crescimento futuro e do potencial criativo — em outras palavras, há uma morte psicológica..." ..."A autocentração natural da criança, temperada com uma consciência crescente dos limites e com a comunicação sincera da família, acaba por evoluir para uma auto-estima sadia. Todos nós precisamos nos sentir especiais e amados, mas em relação a quem realmente somos, e não a uma fantasia idealizada de perfeição..."

Liz Greene e Juliet Sharman-Burke

Uma Viagem Através dos Mitos

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