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Modelos Explicativos em Saúde: biomédico e biopsicossocial

PARTE I: MARCO TEÓRICO

CAPÍTULO 1. O DOENTE MENTAL: ASPECTOS HISTÓRICOS E PERSPECTIVA ATUAL

1.3 Modelos Explicativos em Saúde: biomédico e biopsicossocial

Historicamente, nos tópicos anteriores verificou-se o modo de conceber o sofrimento psíquico, desde influência dos deuses e possessão demoníaca, como também uma prática mais organicista, o que vem evidencia a hegemonia das ciências biomédicas no contexto da Saúde. Nesse sentido, torna-se inadequado, nesta lógica, explicar os fenômenos por meio de determinações próprias da estrutura social de uma sociedade. É preciso conhecer as particularidades do modelo biomédico e do biopsicossocial, a fim de entendê-los e que ambos possam dialogar de forma interdisciplinar (Puttini et al., 2010). O modelo biomédico clássico denota uma compreensão dos fenômenos de saúde e doença com base nas ciências da vida, a partir da Biologia. Nessa abordagem, a doença é definida como desajuste ou falta de mecanismos de adaptação do organismo ao meio, ou ainda como uma presença de perturbações da estrutura viva, causadoras de desarranjos na função de um órgão, sistema ou organismo. No progresso científico da bacteriologia, sempre existirá um mecanismo etiopatogênico subjacente às doenças. Ao longo do tempo, o modelo biomédico foi assimilado pelo senso comum, tendo como foco principal a doença infecciosa causada por um agente (Puttini et al., 2010).

Diante da etiologia da doença, o modelo biomédico adota uma lógica unicausal, também designada lógica linear, procurando-se identificar uma causa, a qual por determinação mecânica, unidirecional e progressiva, explicaria o fenômeno do adoecer, direcionando a explicação a se tornar universal (Puttini, et al. 2010). No entanto, essa percepção para Foucault (2008) o adoecer se refere à situação global do indivíduo no mundo, sendo uma reação daqueles tomados na sua totalidade psicológica e fisiológica. Entretanto, ao tratar da relação cultural da medicina com o adoecimento na contemporaneidade, ou seja, para conhecer a verdade do fato patológico, o médico abstrai o doente e este passa a ser apenas um fato exterior em relação àquilo que sofre.

A fim de contemplar outros aspectos da vida da pessoa adoecida, entra em cena o modelo biopsicossocial, o qual foi elaborado e defendido por Engels em 1977 (Fava & Sonino, 2008), a partir da crítica à insuficiência da epidemiologia tradicional em abordar a saúde como um fenômeno radicado na organização social (Puttini et al. 2010), de que a doença não é somente unicausal como visto no modelo biomédico, mas seja vista como um resultado da interação de mecanismos celulares, teciduais, organísmicos, interpessoais e ambientais (Fava & Sonino, 2008) e também da crítica de que a relação saúde-doença é um processo, portanto sem ponto fixo, mas sim um estado.

Ao pensar desta forma, garante-se uma visão holística do sujeito em suas relações e em seu estado emocional, porém sem negar o biológico, onde a maioria das doenças se manifesta, até porque, como o nome diz é BIO (da biologia ou biológico), PSICO (de psicológico) e SOCIAL, ou seja, engloba todas as dimensões científicas inerentes ao homem (Puttini et al. 2010).

Nesta perspectiva, se evidencia a necessidade de resgate da dimensão subjetiva do ser que adoece. Isso implica, na perspectiva paradigmática do modelo biopsicossocial,

considerando as interfaces entre psicologia social e da saúde. A fim de visualizar melhor as perspectivas dos dois modelos segue o quadro abaixo trazendo a distinção de ambos:

Tabela 1. Modelos Explicativos em Saúde

Modelo Biomédico Modelo Biopsicossocial

Doença-saúde Saúde-doença

Tratamento medicamentoso Outras formas de cuidar

Organicista Psicossocial

Detentor das informações Diálogo nas consultas

Coação/restrição Participação

Fragmentação Integralidade

Objetividade Subjetividade

Ser passivo Ser ativo

Cura-doença Promoção e prevenção

Hospício Serviços substitutivos (CAPS, PASM)

Afastamento Aproximação

Tratamento curativista Tratamento humanizado

Conforme apresentado no quadro, o foco hoje na psicopatologia não deve ser na doença-saúde, mas na saúde-doença. O tratamento medicamentoso deve ser coadjuvante no processo de cura, dando espaço as outras formas de cuidar. Os aspectos psicossociais devem compor o diálogo nas consultas, mostrando a interação do médico com paciente. Antes o paciente era um ser passivo no processo, e não havia uma integralidade na concepção da doença, era uma prática fragmentada, que restringia a participação do paciente nas consultas. Busca-se hoje um trabalho mais humanizado, saindo da perspectiva meramente curativista vindo contemplar a subjetividade do ser que sofre auxiliando no diagnóstico.

Embora os modelos sejam distintos, não se pode excluir o papel de cada um na atenção à saúde, cada um tem importância, seja na prevenção de doenças e promoção de saúde, seja no amparo de um acidente de trabalho. Mudar a consciência de uma sociedade não é nada fácil, incitar as pessoas a saírem do seu comodismo, muito menos. Sempre vai haver alguém que vai adoecer por não se cuidar e achar que a sociedade vai viver

totalmente com o pensamento que a saúde de caráter biopsicossocial é uma utopia, e para isso cada um dos modelos vai estar lá para sanar as necessidades de saúde.

Seria interessante que esses modelos se integrassem e delimitassem seu papel de atuação para que se completem e possam oferecer uma atenção à saúde completa a todas as pessoas a quem recorre aos serviços de saúde. A consideração da possibilidade de uma dialética, em que os diversos tipos de fatores determinantes da saúde-doença se influenciam reciprocamente, abre uma nova possibilidade de entendimento da complexidade biopsicossocial do ser humano.

Frente a esse paradoxo, a psicopatologia hoje deve dar respostas emergentes e ser resolutiva, pois só contemplar um aspecto da vida do paciente é insuficiente para um diagnóstico, bem como um prognóstico. Nesse sentido, deve-se ir além dos sintomas físicos, mas também contemplar fatores que podem estar além desses sintomas, e é isso que torna o modelo biopsicossocial mais adequado nos dias de hoje. Essa mudança se retrata por meio de lutas e movimentos pró-usuários do Sistema Único de Saúde, especificamente nas políticas de saúde mental, foco dessa dissertação.

Para tanto se reconheça as lutas vividas na construção e na mudança de pensamento das pessoas, da cultura, as formas de como as pessoas significam a doença, propondo hábitos saudáveis, a manutenção de um lar agradável e harmonioso, entre outras medidas que possam otimizar o processo de saúde.