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Atividade de criação nas indústrias criativas

2.4 Características e dualidades das indústrias criativas

2.4.2 Atividade de criação nas indústrias criativas

No âmbito das indústrias criativas, continua sendo os indivíduos que dão origem à concepção e desenvolvimento de produtos criativos, tal como ocorre nas indústrias tradicionais; no entanto, nem todos os indivíduos usam a criatividade, por meio de seu emprego ou vocação, para uma função social de criar valor econômico ou cultural; ademais, a apropriação da criatividade para a criação de valor de mercado exige um quadro socioinstitucional que favoreça o seu estímulo (HARTLEY, 2005).

Assim, a despeito da possibilidade infinita de criação das indústrias criativas e culturais (CAVES, 2000), a criação depende do contexto e da forma como a mesma irá se revelar. Em outras palavras, isto quer dizer que a criatividade gera valor não apenas pelo fato de os indivíduos serem e agirem de forma criativa, mas somente quando esses indivíduos encontram

ambientes onde o acesso, capital, infraestrutura, regulamentação, mercados, propriedade, direitos e processos em larga escala possibilitam monetizar essa criatividade (HARTLEY, 2005).

Nas indústrias criativas, o quadro socioinstitucional que permite a apropriação da criatividade para criação de valor de mercado se dá no seio de complexas redes sociais, que envolvem parcerias e coordenação de novas ideias, e se utilizam de novos recursos e aparatos tecnológicos para produção, promoção e distribuição (BENDASSOLLI et al., 2009; BECKER, 1982; JEFFCUTT; PRATT, 2002; POTTS et al., 2009).

No que diz respeito ao papel das novas tecnologias para a apropriação da criatividade e geração de valor, Jaguaribe (2017) advoga que as novas tecnologias de informação e comunicação possibilitam que pequenos produtores façam uso das mesmas para produzir e disseminar suas criações. Tal fato promove a descentralização das atividades econômicas entre pequenas empresas ou pequenas comunidades de produtores das indústrias criativas (KIRSCHBAUM et al., 2009), enfraquecendo o domínio que organizações de grande porte detinham sobre certos setores, por antes possuírem controle dos meios de produção e distribuição (BENDASSOLLI et al., 2009).

Alencar (1998) também aponta que o ambiente organizacional é crucial para a expressão da criatividade, uma vez que esta ocorre num contexto social que depende de processos de pensamento que têm raízes na cultura organizacional, e que as normas, tradições, valores, tabus, sistemas de incentivo e punições afetam a expressão da criatividade (ALENCAR, 1998). Assim, para que ocorra o processo criativo, é preciso que haja um pensar flexível e uma capacidade de adaptação (LEAL, 2007), o que resulta na necessidade de um contexto organizacional de flexibilização das estruturas, flexibilização da gestão de recursos (inclusive pessoais) e flexibilização dos processos nas organizações criativas (KIRSCHBAUM et al., 2009).

A respeito dos contextos e ambientes que favorecem o florescimento da criatividade, onde novas ideias podem ser estimuladas, desenvolvidas e transformadas em algo útil, Jeffcutt (2009) adverte que não obstante existam esses contextos e ambientes, isto não significa que a criatividade está em qualquer contexto. O autor sustenta que a criatividade está incrustada em uma interação complexa entre contexto e organização, uma vez que precisa ser tratada como um processo, que requer conhecimento, redes e tecnologia. Explica ainda que esse processo- chave ainda é pouco entendido na economia do conhecimento, mas que tem sido realçado pelo interesse recente em torno das indústrias criativas (JEFFCUTT, 2009).

Outro fator que se leva em conta no contexto de criação das indústrias criativas é instabilidade da demanda: a incerteza é uma característica essencial que gira em torno dos produtos culturais e criativos, uma vez que os produtores não têm capacidade de prever o sucesso comercial que terão seus produtos, os quais nem sempre se beneficiam de experiências anteriores (DIMAGGIO, 1977; CAVES, 2000). Apesar das incertezas, a demanda dos consumidores por novidades oriundas das indústrias criativas é ilimitada, forçando os produtores a uma espiral de criação e inovação que pode ou não ter retorno financeiro (DIMAGGIO, 1977).

Kirschbaum et al. (2009) também destacam como aspecto primordial das indústrias criativas a incerteza na aceitação e na forma de consumo do produto cultural, e que a predominância dessa incerteza leva as organizações ou a influenciar seu ambiente de forma a diminui-la, ou a modificar seus processos de criação e sua estrutura para atender ao ambiente complexo e dinâmico. Isto leva as organizações criativas a buscarem, por exemplo, a adoção de rotinas, arranjos organizacionais e novas abordagens de liderança, mais flexíveis, e que se aproximam das formas organizacionais pós-burocráticas, onde a recusa da hierarquia é aceitável e legítima (KIRSCHBAUM et al., 2009).

Uma capacidade dinâmica que emerge de toda essa propensão à flexibilização é a “improvisação planejada”. Se em outros setores tradicionais a improvisação é tida como algo marginal, ou que só ocorre diante de uma situação emergencial, nas indústrias criativas ela é constantemente necessária para a realocação ágil de recursos nos processos. Nas indústrias criativas, a improvisação é planejada, incorporada e integrada à gestão de uma forma consciente, e isto corrobora para expandir a incorporação também da criatividade de forma consciente na rotina da organização, como elemento central das operações (KIRSCHBAUM et al., 2009).

Outra característica acerca da criação no âmbito das indústrias criativas é que ocorre uma dualidade na tentativa de gerenciar o tradicional e o moderno (KIRSCHBAUM et al., 2009). Cunha Filho (2011, p. 119), versando sobre as preocupações que deve ter o poder público no tocante ao gerenciamento e resguardo da cultura e da economia criativa, alerta sobre o equívoco de se entender a criatividade como sinônimo perfeito de inovação, e assinala que a estrutura pública para a economia criativa deve pensar e atuar por linguagens como as das artes e da filosofia, sobre o posto e o proposto. Assim, sustenta que no âmbito da economia da cultura e criativa, deve-se atentar para as três dimensões temporais: deve-se ter preocupações com a inventividade, que é “a antessala de contato com o futuro”, mas também com a “preservação e

até o resgate de bens, valores e processos da época presente e de outras que ficaram para trás no calendário”. O autor afirma que o resguardo da cultura

não implica petrificar as relações por simples amor ao passado, nem ter ojeriza ao que é novo, mas ter criticidade sobre ambos e respeito pelo porvir. Guardar o tesouro cultural se distancia de aceitar ou rejeitar o novo simplesmente porque é novo ou o velho tão somente por ser velho; é ter cada um na medida em que ajudem a concretizar o que dignifica a humanidade, os outros seres e o meio nos quais e com os quais vive e convive (CUNHA FILHO, 2011, p. 118).

No tocante à atividade de criação de ideias e produtos, além da dualidade tradicional/moderno, Kirschbaum et al. (2009) apontam as seguintes dualidades que precisam ser equilibradas pela gestão das indústrias criativas: novidade/familiaridade, global/local, autenticidade/sucesso.

Isto posto, surgem os questionamentos: como se dá a criação nas indústrias criativas gastronômicas? Os profissionais criativos a concebem como um processo lógico, planejado? Há tempos e processos preestabelecidos ou predomina a improvisação? Há limitações na atividade de criação devido à instabilidade e incerteza da demanda ou a outros fatores? Há ocorrência de dualidades ou tensões neste processo criativo?