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4.4 Penetração de íons agressivos

4.4.2 Ataque de íons cloreto

O ataque de íons cloreto é reconhecidamente uma das principais causas de deterioração de estruturas de concreto armado por acelerar a corrosão do aço. Quando expostas a ambientes ricos em cloreto, as estruturas de concreto têm sua vida útil drasticamente reduzida (DEBY et al., 2009; PAUL et al., 2015). Além da corrosão do aço, estudos indicam que a exposição a concentrações elevadas de cloreto pode levar a danos e até ao colapso da pasta de cimento devido a alterações químicas, físicas e mecânicas no material, com a formação de sais complexos de cloro (GALAN et al., 2015).

Os íons cloreto penetram em materiais a base de cimento e podem estar presentes de três formas: a) ligados quimicamente às fases AFm do cimento hidratado; b)

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adsorvidos nas lâminas do C-S-H ou; c) na forma de íons livres na água dos poros do cimento hidratado. Os íons livres são capazes de se mover e acelerar a corrosão das estruturas de aço. No entanto não há na literatura um consenso sobre as proporções de cloreto quimicamente ligado, adsorvido ou presente na forma de íons livres (MARUMO, 1997; DE WEERDT et al., 2015; OGIRIGBO e UKPATA, 2017; SHI et al., 2017).

Quando o cloreto se liga quimicamente às fases AFm do cimento, podem ser formados diversos sais. O sal de Friedel (Ca3Al2O6·CaCl2·10H2O) e o sal de Kuzel

(Ca3Al2O6·0,5CaSO4·0,5CaCl2·12H2O) são os mais comumente estudados (DEBY et al.,

2009; BALONIS et al., 2010). Outros compostos encontrados em cimentos expostos a cloretos são os oxicloretos ou hidroxicloreto de cálcio (xCa(OH)2.yCaCl2.zH2O), que

podem se formar na matriz cimentícia e causar expansão e fissuras no cimento endurecido (GALAN et al., 2015).

A natureza e extensão das reações entre os cloretos e as fases do cimento dependem da temperatura, da concentração de cloreto, do pH do meio e do cátion associado ao cloreto (FARNAM et al., 2015; GALAN et al., 2015).

Em relação à concentração, GALAN et al. (2015) afirmaram que em concentrações pequenas (tipicamente milimolares), ocorre apenas a formação do sal de Friedel e que em concentrações mais altas ocorre a formação dos oxicloretos. Já BALONIS et al. (2010), DEBY et al. (2009) e FARNAM et al. (2015) afirmaram que em concentrações pequenas apenas o sal de Kuzel se formaria, enquanto que concentrações altas de cloreto levavam à formação apenas de sal de Friedel.

O sal de Friedel é um composto de fase AFm com cloreto como ânion e sua fórmula é C3A.CaCl2.H10. O sal de Kuzel é um composto ordenado de fase AFm com

sulfato e cloreto como ânions, com proporção molar ideal de [Cl]/[SO4] de 2:1 e sua

fórmula química é C3A.0,5CaCl2.0,5CaSO4.H12. O sal de Kuzel é considerado um

intermediário do sal de Friedel quando ocorre a penetração de cloreto, uma vez que ele só ocorreria em concentrações muito baixas (BALONIS et al., 2010; DE WEERDT et al., 2015; PAUL et al., 2015)

Os dois sais são substituições de íons carbonato ou sulfato em fases AFm. As reações do cloreto como o monocarbonato (C3A.CaCO3.H11), o hemicarbonato

(C3A.0,5CaCO3.0,5Ca(OH)2.H12) e o monossulfato (C3A.CaSO4.H14) para a formação do

sal de Friedel estão apresentadas nas equações 4.4-7, 4.4-8 e 4.4-9, respectivamente. (BALONIS et al., 2010; PAUL et al., 2015). A reação de dissolução/formação do sal de Kuzel está apresentada na equação 4.4-10.

117 Ca3Al2O6·CaCO3·11H2O + 2 Cl-  Ca3Al2O6·CaCl2·10H2O + SO42- + 2H2O 4.4-7 Ca3Al2O6·0,5CaCO3·0,5Ca(OH)2·11H2O + 2 Cl-  Ca3Al2O6·CaCl2·10H2O + 0,5 CO32- + OH- + H2O 4.4-8 Ca3Al2O6·CaSO4·12H2O + 2 Cl-  Ca3Al2O6·CaCl2·10H2O + SO42- + 2H2O 4.4-9 Ca3Al2O6·0,5CaSO4·0,5CaCl2·12H2O 

4Ca2+ + 2AlO2- + Cl- + 0,5SO42- + 4OH- + 10H2O

4.4-10

Alguns trabalhos recentes indicam que esses sais se formam em substituição apenas às fases AFm monocarbonato e monossulfato, indicando inclusive que os sais de Friedel e Kuzel não se formam se essas fases não estão presentes no cimento hidratado (PAUL et al., 2015; SHI et al., 2017).

