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PARTE I: MARCO TEÓRICO

CAPÍTULO 1. O DOENTE MENTAL: ASPECTOS HISTÓRICOS E PERSPECTIVA ATUAL

1.4 Atitudes frente ao doente mental

Numerosas definições de atitudes têm sido propostas a partir da década de 1920. Fishbein e Ajzen (1975) definem atitudes como ações dos indivíduos diante de um determinado objeto. Empiricamente comprovado, mostrando que existe uma relação entre atitude e comportamento.

Segundo Rodrigues (2012), a atitude social pode ser definida como uma organização duradoura de crenças e cognições em geral, dotada de carga afetiva pró ou contra um objeto social definido, que predispõe a uma ação coerente com as cognições e afetos relativos a este objeto.

As atitudes constituem bons preditores de comportamento, ou seja, o conhecimento das atitudes de uma pessoa em relação a determinados objetos permite que se façam inferências acerca de seu comportamento; as atitudes sociais desempenham funções específicas em cada indivíduo, ajudando-o a formar uma ideia mais estável da realidade em que se vive e também servindo para proteger o nosso eu de conhecimentos indesejáveis e as atitudes são à base de uma série de situações importantes, tais como as relações de amizade e de conflitos (Rodrigues, 2012).

Na concepção de Rodrigues (2012) apresenta-se em três componentes:

Componente cognitivo: Para que haja uma carga afetiva pró ou contra um objeto social definido, faz-se necessário que se tenha alguma representação cognitiva deste mesmo objeto. As crenças e demais componentes cognitivos (conhecimento, maneira de encarar o objeto etc.) relativos ao objeto de uma atitude constituem o componente cognitivo desta atitude.

Componente afetivo: Não há dúvida de que o componente mais nitidamente característico das atitudes é o afetivo. Nisto as atitudes diferem, por exemplo, das crenças e das opiniões que, embora se integrem numa atitude, suscitando um afeto positivo ou negativo em relação a um objeto e predispondo à ação, não são necessariamente impregnados de conotação afetiva.

Componente comportamental: As atitudes humanas são propiciadoras de um estado de prontidão que, se ativado por uma motivação específica, resultará num determinado comportamento, nisso as atitudes é como uma força motivadora à ação.

Partindo do conceito de atitudes pode-se verificar como o modelo assistencial baseado na reintegração do doente mental ainda sofre alguns entraves, como o estigma atrelado a estes pacientes. A ideia de que doentes mentais devem ser excluídos e tratados em instituições fechadas e a falta de conhecimento sobre os serviços de saúde mental, o que reforça atitudes negativas em relação a este grupo. A avaliação das atitudes da comunidade em relação aos doentes mentais é uma etapa importante na elaboração de estratégias para a implementação de Residências Terapêuticas, já que a reintegração e reinserção do paciente com transtorno mental é importante na sua reabilitação, porém muitos tem sua rede social prejudicada (Maclean, 1969; Taylor & Dear, 1981; Wolff, Pattare, Carig & Leff, 1996; Schomerus, Matschinger, Kenzin, Breier & Angermeyer, 2006)

A Escala de atitudes frente ao doente mental (EAFDM) baseia-se em escalas como a Opinions about Mental Illness (OMI) por Cohen e Struening (1962). Esta escala foi desenvolvida a partir das pré - existentes: California F-scale (Adorno, Frenkel- Brunswick, Levinson, & Sanford,1950), Custodial Mental Illness Ideology Scale (Gilbert & Levinson, 1956), Nunnally’s scale of popular concepts of mental health (Nunnally, 1961). O instrumento original continha setenta itens. Após análise do questionário, utilizando as respostas de 1.195 trabalhadores de dois grandes hospitais psiquiátricos, os itens foram agrupados em cinco dimensões e, em trabalho subsequente, reduzido para cinquenta e um itens. As cinco dimensões identificadas foram: (1) autoritarismo – a crença de que obediência à autoridade é importante e pessoas com doença mental são inferiores e não têm a capacidade de obedecer a regras, necessitando tratamento coercivo; (2) benevolência – uma ideia paternalista em relação aos doentes mentais; (3) ideologia higienista – a ideia de que doença mental é uma doença como qualquer outra e que uma abordagem profissional é fundamental para um tratamento adequado (4) restrição social

– a ideia de que a participação dos doentes mentais em atividades e relações sociais, como casamento, voto, capacidade de ter filhos etc., deve ser restringida; e (5) etiologia interpessoal – a ideia de que doença mental se origina de experiências interpessoais (Link ,Yang, & Collinbs, 2004).

