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Corebusiness das indústrias criativas

2.4 Características e dualidades das indústrias criativas

2.4.3 Corebusiness das indústrias criativas

Lipovetsky e Serroy (2015) advogam que vivemos hodiernamente na Era Transestética, que se caracteriza, em suma: pela hiperarte, ou seja, pela infiltração da arte na indústria, no comércio e em toda a vida comum; pela crescente imposição das emoções, do estilo, da beleza e da mobilização dos gostos e sensibilidades como imperativos estratégicos; pelo trabalho sistemático de estilização dos bens e dos lugares mercantis; e pela generalização das estratégias estéticas com finalidade mercantil nos setores de consumo.

Nesta nova economia transestética, a prioridade das organizações se volta para a criação e oferta de imagens, estilos, ambientes, espetáculos e lazeres que possibilitem distrações, emoções, divertimentos e experiências excitantes para os consumidores (LIPOVETSKY; SERROY, 2015). Nessa esteira, Haug (1997) já havia afirmado que em todas as esferas da sociedade hodierna – lazer, entretenimento, saúde, alimentação, artes - o consumidor retira das mercadorias uma expressão estética.

Inseridas neste fenômeno transestético, Caves (2000) entende que a razão de ser das indústrias criativas reside na oferta de uma experiência e de um valor - cultural, artístico ou de entretenimento - aos consumidores; Hesmondhalgh (2002), por seu turno, afirma que o core destas indústrias está diretamente envolvido com a produção de um significado social.

Neste contexto, as indústrias criativas também têm o potencial de criar identidades, gostos, preferências, imagens, necessidades; em outras palavras, o consumo de produtos criativos está associado a aspectos simbólico culturais que são socialmente construídos e que têm o condão de situar indivíduos e grupos na sociedade (BAUDRILLARD, 2000; BAUMAN, 2001, 2005, 2008; DOUGLAS; ISHERWOOD, 2004; LIPOVETSKY, 2004; DU GAY, 1996; ROSE, 1990).

Bourdieu (1984, 1990) já havia advogado a ideia de que na sociedade contemporânea não é a relação do indivíduo com a produção que define sua posição de classe, seu status social, mas sim os padrões de consumo; os padrões de consumo definem grupos sociais que são demarcados por seu gosto pelos produtos consumidos, como comida, carro, entretenimento, música, artes. O gosto é, assim, fator de união de membros de grupos e classes; pelo critério da hierarquia do gosto, as classes dominantes definem suas escolhas e gostos culturais nos domínios da arte, do vestuário e da gastronomia, por exemplo, por meio de resoluções estéticas que se opõem às escolhas das classes médias e populares (BOURDIEU, 1984, 1990, 2002).

Lawrence e Phillips (2009) explicam que os produtos culturais podem ter a utilidade de entretenimento, quando são interpretados apenas pelo consumidor, mas também de construção da imagem deste. Isto ocorre porque ao serem consumidos, os produtos culturais tanto podem comunicar uma imagem que é interpretada diretamente pelo consumidor, como também podem comunicar uma imagem que vai ser construída e interpretada por outras pessoas com as quais o consumidor interage, por exemplo, ao ser visto consumindo ou ao trocar comentários sobre a experiência de consumo. Em outras palavras, os produtos são comprados e consumidos em parte pelo valor simbólico que está associado à interpretação do bem ou serviço pela comunidade ou grupo social do consumidor. Os autores citam como exemplo de construção de imagem o consumo do vinho Rotting Grapes:

O valor dos vinhos Rotting Grapes origina-se não apenas de seu sabor e buquê, mas também da imagem que comunica a seus compradores, como pessoas pés no chão que estão aparentemente despreocupadas com uma imagem de prestígio ou de riqueza. [...] O aspecto mais distintivo dos vinhos Rotting Grapes é que são explicitamente destinados a ser consumidos pelo comprador e outros mediante atos de interpretação como produtos culturais. [...] A compra desse produto torna-se motivada não apenas pelo desejo por uma taça de vinho, mas também pelo desejo de associar o significado relacionado ao vinho – “não pareço com um yuppie presunçoso” – ao consumidor. Embora o processo de criação da dimensão simbólica seja complexo e esteja apenas parcialmente sob controle da gestão, entender e gerenciar esse estilo torna-se uma competência distintiva na qual a organização deve estar focada (LAWRENCE; PHILLIPS, 2009).

Neste contexto, Lawrence e Phillips (2009) assinalam que diante da dificuldade de se criar e manter uma organização cuja necessidade não é produzir eficientemente um produto,

mas sim produzir, gerenciar e vender significados de forma sustentável e valorizado pelos consumidores a longo prazo, os gerentes devem aprender a lidar com uma nova forma de organização que é intensiva em símbolos, e não em capital ou conhecimento; em outras palavras, devem aprender a gerenciar o processo de criação simbólica dos produtos.

Nessa esteira, a literatura aponta a dualidade existente no âmbito das indústrias criativas envolvendo as instâncias da arte/estética e as instâncias instrumentais/comerciais; ressalte-se que esta tensão já havia sido retratada por Adorno (1991) na análise acerca do conflito perene entre as atividades do artista e dos que o controlam, nas indústrias culturais.

Caves (2000) defende como característica das indústrias criativas a valorização da arte pela arte; já Lawrence e Phillips (2009) apontam que no tocante a esta tensão, a solução adotada às vezes é simplesmente abandonar a pretensão da arte e adotar a popularidade como intento e medida de sucesso. Bendassolli et al. (2009), por sua vez, corroboram com a concepção de Caves, e sustentam que nessas indústrias, as concepções estéticas têm forte influência sobre as escolhas e direcionamento de recursos, em contraponto à funcionalidade e instrumentalidade que tendem a definir as prioridades de alocações de recursos nas indústrias tradicionais.

Ocorre que não há consenso sobre a prioridade das concepções estéticas/artísticas ou comerciais/instrumentais no âmbito das indústrias criativas; reconhece-se que há, de fato, uma situação conflitante entre estas instâncias (BLYTHE, 2001; BOURDIEU, 1993). Neste sentido, Bourdieu (1993, 2002) sustenta que a criatividade sempre esteve presente nas realizações humanas, variando apenas a sua forma de institucionalização: ora como arte, ora como mercado, o que leva a situações ambíguas e potencialmente conflitantes, uma vez que as organizações criativas lidam simultaneamente com instâncias artísticas e instâncias instrumentais.

Assim, surgem as seguintes questões: na concepção dos profissionais criativos, qual o core dos seus negócios? O que eles acreditam oferecer ao consumidor? O que eles acham que o consumidor busca ao consumir seus produtos? Há dualidades intrínsecas ao próprio core ou própria razão de ser dessas indústrias?