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2. Enquadramento teórico

2.4. Atividade Física e Perfil Lipídico

A prática de regular AF produz adaptações vasculares que aumentam a capacidade e a força muscular do organismo e consequentemente previne o desenvolvimento das DAC e reduz a sintomatologia dos indivíduos com DV estabelecida. Segundo o Surgeon General Report sobre atividade física e saúde, o exercício e a AF estão relacionados com a redução do risco de outras doenças não transmissíveis como a DM tipo 2, osteoporose, obesidade,

cancro da mama e do cólon e ainda a depressão (USDHHS, 1996). Neste sentido, desde 1996 que a American Heart Association (AHA) vem alertando para as consequências da inatividade física, e para a sua importância como um dos principais fatores de risco vascular (Fletcher et al, 1996).

A imensa evidência epidemiológica produzida nas últimas décadas sobre a AF comprova a redução da incidência dos eventos vasculares nos indivíduos mais ativos em comparação com os indivíduos sedentários, sendo que existe uma associação entre o aumento dos níveis de AF e a diminuição das taxas de DV (Thompson et al, 2003). O impacto da AF na saúde pública foi evidenciado por Blair e colaboradores (1992) que concluíram que a aptidão física retarda a mortalidade pelo aumento da esperança de vida e por diminuir o número de mortes por DCV e cancro. A AF é ainda responsável por efeitos benéficos na prevenção e tratamento de diversos fatores de risco vascular como a pressão sanguínea elevada, a resistência à insulina e a intolerância à glicose, o excesso de peso, as elevadas concentrações de TG e as baixas concentrações de HDL (Thompson et al, 2003).

Um importante mecanismo através do qual a AF proporciona benefícios para as DAC é através do seu efeito no metabolismo das lipoproteínas. O mecanismo associado ao aumento da concentração das HDL e da apoA1 prende-se pelas modificações na via do transporte reverso de colesterol aquando da exposição ao exercício físico, nomeadamente na modificação do tamanho das partículas de HDL e no aumento da atividade da LCAT que aumenta os níveis de HDL plasmático. A AF é ainda responsável por aumentar o efluxo de colesterol, por potenciar a absorção do colesterol pelo hepatócito e por aumentar o tempo de semivida da apoA1. No entanto, outros mecanismos também poderão ter efeitos nos valores de HDL contudo a evidência é incerta (Trejo-Gutierrez e Fletcher, 2007; Blazek et al, 2013).

Durante o século XX, muitos investigadores têm dedicado especial atenção à prevenção das DV através da avaliação e modificação de fatores de risco associados aos estilos de vida. No estudo HERITAGE (HEalth RIsk factors, exercise Training And Genetics), através da análise do efeito de 20 semanas de exercício nas lipoproteínas, verificou-se que a reposta lipídica à AF é muito heterogénea. Contudo, foi possível observar um aumento nos valores de HDL e apoA1 no final do estudo (Leon et al, 2000). Num outro estudo, STRRIDE (Studies of a Targeted Risk Reduction Intervention Through Defined Exercise), avaliou-se a interferência da AF nas lipoproteínas plasmáticas de acordo com a intensidade e a frequência do exercício. Para a análise, os indivíduos foram divididos em três grupos de exercício – frequência alta/intensidade vigorosa; frequência baixa/intensidade vigorosa e frequência baixa/intensidade moderada – durante 6 meses. As conclusões revelaram que os níveis de HDL aumentaram significativamente no grupo de frequência alta/intensidade vigorosa e em ambos os grupos de baixa frequência, contudo as diferenças só foram

estatisticamente significativas nos grupos com intensidade vigorosa. Nos três grupos observou-se uma redução dos níveis de TG e de VLDL com maior expressão no grupo de frequência alta/intensidade vigorosa. Observou-se ainda um aumento dos níveis de LDL no grupo controlo que apresentava um comportamento sedentário (Slentz et al, 2007).

Muitos outros estudos têm demonstrado evidência substancial sobre o efeito da AF no aumento dos valores de HDL e da apoA1. Devido às diferentes metodologias consideradas em cada estudo no que diz respeito ao tipo, frequência, intensidade e duração do exercício assim como na unidade de análise do dispêndio energético, é difícil de quantificar com precisão o efeito da AF nos lípidos plasmáticos nomeadamente no aumento do HDL e apoA1 e na diminuição de TG. Contudo, é consensual que um aumento do volume de AF, em qualquer quantidade, apresenta benefícios adicionais à regulação das concentrações das lipoproteínas no organismo (Ki et al, 2011; Blazek et al, 2013).