Outros estudos, no entanto, indicam que pode ocorrer a formação do sal de Friedel pela reação com a etringita. A etringita normalmente é formada durante a hidratação e depois consumida para formar o monossulfato. No entanto, alguns materiais à base de cimento podem conter esse mineral em idades avançadas (devido ao excesso de sulfato na formulação e ao ataque de sulfatos, entre outros). A reação de cloreto com a etringita para a formação do sal de Friedel está apresentada na equação 4.4-11 (HEISIG et al., 2016). A reação do cloreto com a etringita libera íons sulfato em maior proporção que a reação com monossulfato.

Ca3Al2O6·3CaSO4·32H2O + 2Cl- 

Ca3Al2O6·CaCl2·10H2O + 2 Ca2+ + 3SO42- + 22H2O

4.4-11

A formação do sal de Friedel tem potencial para retardar a difusão dos íons para o cimento e reduzir a proporção de [Cl-]/[OH-] na fase aquosa, uma vez que sua formação pode bloquear os poros do cimento. Se a penetração de cloreto ocorre ainda durante a hidratação do cimento, a formação do sal de Friedel aumenta a resistência do material em curto prazo (nos primeiros dias da hidratação) devido ao bloqueio dos poros. No entanto, a exposição continua a íons cloreto diminui a resistência mecânica do material ainda nos primeiros meses após a sua confecção (OGIRIGBO e UKPATA, 2017).

Os oxicloretos se formam pela reação com a portlandita e água, conforme reação apresentada na equação 4.4-12. Os sais formados são expansivos e provocam uma diminuição inicial na porosidade do material, seguido de aumento das micro-fraturas da

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matriz de cimento. Em presença de íons carbonato, fases carbonatadas podem ser formadas. Além disso, o consumo da portlandita leva à diminuição do pH do meio (GALAN et al., 2015).

2 Cl- + 4 Ca(OH)2 + 12 H2O  3Ca(OH)2·CaCl2·12H2O + 2OH- 4.4-12

A composição das fases oxicloretos pode ser variada, dependendo de efeitos como a evaporação e a temperatura de formação. GALAN et al (2015) reportou que fases com apenas uma molécula de água (3Ca(OH)2·CaCl2·H2O) ou sem água

(3Ca(OH)2·CaCl2) podem ser encontradas em diferentes estudos na literatura, dependendo

das condições ambientais.

Em seu trabalho, GALAN et al. (2015) indicaram que o sal de Friedel e o hidroxicloreto de cálcio coexistem, junto com a portlandita, em materiais expostos a altas concentrações de cloreto em temperaturas acima de 55ºC. Como não ocorre perda de massa, a expansão é, provavelmente, devida à formação do hidroxicloreto de cálcio. Além disso, sugerem que o C-S-H pode liberar cálcio em ambiente com alta concentração de cloreto para a formação desses compostos.

O estudo de OGIRIGBO E UKPATA (2017) mostrou resultados que condizem com a diminuição da resistência em longo prazo. Foi observado também que a cura prolongada em condições controladas e a adição de escória de alto forno ao cimento melhoram o desempenho do material, aumentando a sua resistência mecânica em longo prazo e diminuindo a penetração de cloreto (OGIRIGBO e UKPATA, 2017).

O cátion associado ao cloreto, quando ocorre a penetração de águas agressivas ao cimento, também pode influenciar o comportamento do cloreto. Cátions diferentes como magnésio, cálcio e sódio podem alterar o pH da solução e alterar a solubilidade de diversos compostos (FARNAM et al., 2015).

Estudos indicam que a diminuição do pH da solução dos poros (como o que ocorre quando há cátions cálcio e magnésio) aumenta a quantidade de íons cloreto adsorvida no C-S-H. A diminuição do pH também acarreta na diminuição de íons hidroxila nas camadas do C-S-H e aumenta o número de sítios livres para a adsorção do cloreto (DE WEERDT et al., 2015; SCHWOTZER et al., 2016).

A ação de cloreto também se altera na presença de outros ânions que podem ―competir‖ com ele, como sulfato e carbonato. A influência dos demais íons na formação

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dos sais de Friedel e de Kuzel será discutida mais a frente, na sessão que trata da sinergia dos fatores sobre o cimento.