• Nenhum resultado encontrado

1.4 COMO SE ORGANIZA E SE DESORGANIZA O ESPAÇO PÚBLICO NA UFSC E NA

1.4.1 O diálogo como uma possibilidade de organização do espaço público

A Teoria do Agir Comunicativo, defendida por Habermas (1997), constitui o diálogo como uma

possibilidade de organização do espaço público. Sem o objetivo de aprofundar os preceitos dessa

teoria, proponho-me a descrever como se constitui este diálogo preconizado por Habermas, na

organização do espaço público, buscando compreendê-lo como uma possibilidade para o

processo de desenvolvimento do espaço público na UFSC e na UFRGS.

Para compreender o que Habermas (1997) concebe por diálogo no processo de desenvolvimento

do espaço público, parto do que o autor compreende por ação, para entender como se constitui a

ação comunicativa; prossigo com a discussão sobre razão comunicativa e, após, retorno à ação

comunicativa como campo de desenvolvimento do processo do diálogo.

A ação, na Teoria Habermasiana, é como a prática de um plano, que se apóia em uma

interpretação da situação. Ao terminar sua ação, a pessoa domina a situação, que se constitui por

fragmentos de ação onde ela tem a possibilidade de execução do plano de ação.

Destaco com base em Habermas (1997), dois tipos de ação social: a ação comunicativa e a ação

estratégica. As pessoas, mesmo de forma intuitiva, adotam uma dessas ações ao interagir com

ações distintas em suas concepções e finalidades. Na ação comunicativa, as pessoas, no processo

de interação, executam seus planos de ação vislumbrando um acordo comunicativamente

alcançado. Na ação estratégica, por exemplo, os meios de comunicação usam a linguagem

orientada para as conseqüências, para um fim planificado anteriormente. Não há formação

lingüística de consenso, como na ação comunicativa.

Tanto na ação comunicativa, como na ação estratégica, há mecanismos de interação: as atividades

teleológicas, que auxiliam como alternativas que se apresentam no processo da comunicabilidade

para o alcance dos propósitos; e as ações instrumentais, que possibilitam mudanças. A diferença

essencial dos mecanismos nas duas ações é que as atividades teleológicas ou as ações

instrumentais levam ao entendimento, ao consenso na ação comunicativa, não de forma

manipulável, mas como mecanismos de auxilio ao processo natural da comunicação, ao contrário

da ação estratégica que utiliza esses mecanismos para obter resultados previamente estabelecidos.

Quando as relações interpessoais atuam orientando-se para seu próprio êxito, reguladas pelo

dinheiro e pelo poder, através de relações de mercado ou de relações de dominação, a sociedade

se apresenta como uma ordem instrumental. Habermas (1997) chama de razão instrumental esta

ordem instrumental, pois são relações interpessoais puramente econômicas ou políticas, em que

os participantes na interação se apropriam de meios para a consecução de seus próprios fins.

Para o autor, no processo da ação comunicativa a partir de um processo de interação, há

possibilidades de se chegar a acordos, a consensos, ou seja, a um saber comum, um

reconhecimento intersubjetivo de pretensões de validez sujeitas à crítica. Nas palavras de

ou seja, como intersubjetivamente vinculado54.” Para tanto, é necessário o processo da interação e regras que conduzam essa ação. A ação comunicativa é regulada por normas, ou seja, por valores

comuns reconhecidos, que orientem a ação.

Os acordos exigem uma aclaração da ação comunicativa que se desenvolve por indagações

sistemáticas. Esses acordos estão aceitos no processo da ação comunicativa e tendem a ser

concedidos pelos participantes através do diálogo e não somente por uma das partes envolvidas.

Todavia, estes acordos, no processo da ação comunicativa, faz-se pertinente que sejam

submetidos a pretensões de validez, ou seja, são necessárias razões convincentes que

fundamentem o que se deseja expressar e que estas pretensões de validez sejam suscetíveis de

crítica.

As pretensões de validez assim se estabelecem, de acordo com Habermas (1997):

a) de retidão: que seja legítima, ou seja, que o que se fale seja referente a um contexto

normativo;

b) de veracidade: que tenha a intenção de comunicar um conteúdo proposicional verdadeiro

no tocante à manifestação de suas vivências subjetivas; e

c) de verdade: que seja manifestada verdadeiramente, com enunciados e pressuposições de

existência, para que possa ser entendida.

