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Em um repositório para rejeitos radioativos, a vida útil é grande o suficiente para se supor que, em algum momento, água subterrânea vai penetrar e entrar em contato com o material cimentício. Quando isso ocorre, os principais efeitos associados à penetração de água subterrânea são a degradação química pela lixiviação de cálcio e de hidróxido do cimento, acompanhado da penetração de íons agressivos, como sulfato, cloreto, carbonato, magnésio etc. (ROZIÈRE e LOUKILI, 2011).

A cinética da degradação pela penetração de água depende da microestrutura do material, da natureza química e temperatura da solução agressiva e do fluxo de água na região. A degradação é acelerada em águas desmineralizadas e águas ácida (BUZZI et al., 2008; XIE et al., 2008; ROZIÈRE e LOUKILI, 2011).

A degradação do material exposto à penetração de água é controlada por dois processos principais: o primeiro refere-se à dissolução dos compostos hidratados do cimento e precipitação em reações químicas variadas que ocorrem no material. O segundo mecanismo é referente à difusão das espécies dissolvidas nos poros a o transporte dos íons para fora do cimento. A cinética da degradação depende da cinética desses dois processos (NGUYEN et al., 2007a; XIE et al., 2008).

A solução dos poros do cimento é altamente carregada de íons de álcalis, Na+ e K+, e de OH- e Ca2+. O contato da água subterrânea com essa solução gera gradiente de concentração dos íons e o transporte das espécies entre as soluções, levando a processos de dissolução e precipitação de fases sólidas no material (FAUCON et al., 1998).

Alguns íons são mais solúveis e, portanto, mais susceptíveis à lixiviação. No cimento, o elemento mais solúvel é o cálcio, que apresenta grande lixiviação quando o cimento entra em contato com a água. O silício também apresenta certa dissolução, enquanto o alumínio é o elemento menos solúvel. O ferro e o magnésio não são lixiviados e sua concentração relativa no cimento degradado é maior (FAUCON et al., 1996)

A lixiviação de cálcio pela água leva a dois fenômenos principais: a dissolução da portlandita e uma descalcificação progressiva do C-S-H. Além da portlandita, ocorre também a perda das fases AFm e AFt. Em conjunto com a perda de silício, podem ocorrer no C-S-H a dissolução e a substituição iônica nesse composto, com consequente diminuição da proporção Ca/Si. A lixiviação em longo prazo de cálcio leva a alterações nas propriedades macroscópicas e na microestrutura do cimento (CARDE et al., 1996; FAUCON et al., 1996; MAINGUY et al., 2000; KURUMISAWA et al., 2017).

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A penetração de água leva à formação de uma frente de degradação, partindo da superfície em direção ao centro do material. A perda de cálcio, de portlandita e do C-S- H pode ser observado pela diminuição do pH na superfície e pela dissolução da camada superficial. Essa decomposição ocorre porque, na superfície em contato com a água, não há equilíbrio entre os íons devido à alta taxa de perda de cálcio, ocorrendo a dissolução da camada. A cinética da dissolução dessa camada pode ser baixa em alguns casos, sendo até mesmo desconsiderada. Em águas subterrâneas, a presença de íons mantém a taxa de dissolução muito baixa por longos períodos de tempo. Nesses casos a degradação é totalmente controlada pela difusão dos íons (FAUCON et al., 1998; KAMALI et al., 2008; WAN et al., 2013).

A perda de cálcio é acompanhada da perda de hidroxila, o que causa uma rápida diminuição do pH na solução dos poros do material e promove uma série de reações químicas, como o aumento da corrosão das estruturas metálicas em concreto (GARCÍA CALVO et al., 2010; FORSTER et al., 2014).

O pH alcalino da solução dos poros do cimento é resultado da dissolução inicial dos hidróxidos de sódio, cálcio e potássio presentes no cimento anidro. Quando o material já está endurecido, o pH é controlado pela dissolução e precipitação da portlandita se o pH se mantém acima de 12. Em valores mais baixos de pH, ocorre a liberação do cálcio do C-S-H, gerando a descalcificação do mesmo (CODINA et al., 2008; GARCÍA CALVO et al., 2010).

A lixiviação de cálcio e hidróxido da solução dos poros leva a um aumento na concentração de outros íons. Há um aumento local nas concentrações de aluminato, carbonato e sulfato na solução, resultado da dissolução das fases AFm. Esse aumento na concentração local de íons pode levar à reformação de alguns compostos como as fases AFm, etringita e calcita. No C-S-H, ocorre a substituição dos íons cálcio por íons magnésio, alumínio e ferro (FAUCON et al., 1998; GARCÍA CALVO et al., 2010).

O magnésio presente no cimento não apresenta lixiviação principalmente pela sua reação para formação da fase hidrotalcita (FAUCON et al., 1996).