Por meio da política de desinstitucionalização e o destaque dos fatores genéticos na etiologia dos transtornos mentais, cronologicamente, são paradigmas que surgiram depois do desenvolvimento da OMI e, portanto, não estavam contemplados no instrumento. Para suprir esta defasagem, foi criada, em 1981, a escala Community attitudes towards the mentally III (CAMI) (Taylor & Dear, 1981). Esta escala usa a OMI como base conceitual e procura reproduzir três de suas cinco dimensões (autoritarismo, benevolência e restrição social). A quarta dimensão (ideologia da saúde mental comunitária) da CAMI foi desenvolvida a partir da escala Community Mental Health Ideology (CMHI) (Baker & Schulberg, 1967).

Como percebe-se não há uma escala de atitudes especificamente, mas de opiniões. No Brasil, estudos mostram a utilização da Opinions about Mental Illness (OMI), validada para o contexto brasileiro como Escala de Opinião sobre a doença mental (Pedrão, Avanci, Malaguti & Aguilera, 2003). Osinaga e Furegato (2003) construíram também uma Escala de Escala de Medida de Opinião (EMO), com 56 afirmativas sobre saúde, doença mental e assistência psiquiátrica para conhecer a opinião de portadores de doença mental, seus familiares e profissionais a respeito do tema.

Em relação a atitudes ressalta-se nos estudos de Pasquali, Nogueira, Martins & Martins (1987) a Escala de Atitudes frente ao Doente Mental - ADM. O referido instrumento, foi construído e validado para a população brasileira, possui cinco fatores que expressam estereótipos de cunho acentuadamente negativos. São eles: 1) incapacidade, onde o conteúdo dos itens revela o doente mental como pessoa que

representa uma incapacidade generalizada que se situa nos níveis de compreensão, concentração e recordação, cuidado de si mesmo e vontade própria, sendo inábil para trabalhar e cooperar com os outros; 2) desorientação, onde o doente mental é apontado como uma pessoa desorientada tanto no agir e no falar, quanto no pensar e recordar, mostrando-se desorientado quanto ao tempo e ao espaço, sendo portando, uma pessoa associada a quem não se pode confiar tarefas importantes; 3) violência, no qual o doente mental é tido como um violento, isto é, agressivo, irritado e aquele que maltrata as pessoas e animais; 4) desvio sexual, onde se imputa ao doente mental um desvio sexual que assume as seguintes formas de expressão: pedofilia, sadismo, voyerismo, bestialismo, fetichismo e exibicionismo; 5) alienação, onde os itens indicam uma percepção do doente mental como um indivíduo com dificuldades de relacionamento com os outros e consigo mesmo,com indisposição para a ação e para o trabalho e com uma desorientação geral.

Tendo em conta o atual contexto de concepção de saúde, o qual contempla hoje aspectos subjetivos do paciente, mudando uma visão meramente biológica, busca-se agora biopsicossocialmente conhecer a vida desse sujeito em sofrimento psíquico. Nesse sentido, os estudos anteriores evidenciavam opiniões e não denotavam atitudes, salvo os estudos de Pasquali et al. (1987), porém há de considerar o ano de tal publicação e ver a necessidade de uma atualização da literatura, até mesmo porque novas políticas públicas de saúde mental vem suprir a deficiência deixada pelo estigma deixado pela loucura. Por isso, partiu-se para construção de um instrumento que considerasse aspectos culturais, pessoais, sociais, modelos de saúde – biomédico e biopsicossocial.

