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1.1 COMO SE CONSTITUI O TRABALHO ACADÊMICO (O ENSINO, A PESQUISA E A

1.1.3 A atividade de extensão

As atividades de extensão, na UFSC e na UFRGS, nestes últimos dez anos, tiveram também um

expressivo desenvolvimento como o ensino e a pesquisa. Na UFRGS, por exemplo, entre o

período de 1984 e 1988, havia uma média de 116 ações anuais de extensão. Somente até maio de

2003, já havia um registro nessa Universidade de 412 ações (BRAGA, 2003). Embora o

crescimento numérico seja expressivo, tanto a UFRGS como a UFSC alertam que os registros

não espelham a realidade da atividade extensionista nas universidades.

Almejando um eficaz registro dessas atividades, estas são regulamentadas por resoluções internas

das universidades (Resolução n° 005/CUn/98 (UFSC) e Resolução n° 26/CEPE/2003 (UFRGS)).

A UFSC, por exemplo, através da Resolução n° 053/CEPE/95, normatiza que as atividades de

extensão não poderão exceder, em média anual, a 20 (vinte) horas semanais, por docente. E,

quando remuneradas, não poderão ultrapassar, no semestre, a média de 08 (oito) horas semanais.

Há também um percentual estipulado de retorno financeiro para a universidade e para o

departamento, das atividades de extensão que são registradas junto aos órgãos competentes das

De acordo com as resoluções acima referidas, é considerada atividade e/ou ação de extensão,

qualquer tipo de atividade que envolva, mesmo que parcialmente, consultorias, assessorias,

cursos, simpósios, conferências, seminários, debates, palestras, atividades assistenciais, artísticas,

esportivas, culturais e outras afins, propostas individual ou coletivamente, realizadas na

Universidade ou fora dela (Resolução n° 005/CUn/98 (UFSC); Resolução n° 26/CEPE/2003

(UFRGS)).

A UFRGS delimita com maior precisão em que níveis estas atividades podem desenvolver-se e a

partir de quais áreas temáticas. A extensão pode ser desenvolvida através de: ações (pode ser

realizada isoladamente ou estar vinculada a projeto, atividade ou programa de extensão);

atividades (conjunto de ações processuais contínuas); projetos (conjunto de ações desenvolvidas

em um período limitado de tempo); e programas (conjunto de atividades ou projetos de caráter

orgânico-institucional, com diretrizes claras e voltadas a um objetivo comum, podendo

compreender, ou não, subprogramas). Estas atividades poderão desenvolver-se a partir das

seguintes áreas temáticas: comunicação, cultura, direitos humanos, educação, meio ambiente,

saúde, e tecnologia (Resolução n° 26/CEPE/2003 (UFRGS)).

Melo (2002) realizou uma pesquisa sobre os convênios de cooperação estabelecidos entre a

universidade pública federal e os órgãos financiadores, na qual chama de agentes articuladores de

cooperação as instituições, empresas que, em um trabalho de articulação com a universidade,

permitem um processo de maior fluidez com a sociedade, no atendimento às suas necessidades.

Situa a cooperação entre universidade e órgãos financiadores como uma das atividades contidas

Esses arranjos institucionais formam o que o autor denomina de processo intermediador, que

tanto pode ser de caráter público como privado. Essas relações são mecanismos que podem

minimizar a crise financeira na qual a universidade pública federal brasileira se vê mergulhada.

Os resultados da pesquisa de Melo (2002) indicam que são os departamentos de ensino e os

centros de ensino que possuem determinada autonomia para delimitar os critérios sobre essa

atividade de cooperação, que está desestruturada, fragmentada, difusa, sem um controle

institucional explícito. Para o autor, “as leis que regem o processo de cooperação nas

universidades públicas brasileiras, dada a dimensão que atinge em determinadas instituições,

ainda estão muito aquém do necessário para disciplinar um conjunto tão grande de realizações.”

(MELO, 2002, p. 170).

