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Atividade que, por sua natureza, implica riscos aos direitos de ou trem

No documento Renzo Gama Soares.pdf (páginas 131-135)

SEGUNDA PARTE MICROSSISTEMAS JURÍDICOS DE IMPUTAÇÃO CIVIL POR

1. Código Civil

1.2. Cláusula geral de responsabilidade pelo risco (art 927, § único)

1.2.2. Atividade que, por sua natureza, implica riscos aos direitos de ou trem

Feita a análise da questão da atividade, passamos a analisar a questão da sua qualificação, ou seja, a necessidade de que esta atividade implique riscos aos direitos de outrem.

De início, é possível se fazer referência a Carlos Alberto Bittar177, definindo que “a atividade será perigosa ou não, consoante ofereça, em seu desenvolvimento, por força de sua natureza ou dos meios ou materiais utilizados, riscos acentuados ao homem, à sua integridade ou à sua própria vida”.

Este conceito é muito próximo daquele mencionado na primeira parte deste trabalho, quando se analisou o risco como fundamento da responsabilidade objetiva. Naquela ocasião, foi dito que toda atividade humana implica algum tipo de perigo de dano. Isso é inerente à vida, em sociedade ou fora dela, inevitável pela própria condição de ser humano.

O risco, como fundamento da responsabilidade objetiva, tem outra conotação, devendo ser a exposição a uma probabilidade de dano maior do que seria

177 Responsabilidade Civil nas atividades nucleares. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1985, p. 38.

esperado em condições ordinárias de convivência social. Inclusive, foi feita a crítica a alguns doutrinadores que utilizam a expressão responsabilidade e teoria do risco como sinônimas, procedimento do qual discordamos, apesar de não haver dúvida quanto à relevância desta teoria para estado de desenvolvimento em que hoje se encontra a responsabilidade sem culpa.

Giselda Hironaka, ao tratar da aplicação da responsabilidade objetiva pelo risco, determina que um dos seus requisitos de aplicação é o que a autora denomina de “risco caracterizado”. Procedendo a uma análise deste conceito, a autora178 afirma: “O risco caracterizado consiste na potencialidade, contida na atividade, de se realizar um dano de grave intensidade, potencialidade essa que é impossível de ser eliminada, não obstante toda diligência que tenha sido razoavelmente levada a cabo.”

A conclusão parecida chegaram os juristas reunidos na I Jornada de Direito Civil, onde foi aprovado o enunciado 38. Analisando o parágrafo único do art. 927, ele dispôs o seguinte:

38 – Art. 927: a responsabilidade fundada no risco da atividade, como prevista na segunda parte do parágrafo único do art. 927 do novo Código Civil, configura-se quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano causar a pessoa determinada um ônus maior do que aos demais membros da coletividade.

Apesar de, nos anais da I Jornada de Direito Civil, não haver a justificativa do referido enunciado, proposto pela Juíza Federal Maria Lúcia Lencastre Ursaia

com uma redação sutilmente diversa da que foi aprovada179, é possível se concluir que o seu objetivo é afirmar o mesmo que vem sendo dito: a teoria do risco se aplica quando é criada uma probabilidade de dano maior do que aquele ordinariamente inerente à vida em sociedade.

A expressão “pessoa determinada”, a quem a atividade causa um ônus maior do que aos demais membros da coletividade, deve ser analisada no contexto posterior à ocorrência do dano, pois se refere à vítima. É claro que não há problema — inclusive é a regra — se o risco for criado de forma a submeter toda a coletividade.

Tratando também da questão da periculosidade ou do risco decorrente de atividade geradora da responsabilidade objetiva por meio do dispositivo legal ora analisado, Cláudio Luiz Bueno de Godoy180 traz importante citação de lição de Marco Comporti, em que o autor italiano afirma:

Todas as atividades humanas podem ser perigosas para aqueles que as exercitam e para os terceiros: mas, para que o adjetivo “perigoso”, referido a uma atividade, possa assumir seu significado pleno, com que é usado no artigo 2.050 CC, deve a atividade ser suscetível de produzir freqüentes e notáveis danos a terceiros; isto é, a atividade deve conter em si não uma mera possibilidade de dano, mas uma grave probabilidade, uma notável potencialidade danosa, considerada em relação ao critério de normalidade média, e revelada através de dados estatísticos e elementos técnicos e de comum experiência.

179 A redação proposta à comissão era a seguinte: “Art. 927: No Direito Privado, evoluiu-se da responsabilidade civil subjetiva, vinculada à culpa (art. 159 do CC), à responsabilidade civil objetiva, fundada na teoria do risco, visto que haverá obrigação de reparar o dano independen- temente de culpa, quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano causar um ônus maior a pessoa determinada que aos demais membros da coletividade (art. 927, parágra- fo único.” (AGUIAR JR., Ruy Rosado (Org.). I Jornada de Direito Civil. Brasília: CJF, 2003, p. 262).

180 A responsabilidade civil pelo risco da atividade: uma cláusula geral no Código Civil de 2002. Tese de livre docência, Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2007, p. 160.

Antes de concluir este item, é interessante a análise do entendimento de Fábio Ulhoa Coelho181 sobre o referido parágrafo único do art. 927. O referido autor, analisando mais a atividade em si do que o seu caráter perigoso ou arriscado, ensina:

A atividade a que se refere a lei, na parte final do parágrafo único do art. 927 do CC, é a que viabiliza a socialização dos custos. Não havendo específica previsão legal atribuindo responsabilidade objetiva, ninguém deve ser responsabilizado por ato ilícito se não tiver meios de socializar os custos de sua atividade.

Este posicionamento, entretanto, parece ser contrário ao desenvolvimento que vem se observando em termos de responsabilidade civil. Apesar de não se fundar na reprovabilidade da conduta do agente, o referido autor leva a obrigação de indenizar para o ponto de vista do causador do dano, e não da vítima. Como já restou demonstrado, Boris Starck já demonstrava, na primeira metade do século passado, que a responsabilidade civil tendia a analisar a obrigação de indenizar não sob o ponto de vista do causador do dano, mas sim da vítima. Dizer que a aquele que cria o risco, apesar de fazê-lo, terá responsabilidade com base na culpa, caso não possa socializar o prejuízo, é agravar a situação da vítima, que é exatamente o que o sistema de responsabilidade objetiva vem tentando evitar desde o final do século XIX.

Diante de todos estes entendimentos demonstrados, é possível concluir, apesar das diversas divergências doutrinárias demonstradas, que ao tratar a cláusula geral de responsabilidade objetiva em razão do exercício de atividade geradora de riscos, o art. 927, parágrafo único, trata da criação de uma

probabilidade de dano maior do que a ordinária, o que define a própria teoria do risco. Para a caracterização do fato descrito no referido dispositivo legal, não há a necessidade de que o autor do dano tenha auferido um benefício em razão do exercício desta atividade, tendo o legislador adotado a teoria do risco- criado.

No documento Renzo Gama Soares.pdf (páginas 131-135)