Para a avaliação do efeito da AF nos parâmetros lipídicos é necessário considerar sempre a existência de variáveis confundidoras o que dificulta a obtenção de resultados similares em diferentes populações (Blazek et al, 2013). No que respeita à idade, o Harvard Alumni Study seguiu uma coorte de indivíduos que eram atletas durante a universidade e concluiu que os efeitos protetores da AF não se prolongam no ciclo de vida, sugerindo que é necessária uma prática regular de AF para manter os benefícios (Paffenbarger Jr et al, 1984). A evidência comprova a correlação entre a idade e a variação dos parâmetros lipídicos, nomeadamente o aumento de CT, LDL e apoB e a diminuição de HDL e apoA1, assim como a associação entre prática de AF e os grupos etários sendo que a proporção de indivíduos que pratica AF decresce com o avançar da idade. Contudo, a prática regular de AF nos indivíduos mais velhos apresenta benefícios para o perfil lipídico, sendo por isso recomendado a prática de AF para fazer face aos distúrbios lipídicos associados ao envelhecimento (Carvalho et al, 2010; Santos et al, 2011; Skoumas et al, 2013).

As DV são a causa primária da mortalidade entre as mulheres. Contudo, a influência do género no perfil lipídico apenas é enfatizada nas guidelines em situações pontuais como as HDL e a apoA1, sendo que a evidência científica aponta para efeitos similares aquando da prevenção primária e secundária das DV. Porém, as alterações metabólicas e as variações hormonais que decorrem no ciclo de vida no sexo feminino evidenciam um perfil lipídico de base diferente para homens e mulheres o que sugere uma análise dos indivíduos estratificada por sexo (Reiner et al, 2011; Jellinger et al, 2012; Perk et al, 2012). Na análise da AF por sexo, verifica-se que a maior proporção de indivíduos que pratica desporto é do sexo masculino e que a variável sexo é modificadora do efeito da AF no perfil lipídico, o que leva a uma abordagem da influência da AF no perfil lipídico diferente para homens e mulheres (Santos et al, 2011; Skoumas et al, 2013).

Na análise da associação entre IMC e os parâmetros lipídicos, há evidências de correlação entre o aumento do IMC e o aumento de CT, LDL e apoB e entre o aumento do IMC e a diminuição de HDL e apoA1 (Trejo-Gutierrez e Fletcher, 2007; Skoumas et al, 2013;). A prática de AF parece variar de acordo como o IMC observando-se que a percentagem de indivíduos que afirma praticar desporto varia entre 33% nos indivíduos normoponderais e 18% nos indivíduos obesos e que os indivíduos com baixo peso também apresentam uma pequena percentagem de praticantes de AF (Santos et al, 2011). Porém, na análise da interferência do IMC na associação entre a AF e os níveis de HDL e apoA1, a evidência científica não é conclusiva visto variar bastante com a população e o método de estudo desta interferência (Trejo-Gutierrez e Fletcher, 2007; Skoumas et al, 2013). Contudo, a prática de AF está muitas vezes associada à perda de peso e aos hábitos alimentares sendo difícil atribuir um efeito direto da AF no perfil lipídico, tendo em conta que a evidência sugere que modificações do IMC podem mesmo eliminar o efeito da AF no perfil lipídico (Ki et al, 2011; Thompson et al, 2003; Minder et al, 2014).

Apesar dos efeitos benéficos da AF na redução da pressão arterial sistólica e diastólica, assim como na redução da resistência à insulina, da intolerância à glicose e dos valores de HbA1c, estes fatores de risco são muitas vezes confundidores do efeito da AF no perfil lipídico. Contudo, verifica-se associação entre a prática de AF e a diminuição da pressão arterial, sendo a AF considerada como a terapêutica não farmacológica para a redução da pressão arterial com maior custo-benefício. Por outro lado, existe um maior risco de HTA e DM nos indivíduos sedentários sendo recomendada a modificação de estilos de vida nos indivíduos com estas doenças já estabelecidas, nomeadamente a prática de AF (Skoumas et al, 2013; Thompson et al, 2003; Minder et al, 2014).

O consumo de tabaco origina efeitos negativos nos níveis de HDL e na razão LDL/HDL, assim como nos TG pós-prandiais, levando ao aumento do risco de DV. Assim, todas as medidas devem ser tomadas para o suporte da cessação tabágica dos indivíduos, visto que após 30 dias sem fumar já se observa um aumento nos valores de HDL. Deste modo, considera-se que o facto de ser fumador é uma variável confundidora na análise do efeito da AF no perfil lipídico (Jellinger et al, 2012; Skoumas et al, 2013; Minder et al, 2014).

Considera-se portanto que a prática de AF está associada a efeitos modestos nos valores de HDL e apoA1, mesmo tendo em consideração os efeitos confundidores de outros fatores de risco vascular, e parece estar associado à modulação das suas funções no organismo. Neste sentido, é necessário mais investigação para entender o papel da AF na melhoria dos aspetos funcionais das moléculas de HDL assim como a frequência, duração e intensidade de AF necessária para a modulação da função das HDL a fim de se incentivar cada vez mais à prática de AF com uma terapêutica não farmacológica efetiva para melhorar o perfil lipídico (Blazek et al, 2013).