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Atividade lúdica: organizar exercícios que envolvam a ludicidade

não constitui uma tarefa complicada para as professoras que possuem diversos materiais atraentes. Nos armários, muitos jogos e brinquedos aparecem como boas opções de entretenimento e como possibilidade de uma atuação pedagógica. Embora ocorra um planejamento das atividades que poderão ser empregadas no atendimento ao aluno, as professoras mostraram ser possível e indicado improvisar em algumas situações. Nesse caso, o recurso lúdico se torna a principal ferramenta de trabalho do professor. Algumas possuem caderno de anotações com várias sugestões de atividades, porém o dinamismo do hospital e a variedade de situações enfrentadas junto com a criança é que direciona a escolha pelas atividades a serem desenvolvidas no dia.

De forma geral, existe a preocupação em se estabelecer metas a serem alcançadas a partir do momento que as professoras optam pela utilização de brinquedos, brincadeiras e,

principalmente, jogos durante o trabalho que realizam. Cada escolha desses recursos é pensada de acordo com a necessidade escolar da criança. É nesse momento descontraído e aparentemente sem compromisso que a criança vai se envolvendo na atividade e desenvolvendo conteúdos. Para o professor trata-se de uma oportunidade a mais de observar como a criança organiza seus pensamentos, aplica seus conhecimentos. Até mesmo os erros permitem novas intervenções. Prova de que o brincar pode agregar valor ao ato de educar. Ratificam esse posicionamento as palavras de Santos (2010, p. 22):

Com a descoberta do brincar com intencionalidade educativa, descobriu-se um processo que tornou a aprendizagem algo que os alunos desejam e se sentem atraídos e, o mais importante, é que, também, a escola pode cumprir a função não só de ensinar, mas de educar. Deve ficar claro que ao trabalhar com jogos, brincadeiras e dinâmicas o educador não está apenas ensinando conteúdos conceituais, está também educando as pessoas integralmente, tornando-as mais humanas através do desenvolvimento físico, cognitivo, afetivo, social e moral.

Quando questionada a forma como as atividades lúdicas são delineadas, todas as professoras enfatizaram a questão da flexibilidade do planejamento. No Hospital C, de uma forma geral, as atividades são estruturadas no início do ano, mas acabam sendo modificadas de acordo com cada criança atendida. No Hospital A, nas duas classes isso ocorre no começo da semana, pois é analisada a rotatividade das internações. Já no Hospital B, a professora relata a importância de organizar exercícios e jogos diversos de forma a atender as especificidades de cada paciente. De acordo com ela (C.S, 2010), a professora de uma classe hospitalar deve atuar como um mágico que tem sempre uma “carta na manga”.

Além do domínio dos conteúdos básicos e de atividades já elaboradas voltadas para adição, subtração, leitura, interpretação de textos, entre outros, é preciso também selecionar alguns jogos que, de certa forma, abrangem os conteúdos estabelecidos no currículo da Secretaria de Educação. Ao indagar sobre as experiências curriculares que as atividades lúdicas proporcionam, mais especificamente os jogos, a atinente professora declarou que:

Primeiro a capacidade de socializar, de estabelecer regras, interagir com as pessoas, capacidade de saber organizar, participar, estimular a criatividade. As experiências curriculares são diversas, por exemplo, num jogo imobiliário a criança soma, interpreta um texto, subtrai. Hoje o universo dos jogos propicia você trabalhar tudo: português, matemática, ciências, história. Você pega, por exemplo, um joguinho como esse aqui: Enciclopédia. Você trabalha a forma da escrita da palavra, a perspectiva de buscar a palavra no dicionário, como é que você procura essa palavra, a criatividade porque tem que inventar um novo sinônimo para a palavra. Então eu acho que em cada jogo você consegue trabalhar “n” coisas. Como professor cabe a você fazer esse elo. Puxar para aquilo que você quer. Se é uma criança que tem dificuldade de aprendizagem, vamos trabalhar mais os joguinhos com essa criança para que ela possa socializar mais, possa ler mais, oralizar. Ela tem dificuldade de soma? Então vamos trabalhar com jogos que estimulem o dinheirinho, a questão do

troco, de repente até simular um supermercado. Eu acredito que o jogo propicia, hoje, desenvolver todos os conteúdos pedagógicos (C.S, 2010).