A rápida dissolução da portlandita em materiais expostos a penetração de água foi relatado por vários autores como o principal mecanismo de degradação do cimento nessas condições, com a descalcificação do C-S-H desempenhando um papel menor (CARDE et al., 1996; MAINGUY et al., 2000; BUZZI et al., 2008; YU e ZHANG, 2017).

A lixiviação aumenta a porosidade e afeta as propriedades mecânicas do material, como a permeabilidade. A porosidade do cimento é inversamente proporcional à

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concentração de cálcio no material. Uma vez que ocorre a perda de cálcio (e a perda dos compostos como portlandita e C-S-H), ocorre o aumento na porosidade (CARDE et al., 1996; MAINGUY et al., 2000; STORA et al., 2010; WAN et al., 2015).

A dissolução do C-S-H leva à formação de uma estrutura porosa de escala nanométrica, que pode influenciar no coeficiente de difusão dos íons no material. Muitos autores, no entanto, relatam que os efeitos da perda de portlandita são os maiores responsáveis pelo aumento da difusão, pois levam à formação de macro poros, de tamanho parecido ao dos poros capilares (CARDE et al., 1996; MAINGUY et al., 2000; BUZZI et al., 2008; EL-DAKROURY et al., 2011; CHOI e YANG, 2013; WAN et al., 2015; PHUNG et al., 2016; KURUMISAWA et al., 2017).

No entanto, uma pesquisa recente desenvolvida por KURUMISAWA et al. (2017) relatou que o coeficiente de difusão do C-S-H aumentou com o aumento da extensão da lixiviação de cálcio. A descalcificação do C-S-H resultou em mudanças na estrutura dos poros do C-S-H e, em novos modelos para prever o comportamento do material exposto a penetração de água, se mostrou um importante fator que contribui para o aumento da porosidade e permeabilidade (PHUNG et al., 2016; KURUMISAWA et al., 2017).

A maior importância da portlandita também foi observada por CARDE et al. (1996), em seus resultados de lixiviação de amostras de pastas de cimento. A perda da portlandita foi o fator principal para a perda da resistência mecânica do material, enquanto que a descalcificação do C-S-H apresentou menor importância (CARDE et al., 1996).

A degradação química causada pela penetração de água subterrânea afeta drasticamente a resistência mecânica dos materiais cimentícios. Conforme a lixiviação aumenta, menor é a resistência mecânica do material. Para cada 1% de cálcio perdido, a resistência é reduzida em cerca de 1,5%. De acordo com PHILIPOSE (1988), a lixiviação de 33% da portlandita do cimento para a água subterrânea reduz a sua resistência mecânica em até 50% (PHILIPOSE, 1988; FAUCON et al., 1998; NGUYEN et al., 2007a, 2007b; XIE et al., 2008; STORA et al., 2010; CHOI e YANG, 2013).

Além disso, o colapso nos poros do cimento após a penetração de água pode levar à secagem do material e à sua retração. Amostras degradadas após a imersão em água mostraram uma retração maior do que amostras não degradadas (BUZZI et al., 2008; XIE et al., 2008).

O desempenho de materiais cimentícios quando expostos à água pode ser melhorado pela adição de materiais suplementares e pela adoção de proporção

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água/cimento menor. A deterioração do material, quando adicionada escória de alto forno, cinza volante ou até mesmo filer calcário, foi menor do que em pasta de cimento pura. (ROZIÈRE e LOUKILI, 2011; YANG et al., 2012; CHENG et al., 2013; MÜLLAUER et al., 2015; PHUNG et al., 2016; TANG et al., 2016).

Em argamassas e concretos, no entanto, a chamada zona de transição na interface entre o cimento e os agregados interfere na sua degradação. Essas zonas são caracterizadas pela presença de micro fraturas e pela maior porosidade, em comparação com a pasta de cimento. Dessa forma, um caminho natural para a penetração de água e o transporte de íons é formado. A alteração dessa zona de transição leva a mudanças nas propriedades locais do material, como a perda de resistência local e o aumento na degradação (CARDE e FRANÇOIS, 1997; BUZZI et al., 2008; JEBLI et al., 2016).

A perda de cálcio do cimento quando exposto à água subterrânea é um dos principais processos de degradação do cimento no ambiente de um repositório para rejeitos radioativos. Apesar de ser um processo lento, a descalcificação pode levar à decomposição do material pelo aumento da degradação por diversos processos deletérios ao cimento (CHEN et al., 2006)

Um dos efeitos da descalcificação da pasta de cimento é a retração. CHEN et al. (2006) demonstraram que a retração nos casos de descalcificação é significativa e irreversível, principalmente devido à perda de cálcio do C-S-H levando a uma relação Ca/Si abaixo de 1,2. Dessa forma, o uso de adições e de materiais suplementares deixa o cimento mais propício à retração por descalcificação, uma vez que a proporção Ca/Si da formulação será menor (CHEN et al., 2006).

Apesar de muito estudado nos últimos anos, o modelamento da degradação pela penetração de água em cimento ainda é objeto de estudo na comunidade internacional, pela complexidade das interações que ocorrem nessas condições.