De acordo com Habermas (1997, p. 493),

O entendimento funciona como mecanismo coordenador da ação do seguinte modo: os participantes na interação se põem de acordo sobre a validez que pretendem para suas

54

Tradução sob a responsabilidade da pesquisadora. “Acuerdo significa que los participantes aceptan un saber como válido, es decir, como intersubjetivamente vinculante.” (HABERMAS, 1997, p. 481).

falas, quer dizer, reconhecem intersubjetivamente as pretensões de validez que reciprocamente estabelecem uns com os outros. 55

Esse processo de validez não é fruto de um pensamento solitário, requer ação e reflexão,

construção e reconstrução da ação da fala entre as partes envolvidas no processo do diálogo. A

pretensão de validez, quando criticável durante o processo da fala, recebe a contribuição de

outros argumentos, e é contrastada com outros argumentos de modo que pode ser reconhecida

como verdadeira por outros sujeitos, ou seja, comunitariamente. O discurso, por exemplo, tem

essa função, ou seja, é uma forma de diálogo sujeito a pretensões de validez. Todavia, este acordo

perde o caráter de convicções comuns, quando as pessoas integrantes no processo do diálogo,

percebem que esse acordo é fruto de uma ação estratégica com fins utilitaristas privativos.

A ação comunicativa tem a dupla função de ser conservadora e transformadora da cultura. É

conservadora quando, através de regras morais, reproduz a tradição cultural. E é transformadora

quando, através da interação, propicia a renovação cultural. Isto ocorre em um processo de

movimento contínuo.

Essas ações reguladas por regras morais são valores compartilhados pelas pessoas, que se

desenvolvem através do diálogo. Isto é, no diálogo está a raiz da razão, ou seja, estão as regras

morais, os valores, a cultura, a ideologia. No processo de interação se vão construindo o

entendimento, os acordos e, ao mesmo tempo, renovando os pressupostos formativos da razão.

55

Tradução sob a responsabilidade da pesquisadora: “el entendimiento funciona como mecanismo coordinador de la acción del seguinte modo: los participantes en la interacción se ponen de acuerdo sobre la validez que pretenden para sus emisiones, es decir, reconocen intersubjetivamente las pretensiones de validez que recíprocamente se entablan unos a otros.” (HABERMAS, 1997, p. 493).

Em síntese, a razão comunicativa é elaborada a partir do processo da interação da ação

comunicativa. Há, neste contexto, um processo de reprodução e produção cultural, de construção

e reconstrução do pensamento e da razão. A ação comunicativa é o ato da fala a partir do

processo da interação como formação lingüística de consenso, sem a influência de mecanismos

que levem ao êxito. A ação comunicativa orientada ao entendimento é reflexiva, isto é, possibilita

que o homem, ao fazer-se entender, esteja entendendo a si mesmo.

A ação comunicativa é constituída na sociedade preconizada por Habermas (1997), que a

concebe sociologicamente, dividida em dois mundos: mundo da vida e mundo sistêmico56. O autor chama de sociedade57 “as ordens legítimas, através do que os participantes na interação regulam seu pertencimento aos grupos sociais e com ele asseguram a solidariedade.”

(HABERMAS, 1997, p. 498).

Entendo a sociedade brasileira, não como concebe Habermas (1997), mas como uma sociedade

de classes58, estruturada nos conflitos e nos interesses de classe, principalmente diante da divisão social do trabalho.

56

De acordo com Habermas (1997), o mundo vivido ou mundo da vida é a reprodução simbólica, subjetiva, a interação. É uma realidade simbolicamente estruturada. E o mundo sistêmico é a reprodução material, o trabalho, o dinheiro, o poder.

57

Tradução sob a responsabilidade da pesquisadora: “a los órdenes legítimos, a través de los que los participantes en la interacción regulan se pertenencia a grupos sociales y con ello se aseguran la solidaridad.” ( HABERMAS, 1997, p. 498).

58

Entendo sociedade de classe, com base em Wood (2003), como um processo e uma relação, formado pela lógica das determinações materiais, pelo modo de produção. As determinações objetivas se impõem sobre seres históricos, ativos e conscientes. Isto quer dizer que as formações sociais se desenvolvem à medida que os homens “vivem” suas relações produtivas e “experimentam” culturas e valores. Nessas relações de produção os homens nascem ou entram involuntariamente. Neste contexto, a classe é um fenômeno visível apenas no processo, e a formação de classe é também um processo histórico formado, pela lógica das determinações materiais.