O autor faz uma crítica ao processo de como essas ações vêm se desenvolvendo aceleradamente,

colocando em questão alguns princípios da universidade, como, por exemplo, a liberdade

acadêmica e a produção de pesquisas sem estarem alicerçadas ao interesse mercantil.

A Resolução n° 05/CUn/98, da UFSC, e a Resolução n° 26/CEPE/03, da UFRGS, prescrevem

que as atividades de extensão podem ser solicitadas por qualquer órgão da universidade e da

sociedade. O professor, juntamente com o departamento ou a comissão da unidade de ensino,

mais precisamente pelo aval destes ou da comissão da unidade de extensão, como no caso da

UFRGS, são os maiores responsáveis pela elaboração, pelo desenvolvimento e pela avaliação

dessas atividades. Não há um planejamento institucional, pois a demanda pode vir de qualquer

unidade da universidade ou da sociedade. Com isto há um hiato. A extensão é uma iniciativa livre

dos departamentos de ensino, com o interesse e a demanda da sociedade, especialmente dos

agentes de cooperação ou de fomento à pesquisa.

As fundações ainda são os principais agentes de cooperação da universidade. Porém, Melo (2002)

relaciona outros, além destas, que mantêm atividades de cooperação com as universidades

públicas federais, possibilitando uma maior integração entre a universidade, a sociedade e a

empresa, bem como agregando recursos financeiros à universidade. De acordo com a sua

pesquisa, na UFSC e na UFRGS há também a presença da maioria desses outros agentes de

cooperação, além das fundações (Vide Quadro 2).

Agentes de Cooperação UFSC UFRGS

Coordenadoria, Câmara, Núcleo, Programa, Divisão ou Unidade de Cooperação Universidade/ Empresa

Não Sim

Estágio Supervisionado Sim Sim

Fundações de Apoio Sim Sim

Centros de Inovação Tecnológica Sim Não

Centro de Pesquisa Cooperativo Sim Não

Incubadora Empresarial ou Tecnológica Sim Sim

Escritório, Coordenadoria, Centro ou Unidade de Transferência de Tecnologias

Não Sim

Consultorias Sim Sim

Empresa-Júnior Sim Sim

Quadro 2 – Agentes de cooperação na UFSC e na UFRGS Fonte: Melo (2002, p. 179)

Sem dúvida, a extensão é uma atividade que possibilita um canal de comunicação da

universidade com a sociedade. Ribeiro (2003, p. 71) faz uma crítica ressaltando que as atividades

de extensão têm sido analisadas limitadamente como uma fonte de renda. Adverte que a extensão

deve ser o “[...] modo como uma universidade pensa o seu entorno, como pensa a sociedade que a

Não há dúvida de que limitar a análise da atividade de extensão apenas como uma fonte de renda

é limitar a sua finalidade maior, de interação sistematizada com a comunidade, com vistas a

contribuir para o seu desenvolvimento e nela buscar conhecimentos e experiências para a

avaliação e vitalização do ensino e da pesquisa.

Considero que o ensino, a pesquisa e a extensão são, como assinalado por alguns autores, o tripé

da Universidade e se realizam a partir de uma relação de interação no processo de

desenvolvimento do fazer acadêmico, pois, ao mesmo tempo que a extensão pode ser fonte de

renda, pode contribuir na socialização do conhecimento junto a comunidade.

A extensão surgiu como atividade da universidade apenas na metade do século XIX, em Oxford,

na Inglaterra, na forma de promoção de cursos fora do campus, com o advento da Revolução

Industrial. Porém, a atividade de extensão é contemplada pela literatura investigada, como uma

expressão típica do modelo norte-americano de universidade, que estruturou uma universidade

articulada com a sociedade e com o mercado de trabalho. A atividade de extensão, a partir do

modelo de universidade norte-americano, tinha por objetivo compartilhar com a nova sociedade

que surgia, ou seja, com a sociedade industrial, as suas atividades e descobertas13 (ROSSATO, 1998).