As atitudes frente à doença mental e ao seu portador, de forma geral, são possíveis de modificação, principalmente em profissionais de saúde, quando ainda alunos cursam as disciplinas específicas da área de Saúde Mental (psicopatologia, neurologia, etc) percebem as nuances específicas da patologia, porém desconhecem o sujeito que tem por

trás da doença em si. Esses estereótipos e preconceitos podem influenciar, de forma negativa, as condutas que esses profissionais terão com o paciente em questão e, comprometendo o cuidar, o que pode traduzir em atitudes autoritárias e benevolentes (paternalistas) e ainda outras, implicando no agir de modo não terapêutico com o paciente referido.

Considerando as atitudes frente ao doente mental outros estudos nacionais de Martins (1987), no que se refere ao tipo de treinamento universitário, indicam que os estudantes de Psicologia apresentam, de modo geral, atitudes mais positivas do que os estudantes de Medicina frente ao doente mental, enquanto os estudantes de Serviço Social não se diferenciam significativamente dos outros dois grupos. No tocante ao nível de treinamento universitário os resultados indicam não haver diferenças significativas entre os indivíduos amostrados. Avanci, Malaguti e Pedrão (2002) estudaram as atitudes dos estudantes ingressantes de enfermagem e verificaram que estes tendem a exibir atitudes negativas frente ao portador de doença mental.

Nos estudos de Hengartner, et al. (2012) verificaram que profissionais de saúde mental suíços apresentaram níveis significativamente mais elevados de distância social do que os brasileiros. Gil (2010) em seus resultados acerca das crenças e atitudes perante os doentes e as doenças mentais previamente à frequência do ensino clínico de Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiatria, as médias das crenças revelaram resultados positivos no sentido de um reconhecimento da doença e do seu cunho médico, ainda assim, os estereótipos da perigosidade, incurabilidade e responsabilidade individual são acentuados. Relativamente às atitudes observa-se que é na dimensão benevolência que se obtém uma média superior seguida, imediatamente, pela ideologia da higiene mental. No entanto, o autoritarismo e a restrição social surgem também como atitudes valorizadas pelos estudantes. A comparação dos resultados nas crenças e atitudes, antes e após o

ensino clínico de Enfermagem de Saúde Mental e psiquiatria, revela um efeito significativo (p<0,05), em relação a maioria dos tamanhos de efeito são muito modestos (baixos), exceção para crença na incurabilidade e atitude de restrição social (Gil, 2010).

No campo das pesquisas internacionais os estudos em relação ao doente mental apontam para a perspectiva do preconceito, do estereótipo ou estigma, conforme os estudos de Thoits (2011), mostrando que as pessoas devem ser mais propensas a empregar estratégias de resistência ao estigma quando já tiveram experiência passada por familiares ou amigos; ao contrário daquelas que não têm membros ou pessoas próximas com doença mental.

Livingston e Boyd, (2010) realizaram um estudo de meta-análise em artigos que relaciona com o doente mental, no total, 127 preencheram os critérios de inclusão para a revisão sistemática. Nenhuma das variáveis sociodemográficas que foram incluídos no estudo foram consistentemente ou fortemente correlacionada com os níveis de internalização do estigma.

A análise ainda revelou uma relação negativa marcante e forte entre o estigma internalizado e uma gama de variáveis psicossociais (por exemplo, a esperança, a autoestima e empoderamento). Quanto ao quadro psiquiátrico, o estigma internalizado foi positivamente associado com a gravidade dos sintomas psiquiátricos e negativamente associado com a adesão ao tratamento. A análise chama a atenção para a falta de investigação longitudinal nesta área de estudo que tem inibido a relevância clínica dos resultados relacionados com a internalização do estigma. O estudo também destaca a necessidade de maior atenção na natureza da relação entre estigma e outras variáveis psicossociais.

A maioria dos estudos aponta para uma concepção negativa frente ao doente mental, o que por sua vez, frente ao novo contexto de saúde mental, um novo olhar deva

contemplar outros aspectos da vida da pessoa em sofrimento psíquico. Por isso nessa dissertação foi proposto a construção e validação de um instrumento de medida de atitude frente ao doente mental considerando as novas políticas públicas de saúde, os modelos de concepção de saúde (biomédico e biopsicossocial) e o contexto do indivíduo.

CAPÍTULO 2. VALORES HUMANOS COMO EXPLICADORES DAS