Concordo com Löwy (2000, p. 223) que a Teoria de Habermas é sedutora, como um “horizonte

utópico”, para uma sociedade sem classes. O autor tece críticas, argumentando que sua teoria é

fundamentada sobre ilusões acerca de virtudes miraculosas. Questiona como se fosse possível

resolver conflitos de interesses e de valores na atual sociedade por simples paradigma de

comunicação intersubjetiva, de livre discussão racional. Enfatiza que:

[...] a solução desses conflitos de interesses em um sentido humanamente progressista – isto é, no interesse das classes, raças e sexo oprimidos – depende bastante mais duma relação de forças política e social do que de uma racionalidade comunicacional qualquer, supostamente ‘construída’ desde sempre ‘dentro dos mecanismos lingüísticos de reprodução da espécie’.

Considera que somente do ponto de vista de uma utopia futura, de uma sociedade emancipatória,

sem classe e sem opressão, o modelo lingüístico de Habermas pode aparecer como legítimo,

como um potencial emancipador antiautoritário da tradição racionalista das luzes.

Porém, considero que sua Teoria do Agir Comunicativo traz uma essencial contribuição ao

processo de desenvolvimento dos espaços públicos, pois situa o ato da fala através da ação

comunicativa, como uma possibilidade de ver a realidade não como algo pronto e acabado, mas

como algo vivo e de contínua transformação pela qual, através da interação e do diálogo, as

pessoas possam encontrar soluções para os desafios impostos em suas realidades.

Destaco aqui uma ambivalência de posicionamento teórico. Porém, apesar de conceber que a

sociedade capitalista é uma sociedade de classes, enquanto o capital e o lucro estiverem

normatizando o modo de vida das pessoas, as diferenças sociais, as classes sociais existirão.

Concordo, como já afirmei, com Löwy (2000), que não podemos negar essa sociedade segregada

uma possibilidade de interação social, desde que as partes integrantes, interessadas neste

processo, possam desfrutar de um querer compartilhado para o ato desse processo da fala.

Por este motivo, ou seja, por ver e sentir a sociedade estratificada em sua essência, o homem

transformado em mercadoria diante dos dogmas que sustentam o trabalho alienante e, também,

como salienta Wood (2003), pela compreensão crítica desta barbárie que fundamenta o sistema

capitalista que está aí, na sua forma neoliberal, considero que o marxismo ainda é uma das

possibilidades para as buscas de nossas inquietações.

Como situa Bensaïd (2000), enquanto o capital continuar dominando as relações sociais, como o

reino da mercadoria e do trabalho alienado, a teoria de Marx será atual, intempestiva: de ontem,

de hoje e será de amanhã.

Para o marxismo, a linguagem é um reflexo da consciência. Essa consciência é determinada pela

realidade. Ou seja, no marxismo, a linguagem é determinada pela vida, pelas condições de vida,

pelo conjunto das relações sociais.

Partindo desse contexto, acredito que a linguagem, como prática histórica e humana, dá-se no

contexto do significado, da interação, da intenção, e pode, alicerçada à ação comunicativa e à

prática, a partir do diálogo entre os pares, viabilizar um processo de acordos, quiçá de consensos,

que levem a ações transformadoras de práticas que possam germinar no interior da universidade.

Quando falo “entre os pares”, falo entre os professores, entre professores de departamentos

administrativas, entre professores, alunos e servidores técnico-administrativos, na busca de

entendimentos, de consensos sobre a constituição da universidade como um espaço público e a

constituição do trabalho acadêmico como manifestação do processo de desenvolvimento do

espaço público.

Creio na ação comunicativa como uma das possibilidades plausíveis, no poder do diálogo no

contexto da Universidade, a partir da busca de um mundo comum. Porém, é desafiante, pois

estamos interagindo com pessoas com distintas percepções sobre o homem, a sociedade e o

mundo, no interior da universidade, diante da heterogeneidade que constitui esta instituição

social.

Resgato o argumento de Machado (1996): o privado é uma realidade no contexto da universidade

pública. Mas, enfatizo que o público tem uma possibilidade de ser reconstruído, mantido e/ou

desenvolvimento através do exercício do trabalho acadêmico, tendo como um dos mecanismos a

ação da comunicabilidade, o diálogo entre os pares, através de um querer compartilhado

socialmente no desenvolvimento da universidade federal como espaço público.