No Brasil, o Decreto-Lei n° 19.851/31 anunciou a extensão como uma ação da universidade, sob

forma de cursos e serviços para a socialização das atividades de ensino e pesquisa que lhe são

inerentes. Em 1967, o Decreto-Lei n° 252/67 ratifica esta função da universidade, de oferecer

13

Vide seção 1.3 – Uma perspectiva histórica de constituição do trabalho acadêmico na universidade pública federal brasileira.

atividades de extensão à comunidade. A Lei n° 5.540/68 também menciona os cursos de extensão

da universidade como uma atividade acadêmica. Mas somente com a Lei n° 9.394/96 a extensão

é situada como uma atividade indissociável da universidade.

De acordo com a pesquisa realizada pela ANDIFES (INDICADORES, 2002), já apresentada

nesta seção, o crescimento da produtividade acadêmica transparece também pelos convênios

estabelecidos entre a universidade e órgãos governamentais e não-governamentais. Diante de um

processo acrítico, ao mesmo tempo que esses convênios mantêm a universidade, desestruturam

seus espaços públicos, privatizando as atividades do trabalho acadêmico.

Se o ensino, a pesquisa e a extensão estiverem voltados para o lucro, há fortes evidências de o

professor fortalecer o processo da privatização e a individualidade do neoliberalismo, negando o

fortalecimento do social, do público. Com a privatização das atividades do trabalho acadêmico,

há uma tendência à dissolubilidade do ensino, da pesquisa e da extensão, pois há uma perda da

relação de interação entre elas. Seus movimentos são engessados em favor do capital, do fim

único, fragmentando a liberdade acadêmica no processo de desenvolvimento do espaço público.

O termo produtividade já foi amplamente utilizado nesta seção. Se parto da premissa de que o

trabalho acadêmico é uma atividade social, uma atividade de produção, seria equivocado dizer

que esse trabalho não é produtivo. Todavia, quando falo de produtividade acadêmica, falo das

condições de trabalho com reflexo da política neoliberal que exige da universidade

comportamentos adaptativos e mercadológicos como uma organização.

Para atender às exigências de produtividade acadêmica, o professor vivencia, nas palavras de

Dias Sobrinho (2002), um “quase-mercado”, uma “privatização dissimulada”, uma

“pseudoprivatização”, no sentido de que ainda não há um abandono total do Estado diante do

financiamento do trabalho acadêmico, mesmo que esse financiamento seja essencialmente

precário.

O que Dias Sobrinho (2002) chama de “quase mercado” se traduz na busca dos professores pelo

financiamento de suas atividades acadêmicas, a fim de legitimarem seu trabalho perante a

sociedade, bem como arrecadar recursos para a viabilização do seu trabalho.

A aceitação acrítica do incremento desta produtividade acadêmica, Chauí (1999) a associa à

perda da liberdade acadêmica, o que Santos (1999, p. 203) vem a chamar de “risco de alteração

degenerativa das prioridades científicas.” Pois o risco ocorre visto que os investigadores

possuíam a liberdade de escolha dos temas de investigação em função do seu interesse mais

intrínseco, do desafio que colocavam às teorias consagradas, mas os órgãos de financiamento

privados possuem prioridades, conteúdos, formas, prazos de utilização que necessitam ser

respeitados, submetendo as atividades dos investigadores; o Estado passa a ser desincumbido da

responsabilidade pela pesquisa nas instituições públicas; e os financiamentos privados passam a

ser aceitos como complementação salarial e fornecimento de infra-estrutura para os trabalhos de

investigação, privatizando os espaços públicos da universidade.

Acrescento, ainda, que este incremento à produtividade produz uma segregação na universidade

em áreas ricas e pobres, diante dos trabalhos articulados com o mercado que tem preferência por

departamentos, enfim, cerceia as relações entre alguns professores que de intelectuais

cooperativos, tornam-se empresários competitivos em busca de lucros e venda de seus serviços;

estimula a produção acadêmica quantitativa em detrimento de uma produção acadêmica

qualitativa, voltada ao pensar a realidade com perspectivas críticas de transformação. Essa

segregação, entre outros aspectos, desorganiza a universidade como instituição social e o trabalho

acadêmico como manifestação do espaço público da universidade federal.