Nos demais hospitais, outros fatores foram colocados como capazes de abranger as competências requeridas pelo currículo escolar: coordenação motora fina e grossa, criatividade, autonomia, concentração. Uma das professoras ponderou que alguns recursos lúdicos oferecem a oportunidade de envolver todas as atividades dos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 2001d), desde que o professor tenha habilidade de conduzi-las de forma criativa e curiosa. Assim, fica claro nessa exposição o quanto o professor pode utilizar alguns recursos para trabalhar de maneira satisfatória os conteúdos que normalmente são abrangidos de forma tradicional e pouco inventiva.

Nessa nova abordagem do aprender brincando alguns recursos lúdicos são comumente mais empregados. No Hospital B, muitos jogos educativos estão expostos nas estantes, entre eles: Alfabeto, Aprendendo a Contar, B-A-BA das Finanças, Já sei ler, Lógico, Loto Gramatical, Memória, O que é o que é, Sí-la-bas, Soletrando, e diversos jogos de quebra- cabeça, além de outros que despertam o interesse das crianças em participarem do acompanhamento pedagógico. É perceptível no discurso da professora que atua no concernente hospital o quanto esses jogos podem facilitar o atendimento tornando-o mais participativo. Conforme ela (C.S, 2010):

Aqui na escolinha eu uso muito o brinquedo. Eu uso o quebra-cabeça, joguinhos da memória, muitos joguinhos de mesa, encaixe. Porque para as crianças os jogos mais dinâmicos são bem complicados. Eles estão no soro, estão com medicação, estão meio molinhas. E aqui tem aquela vantagem de início, meio e fim. Até porque aqui no hospital o tempo é meio infinito, né? Em casa não, você tem muita coisa para fazer. Tem o horário da escola, tem o horário da atividade. Tem o horário de ajudar a mãe. A própria mãe não tem tempo para estudar com o seu filho, porque tem as atividades da casa. E aqui não. Ela acaba se envolvendo.

As colocações dessa professora revelam mais uma particularidade do acompanhamento pedagógico. O uso dos recursos mencionados está também relacionado à pouca mobilidade que muitas crianças apresentam em decorrência do tratamento clínico. As atividades propostas, lúdicas ou não, acabam sendo planejadas com o devido cuidado de modo a atender essa nova condição. Mesmo se tratando de momentos descontraídos e que motivam a criança a brincar, socializar, há também a preocupação em não expor o paciente a situações que possam prejudicar o tratamento.

Apesar de destacar que as atividades podem ser cumpridas em sua totalidade, ou seja, a criança geralmente tem tempo suficiente para concretizar os exercícios propostos, é preciso

enfatizar que o planejamento delas leva em consideração possíveis alterações no estado de saúde da criança. E isso é considerado pelo professor. Assim, parte-se do pressuposto que as atividades organizadas serão desenvolvidas plenamente, mas existe a possibilidade de que isso não ocorra ou de readequação daquilo que foi planejado.

A adaptação das atividades à faixa etária dos pacientes também ocorre. Na sala da classe hospitalar, crianças de diferentes idades costumam ocupar um mesmo espaço. Porém, como o atendimento pedagógico se propõe a atender suas necessidades individuais, os recursos usados também devem ser apropriados à idade de cada uma delas. Ainda de acordo com C.S (2010), a tendência das crianças menores é se envolverem mais com brinquedos coloridos, materiais de encaixe, pintura, fantoche. As demais optam por jogos que permitem mais interatividade e competição.

