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5. RÉU REVEL CITADO POR EDITAL OU COM HORA CERTA

6.6. Atendimento do incapaz pelo curador especial

Tema que muito tem nos preocupado e que merece especial atenção refere- se ao atendimento da parte pelo curador especial. Principalmente nos casos em que a atuação do curador decorra de incapacidade, haverá possibilidade de contato - o que não é possível nos casos de réu revel citado fictamente, por exemplo.

Para que seja realizada defesa real e efetiva, que leve em consideração os interesses daquele a quem o curador especial substitui no processo, nos parece que deva haver, ao menos, tentativa de atendimento pessoal para buscar colher elementos que permitam o fiel desempenho da função de defender.

É claro que, em se tratando de incapaz, pode haver dificuldade de discernimento e de descrição de fatos, o que deverá ser considerado pelo curador. Entretanto, valendo-se de auxílio de equipe interdisciplinar,496 o defensor público poderá verificar se há questões relevantes de interesse do curatelado a serem arguidas no processo, zelando, caso a caso, para que sua opinião seja considerada nas decisões que o afetam, defendendo a possibilidade genuína de sua inclusão, de respeito às diferenças e à autonomia dos sujeitos. A Defensoria Pública deve criar um espaço de atenção a estas pessoas, mantendo formas de ouvir e identificar quais são seus reais interesses, a fim de poder defendê-los no âmbito processual.

496 A Lei Nacional da Defensoria Pública estabelece como função institucional prestar atendimento

interdisciplinar, por meio de órgãos ou de servidores de suas carreiras de apoio para o exercício de suas atribuições (art. 4º, IV, LC n. 80/94). No Estado de São Paulo, por exemplo, as Regionais da Defensoria Pública são dotadas de Centros de Atendimento Multidisciplinares – CAMs, compostos por psicólogos, assistentes sociais e defensores públicos, que prestam suporte ao atendimento dos usuários dos serviços da Defensoria Pública. Esses Centros possuem especial importância no que se refere ao tema da saúde mental, trabalhando para a articulação da compreensão, da recuperação de laços perdidos, da rede de tratamentos e de relações do sujeito com transtorno mental ou que sofra de outras incapacidades.

Explicam Campos e Frasseto que “nesse novo cenário, totalmente diferente de suas funções clássicas de declaração de incapacidade e periculosidade do sujeito, assume o sistema de justiça a posição de garantidor de direitos e de controle rigoroso da limitação a direitos fundamentais que é imposta ao sujeito com ‘transtorno mental’ em nome da proteção da ordem pública ou, mais comumente, em nome de seu próprio bem e tratamento. Assim, cabe à justiça garantir ao paciente o direito a um tratamento eficiente, permitindo a ele a escolha de estratégias não limitadoras de sua liberdade”.497 Daí porque, ainda que considerados incapazes e com discernimento limitado, estes sujeitos devam ser ouvidos, de modo que suas pretensões possam vir a (quiçá) serem refletidas no processo judicial (independentemente do tipo de incapacidade que o acometa: transtorno mental, idade ou outras condições verificadas no caso concreto).

No Estado de São Paulo, o Conselho Superior da Defensoria Pública editou a Deliberação CSDP n. 219, de 11 de março de 2011,498 que regulamenta as hipóteses de atendimento ao usuário em sofrimento ou com transtorno mental, considerando, justamente, a necessidade de adequação da inafastabilidade do direito à assistência jurídica integral e gratuita à dificuldade de comunicação, expressão e compreensão do usuário em sofrimento mental.

Esta Deliberação prevê a possibilidade de atendimento conjunto entre defensores, psicólogos e assistentes sociais para facilitar a comunicação entre os envolvidos, seja para compreensão da pretensão jurídica pelo defensor público, seja para compreensão da orientação jurídica pelo usuário.

Além disso, a equipe multidisciplinar poderá adotar as providências necessárias e medidas que visem a atender à demanda que decorra da condição de vulnerabilidade do incapaz, tal como o encaminhamento à rede social de apoio ou aos serviços públicos de saúde e assistência social, registrando e arquivando relato de todos os atendimentos, das providências adotadas e construindo contrarreferências. A mesma Deliberação prevê o

497

CAMPOS, Florianita C. Braga; FRASSETO, Flávio Américo. Em Defesa da Liberdade: Reforma

Psiquiátrica e Defensoria Pública. Disponível em [http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos /pdf/emdefesa

florianitaefrasseto.pdf]. Acesso em 01/11/2011.

498

DPE/SP. Deliberação CSDP n. 219, de 11 de março de 2011. Disponível em [http://www.defensoria.sp .gov.br/dpesp/Conteudos/Materia/MateriaMostra.aspx?idItem=32555&idModulo=5010]. Acesso em 02/11/2011.

livre acesso do usuário à Defensoria Pública, ainda que não seja vislumbrada nenhuma pretensão jurídica.

Explica Patrícia Vieira que “o instituto da representação é acolhido para suprir a falta de discernimento na prática de atos que envolvam questões patrimoniais e pessoais, mas não pode impedir que as manifestações dos incapazes sejam consideradas e admitidas quando resultem de situações relacionadas com o ‘querer pessoal’, envolvendo o seu bem-estar. Os avanços científicos e técnicos permitem que as circunstâncias caracterizadoras de incapacidade sejam atenuadas, e cada vez mais, as manifestações pessoais sejam valorizadas, em respeito à individualidade e dignidade das pessoas”.499

A curadoria especial é inerente à garantia do contraditório e à ampla defesa, possuindo a finalidade de preservar os interesses daqueles que estão em condições de especial suscetibilidade.500 A vulnerabilidade jurídica e social que permeia a condição de incapaz faz com que a atuação do curador especial garanta a paridade de armas no litígio, bem como que sejam observados os interesses reais da parte, mormente diante da função do curador de substituí-la processualmente e de dar voz a seus interesses. Com efeito, o constituinte previu que à Defensoria Pública cabe não apenas a defesa e atuação judicial, mas também a orientação jurídica aos necessitados (art. 134, CF). E orientação inclui atender e ouvir. De fato, “o termo orientação ressurge no dispositivo comentado com uma força ímpar, extrapolando a atitude meramente defensiva para significar, antes, durante e além do Juízo, uma postura dialógica verificada entre os necessitados e quem os orienta”.501

É desejável, portanto, quando haja elementos que permitam ao defensor público o contato com o incapaz, que este contato seja realizado de modo a otimizar sua atuação no caso concreto. O atendimento direto do interessado permite a maior eficiência no desempenho da função pelo curador especial, pois a própria parte poderá indicar elementos para o melhor exercício de seu direito de defesa, apontando fatos relevantes e os meios de prová-los.

499 VIEIRA, Patrícia Ruy. A Interdição Civil no Direito Brasileiro, cit., p. 93.

500 BRASIL. Lei Complementar n. 80/94. Art. 3º. “São objetivos da Defensoria Pública: IV. A garantia dos

princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório”.

501 CARVALHO. Pedro Armando Egydio de. A Defensoria Pública: Um Novo Conceito de Assistência

Logicamente o interessado pode não querer ou não ter condições de se comunicar, ainda que minimamente, com o curador especial. Neste caso, a atuação deve ser pautada pela proteção de seus interesses no processo e pela preservação do rigor dos atos processuais. Se o incapaz se negar ao contato, será importante mantê-lo informado do andamento processual através, por exemplo, de correspondência com aviso de recebimento, permanecendo o curador especial à disposição para seu atendimento pessoal a qualquer tempo.