No Hospital C, a professora destaca outras atividades que permitem aprender de maneira mais lúdica. Ela utiliza além dos brinquedos, o teatro e o momento de contar histórias. Há também a disponibilidade de computadores e jogos eletrônicos que abrangem assuntos educativos.

Já no Hospital A, as professoras das duas classes hospitalares encontram nos filmes um suporte para a aprendizagem. Outro campo explorado é o da arte. Pinturas em tela, desenhos, recorte e colagem resultam de conteúdos educativos previamente discutidos e trabalhados com os alunos. Diante de tantos recursos lúdicos possíveis de serem explorados no hospital é válido enfatizar a ideia de Santos (2010) ao assegurar que a ludicidade constitui uma necessidade da criança, embora a escola pouco se interesse com o valor prático desta.

Referindo-se mais necessariamente ao brincar e ao uso do jogo enfatiza tais atividades como caminho para uma educação mais coerente com o mundo da criança. Como já mencionado, em meio à variedade de opções para se trabalhar o lúdico junto à educação verificou-se que prevalece em todas as classes hospitalares pesquisadas o uso do jogo como elemento principal de apoio no desenvolvimento dos conteúdos escolares. Os demais recursos não possuem a mesma constância no atendimento ofertado.

6.2.1.3 – Regras e inovações no jogo

Na tentativa de aprofundar como o jogo era empregado aliado às atividades educacionais, ocorreu a opção por questionar a forma como este era explorado no âmbito da classe hospitalar de maneira mais detalhada. Dessa forma, pode-se apurar que o jogo atende tanto aos objetivos específicos do professor ao direcioná-lo para uma situação de aprendizagem, assim como é colocado à disposição dos pacientes no intuito de que seja

utilizado da maneira que convir. Além disso, enquanto para algumas professoras as regras do jogo podem ser adaptáveis para se trabalhar determinados conteúdos, para outras ele é usado, em especial, para averiguar os conhecimentos que a criança já domina.

Assim, há liberdade para que elas estabeleçam as normas a serem seguidas. Esta posição é a adotada pela professora do Hospital A da pediatria cirúrgica que considera ser importante dar espaço para que a criança faça a escolha pelo jogo e oriente suas regras. Esse pensamento também é compartilhado pela educadora que se encontra no setor de pediatria, mas que também destaca a oportunidade de desvendar outros caminhos através desse recurso. Sua explanação reforça esse ponto de vista:

Tem momentos que as crianças brincam livremente, eles acabam modificando as regras. É interessante como são criativas. Fico impressionada com a capacidade de criarem uma nova forma de jogar. Mas tem criança que só vai jogar se seguir as regras do próprio jogo. Tem momentos que eu estabeleço as regras, acompanho, até brinco junto. Assim eu sei o que eles dominam e quais são as dificuldades. É uma forma de saber que conteúdo eu tenho que trabalhar. Tem criança que não consegue entender a regra do jogo e nem é porque é complicado, mas simplesmente porque não domina interpretação de leitura. Tem outras crianças que não conseguem jogar bingo porque não sabem bem os números. Crianças até de séries mais avançadas que já deveriam saber isso. O jogo se torna um parceiro. E aqui você pode trabalhar com cada criança, dar uma atenção maior. Não é igual na escola (A.C, 2010).

Da mesma forma, no Hospital B, a professora reforça o incentivo para que a criança construa os princípios do jogo. Segundo ela (C.S, 2010), esse momento é ainda mais rico, uma vez que permite à criança repensar toda a estrutura já definida e expandir ainda mais seu raciocínio. E isso costuma acontecer de maneira espontânea. Muitas vezes, durante o acompanhamento junto a um paciente, as demais crianças se organizam e orientam as regras do jogo. Assim como a professora, para Muniz (2010, p. 106), “a expressão „liberdade no jogo‟ significa o poder do sujeito de agir sobre a estrutura lúdica, transformando-a”. Algumas observações atentam para a mudança das regras no jogo da criança:

D) A liberdade de criar e inovar